Domingo Hernández PeñaEscritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi
***O mundo (a sociedade) adoeceu de uma doença gravíssima (a tal “crise”), que é padecida em toda parte, mas que ninguém sabe dizer com exatidão em que consiste. Um pânico difuso se apodera das pessoas e a Política não sabe como promover o sossego. Multidões ficam sem emprego, perdendo tudo quanto tinham, e a Economia entende que com esse drama é possível recuperar o “desenvolvimento”.
Como se não estivesse acontecendo nada, o Ensino cultiva com novas ferramentas - distraído, encolhido, apático - as ideias velhas que levaram ao desastre... Pior ainda: para que não se diga que não dizem nada nem sabem nada, a Política, a Economia e o Ensino estão introduzindo linguagens vazias (ruídos verbais) que assustam ainda mais ao pessoal, pelo estrondo e pelo desvario. Não conheceram a meu pai, que não se cansava de repetir que... “quando a questão for mais complexa e difícil, a resposta deve ser mais curta e clara”.
É como se, de repente, a inteligência tivesse desaparecido da face da Terra – como se as cabeças mais lúcidas tivessem sido ceifadas.
Preocupados com o imenso problema, que ameaça com desgraças maiores, uma dúzia de intelectuais independentes, de diversas nacionalidades, decidiu oferecer-se como grupo consultor, ou de reflexão, ou de análise, às principais entidades públicas e privadas e aos setores econômicos e culturais que tinham liderado nas últimas décadas a milagrosa transformação da Espanha num país próspero e moderno, e que agora sofrem uma estranha perda de iniciativa interna e externa que custa muito entender.
Tive a honra de participar desse grupo, e estou voltando da Europa depois de viver um intenso mês de abril, carregado de debates, discussões, palestras e desencontros, em seis belas cidades nas que (como no resto do planeta) se respira medo, e onde o deterioro geral avança, afetando tudo, desde a recolhida do lixo ao sorriso das pessoas...
O que foi que aconteceu? Que mundo é este, em que estamos vivendo, e para onde é que a realidade está nos levando?
A Crise
A crise que nos ocupa e preocupa não é nem poderia ser a consequência simples e direta dos crimes cometidos por delinquentes financeiros com poder global. É algo muito mais profundo e complexo, e, paradoxalmente, muito mais fácil de explicar e de entender.
Os males que o mundo e a sociedade estão padecendo têm, na verdade, duas causas principais, agravadas nos últimos tempos até limites insuportáveis:
- O Homem deixou de ser a figura central e fundamental da Criação.
- O Pensamento Inteligente foi substituído pelo Saber Produtivo.
A sociedade foi rebaixada à condição de mercado. Para sanear a economia, a primeira coisa que se faz é despedir trabalhadores (ferramentas caras e imperfeitas, frágeis, que às vezes se resfriam e mudam de humor a toda hora).
Pensar muito e alto pode ser até perigoso. Aproximar-se a Deus não serve para nada. O que importa é saber fazer coisas insignificantes, rápidas, baratas, de consumo massivo e compulsivo.
Os dois absurdos se transformam em crise graças ao impulso que recebem da Democracia Estatística que se espalhou pelo mundo (a que se sustenta da pura razão da maioria, sem qualquer contrapeso qualitativo). Não é por acaso que o deterioro geral coincida tanto com o deterioro político...
A Política
Sem a colaboração ativa ou passiva da Política, nenhum banqueiro sem alma teria levado o mundo ao desespero. É a Política a que continua defendendo e protegendo aos delinquentes que detonaram a Crise. É ela também a que aceita, programa e facilita o desemprego massivo, e a que expulsa de seus lares, sem piedade, aos milhões de infelizes que agora não podem pagar as injustas hipotecas...
A Política manda menos que o Dinheiro, mas pode fazer (e faz) mais dano que os banqueiros. É o resultado da maioria democrática não qualificada. Não é casualidade que dos Governos e dos Parlamentos tenham desaparecido por completo as pessoas mais capazes e mais dignas. Nem é casualidade a sensação, ou a certeza, de que muitos países estão sendo liderados, neste momento histórico, por personagens lamentáveis, quando não ridículos.
A dúvida é inquietante: se a Crise apareceu, cresceu e continua crescendo à sombra da Política, com que política será possível acabar com a Crise?
A Economia
Eu não sei bem o que entender quando, atualmente, me falam de Economia. Mas sei que a Economia mais falada não tem nada a ver com o progresso, nem com a felicidade, da maioria. É um jogo difuso e confuso que, quando vai bem, serve para que as coisas possam crescer e multiplicar-se, e para acumular mais benefícios tangíveis e intangíveis, sempre a favor, por algum mistério, de pessoas e grupos que nunca tive o prazer de cumprimentar.
Quando a coisa está em positivo, quem consome é a maioria e quem acumula riqueza é a tal minoria que eu desconheço. E quando está em negativo a maioria deixa de consumir e a minoria não ganha nem perde.
Ou seja: a Crise não atinge a todo mundo da mesma forma. Os que não ganham nem perdem podem esperar. Os que consumiam e deixaram de consumir por falta de recursos podem morrer de inanição...
Isso quer dizer que a volta ao desenvolvimento (à normalidade) só seria possível se os que escondem a riqueza acumulada estivessem dispostos a se arriscar, em alguma medida, favorecendo de novo o emprego e o consumo. Mas não é por aí que vão os tiros: os que podem esperar não arriscam nada, muito pelo contrário, e, ao que parece, preferem o crescimento do desemprego à conveniência de abrir os cofres um pouquinho.
A senhora Merkel está convencida de que a Crise se acaba reduzindo ainda mais os investimentos e os salários!
Nos debates que mantivemos na Espanha, foram os economistas os que mais me decepcionaram. Para eles, o Pensamento Inteligente, por ser criativo, é pura poesia. Eles entendem de modelos, previsões, fórmulas, experiências e números. Mas não sabem de tragédias grandes e novas, ainda não “filosofadas” nem choradas por completo. E por isso fracassam no intento de remediar a Crise atual com as receitas menores que serviram para superar as dificuldades “clássicas” do passado.
Quando em Salamanca me escutaram dizer que a Economia está precisando de literatos, mais que de matemáticos, pensaram que estava brincando e riram bastante.
O Ensino
Para mim é evidente (está demonstrado) que a Política, com a sua mediocridade e com as suas corruptelas, não sabe nem pode remediar a Crise. E não tenho a menor dúvida, depois do que pude ver e ouvir na Espanha, de que a Economia, com a sua cega e brutal ambição, não está disposta a pedir perdão pelos males causados. De ter alguma esperança, grande ou pequena, só a colocaria do lado do Ensino.
E falo do Ensino - peço que me entendam - entendendo-o como instrumento sagrado capaz de desenvolver inteligências plenas.
Digo o que acabo de dizer convencido de que aquilo que estamos ensinando pelo mundo afora é a fracassar - a nunca chegar à suprema condição de pessoas completas.
Uma pessoa completa só pode ser aquela que se conhece completamente a si mesma, antes e por cima de tudo.
Só conhecendo-se a si mesmas, tendo consciência plena do que realmente são e do que levam dentro, as pessoas não seriam atropeladas, enganadas ou manipuladas com tanta facilidade pela Política e pela Economia. Cada qual resolveria ou evitaria “sua” crise...
Daí - com essa ideia talvez incompleta em mi cabeça - a importância do que escutei em Aranjuez, dito por um sábio pouco conhecido, mal vestido e mal barbeado, chamado Antonio Martín:
1 – Deixemos, por favor, de uma vez por todas, de seguir falando de essa coisa tão antiga e tão torpe chamada Ensino. Falemos de Aprendizagem.
2 – Aceitemos sem condições, humildemente, que a Aprendizagem não tem fim, e que pode e deve aprender-se de todas as formas possíveis, de tudo, em todo tempo e lugar. Se, na Economia, as pessoas não tivessem deixado de aprender quando saíram das suas respectivas escolas, agora mesmo, muito provavelmente, não teríamos Crise.
3 – Para que se entenda: uma pessoa é como uma árvore, e as árvores não seriam árvores, ou acabariam sendo outra coisa, se todas as suas raízes, galhos e folhas não tivessem o mesmo impulso vital, simultaneamente. Quando uma pessoa só aprende a somar, ou a carimbar, ou a imprimir, ou a jogar futebol com o pé esquerdo, é como se a árvore abandona-se o seu todo maravilhoso para exagerar o cultivo de uma parte insignificante do seu ser e do seu existir...
O discurso de Antonio Martín pode parecer uma gota de nada no oceano escuro da Crise que nos atormenta. Mas é a única luz que encontrei viajando pela Europa dolorida, em busca de algum tipo de esperança global.
Brasil
O Brasil não é como pensam alguns otimistas um mundo privilegiado e diferente. É uma parte evidente do mundo mundial. E, assim sendo, nem está nem vai estar livre da Crise que nos ameaça.
A Crise também está e vai continuar estando entre nós. Só que, aqui, o deterioro generalizado se nota menos (pelo costume...) que nos países mais consolidados. Impacta mais, por exemplo, a surda e lenta decadência da T4 de Barajas que o escândalo continuado de Guarulhos...
No Brasil há crise - e haverá - porque o Brasil é parte do mundo, mas, também, porque o Brasil está funcionando agora mesmo com, exatamente, as mesmas receitas que levaram ao fracasso aos países mais avançados.
E, além disso, aqui temos enormes problemas próprios que aqueles países não tinham ou que tinham com menor peso e medida: a delirante burocracia, a incidência fiscal, as deficiências do ensino, a enquistada corrupção, a falta de segurança, a precariedade dos transportes e das comunicações, etc.
No mundo, o detonante da Crise foram os delitos bancários que todos conhecemos. No Brasil, a Crise acabará sendo totalmente evidente, “popular”, quando os brasileiros tomem consciência das consequências terríveis que vão ter os famosos eventos de 2014 e 2016.
Houve um momento, não faz muito tempo, em que todos nós, os humanos de todas as latitudes, sonhamos com o começo de um mundo melhor. Parecia possível e evidente. E agora resulta que o começo se acaba, e que estamos obrigados a reinventar a realidade – a vida.




