Daniel Medeiros
Doutor em Educação Histórica e professor de História no Curso Positivo
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No final de fevereiro, em Porto Alegre, algumas dezenas de meninas fizeram uma manifestação nas dependências da escola - uma instituição privada cuja matrícula é condicionada à assinatura de um termo de compromisso em relação às regras internas– entre elas, o uso de “roupas adequadas” ao ambiente escolar. A direção entende que shorts femininos não se enquadram no termo “adequado”. As meninas veem nisso uma expressão de machismo e lançaram um manifesto na internet chamado “vai ter shortinho sim”. E estabeleceu-se a discussão.
É fato que vivemos em uma sociedade machista e misógina. É fato que a violência contra a mulher é abjeta e precisa ser combatida. A pergunta é: as normas estabelecidas por uma escola, assim como as normas vigentes para repartições públicas, igrejas, ou quaisquer outros lugares nos quais se queira preservar uma certa liturgia de respeito e adequação, necessariamente implicam em reprimir o corpo da mulher e seu direito de se vestir “como achar melhor”? E, o que me parece mais importante: como se trata de uma escola responsável pela educação de jovens de 13 a 17 anos, não é razoável que esta escola assuma alguns discursos de adequação quanto ao modo de vestir e de agir dentro do espaço escolar desses menores?
Lendo o manifesto das estudantes, cujo título é um imperativo, uma espécie de ameaça – “Vai ter shortinho sim” - , atenta-se, na mesma frase, com o seguinte paradoxo: exigimos que deixe no passado a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, em vez de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito. Agora, os mais velhos – pais, professores, autoridades – não devem mais recomendar o que as meninas podem ou não vestir? Pois, diante da lei, o que as crianças fizerem não é responsabilidade dos adultos?
Hannah Arendt, citando o filósofo Hume, afirma que a civilização humana como um todo subsiste porque “uma geração não abandona de vez o palco e outra triunfa, como acontece com as larvas e borboletas”. No entanto, ela lembra que o declínio do velho e o nascimento do novo não são necessariamente ininterruptos e surge uma espécie de terra de ninguém histórica, que só pode ser descrita em termos de “não mais e ainda não”. A reflexão sobre a “revolta do shortinho” pode ser assim encaminhada: por um lado, a saudável reivindicação por liberdade e reconhecimento; por outro, a busca pela manutenção de regras que traduzem valores de respeito por espaços públicos e pelo recato, pela discrição, pela proteção à exposição pública de crianças, enquanto não há maturidade para escolher e sustentar suas escolhas. Não me parece que se possa condenar, demonizar, descartar tanto uma posição quanto a outra. O que é necessário é compreender.




