Gislaine Moreno
Diretora de Desenvolvimento Institucional da Kroton Educacional
Membro da Diretoria da ABMES
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Os princípios orientadores da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foram elaborados sob a liderança da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e estão em consulta pública, para, na sequência, serem submetidos ao Conselho Nacional de Educação (CNE).
Parece algo que não nos diz respeito? Será mais um dos muitos documentos que a cada dia são produzidos na Capital Federal e que em nada mudam o curso da nossa vida? E se nossa área de atuação é o Ensino Superior – considerando que já são muitos os nossos problemas – quanto à BNCC, não deve ser necessária nossa intromissão, não é mesmo? A resposta é que todos esses pensamentos estão equivocados. Qual seja a nossa posição no contexto educacional ou social, a contribuição para o processo de finalização da BNCC é importante.
Todo novo cidadão brasileiro será formado a partir da Base Nacional Comum Curricular. Portanto, nossa sociedade terá características futuras muito próximas das escolhas que fizermos hoje para a educação básica. Ademais, as instituições de Ensino Superior, não raramente, reclamam da qualidade do aluno que recebem oriundo da educação básica. Criticam as defasagens, a falta de conhecimento básico, reclamam que é difícil (às vezes, impossível) trabalhar com o aluno fraco, desdobram-se em programas de nivelamento e discutem sobre a qualidade do nível precedente.
Discussões de mérito à parte, nesse contexto, é inaceitável que as instituições de Ensino Superior não aproveitem a oportunidade de oferecer contribuições para a construção da BNCC. Esse nível de ensino assume dois papéis fundamentais com referência à educação básica: 1) é “consumidor”, quando recebe os estudantes para seus cursos superiores; e 2) é “fornecedor”, no momento que forma professores nos cursos de Licenciatura, para que, exatamente, atuem na educação básica. Portanto, as instituições de Ensino Superior estão completamente habilitadas a se envolverem no processo de construção da BNCC.
Não bastassem os dois papéis fundamentais supracitados, acrescentou-se ao artigo 43 da Lei nº 9.394/1996 (LDB) uma nova finalidade da educação superior: “VIII – atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares”. Assim, o aprimoramento da educação básica entra para o escopo de atuação das instituições de ensino superior. É hora, portanto, de colocar-se como partícipe da responsabilidade de educar a todos, sem distinção de nível de ensino.
E o que dispõe a BNCC? De forma ousada, propõe que na educação infantil, fundamental e média – isto é, toda a educação básica, começando com os pequeninos – os educandos aprendam a viver em sociedade, respeitar a si e ao próximo, sem discriminação – promovendo a igualdade –, convivam e partilhem sentimentos e emoções, apreciem o humor, preocupem-se com o meio ambiente, desenvolvam formas diferenciadas de inteligência, conheçam a história passada e recente e saibam se contextualizar no cenário mundial. A proposta prevê vivências individuais e coletivas em letras, ciências humanas, ciências da natureza, matemática, artes, contudo, incentiva a descoberta de preferências e interesses, bem como o questionamento livre.
Na BNCC, o aluno é proposto como sujeito ativo, capaz de se posicionar diante de questões e situações problemas, apresentar sugestões, relacionar conceitos e conhecimentos em contextos diversos e a pensar no futuro, tanto no seu próprio, quanto no da sociedade. Sinaliza-se, ainda, para a formação e o encantamento pela cultura, o desenvolvimento fundamental de habilidades para o mundo do trabalho, com sinergia para o engajamento na produção e na oferta de bens e serviços. Descreve-se um estudante que conhece a si mesmo, tem noção de seu potencial, preferências, perspectivas e habilidades e, nesse cenário, reconheça seus direitos e deveres como indivíduo ético que convive em sociedade.
A partir da descrição do perfil do aluno que se espera formar na educação básica, apresentam-se os conteúdos que comporão a Base Curricular. Ora, fica evidente que a proposta supera, grandiosamente, os limites do conteudismo. Propõe-se uma postura claramente disruptiva, um reconstrução do ambiente escolar, uma visão nova do ensinar, em que o ambiente coletivo contribua para o desenvolvimento individualizado.
É imenso o desafio proposto. A dimensão é tão extensa que não há dúvidas de que, somente com forte envolvimento dos atores, sensibilização de dirigentes, direcionamento de recursos para capacitação docente, alteração nos projetos pedagógicos dos cursos de formação de professores, vontade e engajamento político, melhoria das condições das escolas de ensino básico, incrementos de meritocracia e investimentos em pessoas, será possível aproximar-se dos objetivos propostos. As mudanças vão além dos livros, pois se fundamentam nas atitudes do educador e em sua ambientação.
Em paralelo, é preciso encontrar caminhos para que os relacionamentos não se comprometam. A BNCC preconiza a socialização, o estabelecimento de vínculos afetivos e de confiança, relaciona ações de amizades e menciona atitudes cotidianas tão triviais e prazerosas como preparar e saborear conjuntamente refeições e cultivar o gosto por partilhar sentimentos e emoções, debater ideias e apreciar o humor. Paralelamente, no dia 09/11, foi publicada a Lei 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Mais um desafio para o educador. É fundamental encontrar o equilíbrio entre o que é bom humor, amizade, coleguismo, afeto e o que passa dos limites e se transforma em violência física ou psicológica. Não queremos uma sociedade fria, arredia, distante, mas, ao mesmo tempo, repudiamos todo ato que cause constrangimento, dor emocional ou física.
É nesse contexto, da busca do equilíbrio nas relações, em um país que precisa se desenvolver, preparar nova geração de líderes, de intelectuais, de artistas, de gente feliz, responsável, que saber fazer valer seus direitos e cumpre com dignidades seus deveres, que precisamos sair da zona de conforto e atender ao desafio de contribuir com as discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular. Perder a esperança, jamais!




