Ana Altina Pereira Cambuí*
Mestre em Educação e Contemporaneidade
Coordenadora Adjunta do curso de Medicina da Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista – FASA
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Vivemos num mundo de grande imprevisibilidade em todos os setores da sociedade, especialmente no campo educacional. Tais mudanças e transformações foram e vem sendo oportunizadas pelo avanço tecnológico, pela industrialização da produção que transforma conhecimento científico em tecnologia - criando novos ambientes humanos e destruindo os antigos, pela produção do conhecimento cada vez mais intenso, infinito e aproximadamente exato, como também pela era de incertezas que estamos vivenciando nos últimos anos, principalmente a partir do final do século XX que, segundo Morin (2011, p. 69) trata-se de um século que “descobriu a perda do futuro”. São ondas e ondas que nos dá a sensação de não haver uma ilha segura e, porque não, estável.
Bauman (2009) afirma que quando se patina sobre um gelo fino, a segurança está na velocidade. Na vida líquida moderna, os fatos e acontecimentos mudam tão depressa que é praticamente impossível compreender a origem e a evolução dos acontecimentos. Por isso, cada dia mais a sociedade requisita uma força de trabalho qualificada, treinada e adaptável a esse interminável mundo de mudanças, cujo processo pode ser denominado como “destruição criativa”. Significa dizer que na vida líquida a riqueza dos seres humanos estar no conhecimento que estes têm e não na riqueza de um bem.
Desse modo, os desafios parecem se multiplicar dia após dia, contribuindo para a consolidação e ampliação de um ambiente instável, líquido e fluído que, como disse Marx, “tudo o que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 2007, p.24), ou seja, esse redemoinho de inovações, de competições e turbulências contribui ferozmente para a individuação dos seres humanos, acelerando o próprio ritmo de vida das pessoas e gerando novas formas de poder entre elas. Todavia, é sabido que este cenário acaba provocando nas pessoas alguns sentimentos, como: espanto, medo, aflição e insegurança e, assim, se isso é verdade, os profissionais não podem ficar de braços cruzados esperando por tempestades mais brandas, unicamente por não estarem preparados para o inesperado, já que a vida não se passa a limpo. Se o futuro é incerto, precisamos situar-nos nesta incerteza. Mudaram o trabalho, a família e os valores que, na sociedade atual, parecem viver constantemente em crise. Para Alarcão (2014, p. 3), “é em tempos de crise, como o que hoje vivemos, que mais precisamos de pensamento e de ação”.
Neste cenário complexo e de muitas incertezas, pensar a docência como profissão significa dizer que não basta apenas acumular conhecimentos como muitos a entendem, mas sim, torna-se crucial compreender que vai muito além da aquisição de conhecimentos. Para Dias Sobrinho (2009, p.25), a docência na universidade precisa “desenvolver as capacidades de reflexão, de crítica, de interpretação dos significados das transformações e de aprendizagem ao longo da vida”. Por isso, uma das grandes preocupações atuais em torno da docência universitária diz respeito à sua formação para o ato de ensinar, justamente pela lacuna na formação desse docente que não recebe uma formação didático-pedagógica específica para o ato de ensinar. Contudo, o surgimento da docência se deu com a criação dos cursos superiores e a necessidade de qualificar as pessoas para o exercício de uma profissão que era conduzida por profissionais experientes na sua prática laboral e, automaticamente, saberiam ensinar, ou seja, saberiam expor seus conhecimentos e mostrar, na prática, como aquela ação deveria ser feita. São profissionais com formação técnica, mas não na área pedagógica em que lecionam, a exemplo dos engenheiros, advogados, médicos, contadores, jornalistas, dentre outros.
Com efeito, tal carência na formação do docente universitário ganha respaldo na legislação vigente, enfatizando que não é mencionado a necessidade do conhecimento didático-pedagógico. O artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/96 sugere que para lecionar na educação superior faz-se necessário apenas uma pós-graduação, citando como preferência os programas de mestrado e doutorado. Assim, a preparação para o exercício do magistério superior deverá ser em nível de pós-graduação, dando prioridade aos cursos stricto sensu - mestrado e doutorado. Esse artigo ainda traz em seu parágrafo único a indicação de que o notório saber, que seja reconhecido por universidade que tenha o curso de doutorado numa área afim, poderá suprir a exigência do título acadêmico.
No entanto, como há uma pequena parcela de docentes com tais titulações, algumas instituições oferecem disciplinas como Metodologia de Ensino Superior que poderiam sanar ‘a falta de formação pedagógica’. Os conhecimentos didáticos não são considerados relevantes para uma boa parte do corpo docente, independente da instituição em que trabalhem. (MELO, 2010, p. 45).Autores como Vidal (2002), Fernandes (2001), Carneiro (2006) e Pimenta; Anastasiou (2008) discordam dessa visão equivocada em relação a essa questão, quando sinalizam em suas produções acadêmicas “que é senso comum à concepção de que o docente do ensino superior deve dominar o conteúdo técnico para reunir em si condições de exercer a docência”. E acrescenta, ainda que “o ensinar é visto, então, como ‘dizer um conteúdo a um grupo de alunos reunidos em sala de aula”. (MELO, 2010, p.46) Todavia, foi a partir de 1980 que a discussão em torno da docência universitária ganhou forças, tanto nacional quanto internacionalmente, trazendo à tona a desmistificação de que o professor é o grande detentor do “saber dogmatizado, capaz de transferir, pelo dom da oratória, em aulas magistrais, seus saberes profissionais” (SOARES; CUNHA, 2010, p. 13). Historicamente, a formação para a docência universitária constituiu-se como atividade menor.
Acreditava-se, como ainda hoje há quem acredite, que ‘quem soubesse fazer, saberia automaticamente ensinar’, não havendo preocupações mais profundas com a necessidade do preparo pedagógico do professor. Essa preparação, posteriormente, voltou-se para formação do professor-pesquisador em virtude da proximidade crescente das universidades com o modelo humboldtiano voltado para produção de conhecimentos. Assim, o aspecto pedagógico, na preparação de professores universitários, continuou a ser negligenciado. Em consequência da ênfase na condução de pesquisas, os critérios de avaliação e produtividade e qualidade docente acabaram por se concentrar na produção acadêmica. Dessa forma, uma cultura de desprestígio à docência acaba sendo alimentada no meio acadêmico. (MASETTO, 1998, p.11; PACHANE; FERREIRA, 2010 citado por BERALDO, 2012, p. 30)Esses estudos sinalizam a importância de compreendermos melhor a complexidade que envolve a docência universitária no século XXI que, de maneira especial, vem caminhando para alcançar à sua legitimidade. Uma pedagogia para a autonomia, no que diz respeito ao professor, contribui para reforçar as suas competências, na medida em que lhe exige o exercício de novas responsabilidades e funções, nomeadamente relativas ao desenvolvimento da competência de aprendizagem do aluno. O que implica a necessidade de investimento numa práxis pedagógica criadora – ou revolucionária, expressões essas que são usadas por Lefebvre (1979) e por Vázquez (1977). Nesse sentido, a produção ou autocriação do “próprio homem [...] é determinante, já que é exatamente ela que lhe permite enfrentar novas necessidades, novas situações. O homem é o ser que tem de estar inventando ou criando constantemente novas soluções”. (VÁZQUEZ, 1977, p. 247). E, por se tratar de uma “profissão” tão complexa que requer além do domínio científico do conteúdo, a adoção de posturas éticas e políticas no desenvolvimento de práticas pedagógicas verdadeiramente autônomas, a autonomia surge neste contexto como um elemento de fundamental importância para os profissionais que formam pessoas, justamente pela complexidade e variedade de saberes e práticas que esta profissão requer, oferecendo situações inusitadas que provocam sentimentos diversos, como: tristezas, alegrias, dúvidas, medo, prazer, sofrimento, dentre outros aspectos tão singulares que envolvem a docência universitária.




