Maurício Garcia
Cientista digital na consultoria Solvertank
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Recentemente, fui convidado pela ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior a fazer uma previsão sobre qual será o futuro da educação superior no Brasil.
Difícil, não é?
Bem, para não ficar num simples devaneio, eu usei duas referências principais: o Censo da Educação Superior do Inep/MEC e o relatório Holon IQ 2030, que discute cinco cenários para o futuro da educação.
Comecemos pelo Inep. De acordo com os dados de 2018, o Brasil tem pouco mais de 8 milhões de alunos, os quais estão distribuídos em duas categorias:
- Alunos tradicionais, que fazem cursos diurnos, tipicamente mais jovens e oriundos das classes sociais mais altas. Representam 32% das matrículas.
- Adultos trabalhadores, que fazem cursos noturnos ou a distância, tipicamente mais velhos e oriundos das classes sociais mais baixas. Representam 68% das matrículas.
Essa proporção 32%-68% se manteve inalterada nos últimos 10 anos, porém tem acontecido um movimento interessante na população de adultos trabalhadores: os alunos dos cursos noturnos estão migrando para os cursos a distância. As matrículas em cursos noturnos vêm caindo em termos absolutos nos últimos dois anos.
Esse movimento é relativamente simples de explicar. Os adultos trabalhadores estão preferindo a comodidade dos cursos a distância, que lhes proporciona mais flexibilidade para acomodar sua tripla jornada: trabalho, afazeres domésticos (muitas vezes incluindo filhos) e estudo.
É uma realidade completamente distinta de um jovem que estuda de dia, não trabalha, não tem filhos, não lava sua própria roupa e não faz sua própria comida (a propósito, comparar a nota do Enade desses dois tipos de alunos é, no mínimo, uma crueldade estatística, mas isso é assunto para outro artigo).
Ao fazer previsões, assim, é preciso separar esses dois tipos de alunos, os quais possuem perfis muito diferentes e necessidades bem distintas.
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Vamos agora ao relatório Holon IQ 2030. A Holon IQ é uma empresa criada recentemente e que produz excelentes análises sobre educação, com relatórios fartamente ilustrados com tabelas, gráficos e infográficos. Nas previsões para 2030, o relatório faz cinco cenários:
#1. EDUCATION AS-USUAL
As IES atuais continuam dominando o cenário, mas passam por transformações para se adaptar às novas demandas.
#2. REGIONAL RISING
Surgem alianças locais, regionais e entre países para compartilhar recursos e estimular o intercâmbio de alunos e professores.
#3. GLOBAL GIANTS
Enormes conglomerados controlam a maioria do mercado, com massivos investimentos em tecnologia e ganhos de escala.
#4. PEER-TO-PEER
Ocorre a desintermediação e alunos passam a interagir diretamente com provedores de conteúdo e professores autônomos.
#5. ROBO REVOLUTION
Os currículos são digitalizados e classificados, surgem professores digitais que realizam a maior parte do processo instrucional.
O relatório não afirma qual deles irá acontecer, apenas as apresenta como prováveis evoluções e detalha as características e necessidades para cada um.
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Agora, unindo as duas referências, vou dar as minhas previsões para 2030 no Brasil.
Alunos tradicionais
Para os alunos tradicionais, eu acredito que o cenário 1 (EDUCATION AS-USUAL) é o mais provável. As instituições "premium" continuarão a existir, algumas vão se reformular, mas continuará havendo demanda por cursos presenciais em instituições de prestígio. Essas instituições vão se dividir em 3 categorias:
- Universidades públicas: continuarão atendendo cerca de 2 milhões de alunos, não vão aumentar expressivamente essa quantidade. Seguirão majoritariamente como instituições de pesquisa e serão responsáveis pela maioria dos programas de mestrado e doutorado no Brasil.
- Instituições privadas de nicho: serão instituições pequenas, com cerca de 5 mil alunos, primariamente localizadas nos grandes centros e focadas em determinadas áreas do saber, tais como gestão, jornalismo, publicidade, artes e tecnologia. Em termos de negócio, dificilmente apresentarão grande margem ou crescimento expressivo que desperte o interesse de investidores.
- Instituições tradicionais locais: serão instituições localizadas em cidades menores, com grande tradição e reputação em sua região e que vão disputar com as instituições públicas locais ou serão a segunda opção, antes das demais instituições de seu mercado. De caráter familiar, continuarão a ter em seus fundadores a referência de gestão, mas poderão eventualmente serem adquiridas por grupos profissionais, especialmente durante processos de sucessão.




