Domingo Hernández Peña
Escritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi
***
Verdade: os que mais defendem a globalização (a liberdade do dinheiro e dos negócios) são os mesmos, e não por acaso, que menos defendem o direito de ir e de vir (a liberdade das pessoas).
Essa brutal contradição é uma das causas principais, senão a única, da Terceira Guerra Mundial que estamos vivendo, que para dissimular chamamos Crise (só Crise) pelo mundo afora, e que na Europa também chamam Crise dos Refugiados, e nos Estados Unidos Crise dos Ilegais. Como se alguém de carne e osso pudesse ser ilegal!
Os matizes, que não alteram a raiz do problema, se devem à diversidade dos valores que cada qual pretende proteger: a Europa é um labirinto histórico, feito de pátrias e sofrimentos; Estados Unidos é uma potência consolidada com o conhecimento e com o esforço, mais que com história e com sangue...
Na Europa, os refugiados seriam um perigo porque obrigariam a reescrever a história complicada. Nos Estados Unidos, os ilegais estariam atrapalhando o progresso porque comprometeriam, entre outras coisas, o nível educativo alcançado...
Mas a realidade não é assim de simples. A verdade verdadeira é que a Europa não tem futuro sem uma revitalização demográfica intensa e urgente, e o progresso de Estados Unidos não pode manter-se sem muitos pobres que consumam o que os ricos já não querem, e que façam o trabalho menos qualificado da agricultura, da construção, do cuidado aos doentes, à terceira idade, à infância, etc.
Quando o candidato Donald Trump arremete contra os mexicanos, legais e ilegais, e os eleitores republicanos o apoiam, o que estamos vendo é um delírio da demagogia. Arremete contra os mexicanos porque os mexicanos são a colônia mais numerosa e menos preparada. Mas arremete sabendo que o que diz não é possível nem recomendável. Se a expulsão que propõe fosse possível, nos Estados Unidos já não haveria tantos mexicanos. E se fosse recomendável, ele mesmo, como empresário, não poderia construir o muito que constrói, do jeito que constrói...
Donald Trump não recebe apoio político pela lógica do seu discurso, que é nenhuma, e sim pela estratégia tenebrosa que se esconde naquilo que ele não diz. No país onde todo poder e toda gloria depende do conhecimento, os que já são poderosos se sentem ameaçados pelos que chegam de fora querendo aprender para ser iguais. Daí a hipócrita tolerância com os milhões de ilegais. Na prática cotidiana, a eles é permitido trabalhar, mesmo na precariedade que todo mundo conhece e percebe. Porém, humilhados, sem documentos, “invisíveis”, eles não conseguem estudar – progredir.
Seguindo por esse caminho (se esse fosse o caminho...) não seria difícil imaginar como o país mais poderoso do mundo poderia transformar-se para pior num prazo curto de trinta ou quarenta anos: como o crescimento demográfico da população legal e ilegal que Donald Trump detesta é muito mais acelerado que o crescimento demográfico da população que ele supostamente defende, o “sonho americano” ficaria numa espécie de conformismo paralisante e a supremacia do conhecimento, coluna vertebral da Nação, seria substituída pelo império da mediocridade.
Dito assim - imaginado assim - é para preocupar-se. E, preocupados, nos primeiros dias de setembro mantivemos em Washington uma longa reunião com líderes “hispanos” do Partido Democrata, para intentar responder entre todos à pergunta inquietante: existe algum remédio possível – viável?
O remédio não é nem pode ser outro que a volta ao espírito que possibilitou a grandeza do País - à supremacia do conhecimento, compatibilizado agora, de forma integradora, com o direito claro de ir e de vir.
Ou, dito para que se entenda: o remédio é uma Educação reinventada, capaz de integrar às pessoas, como pessoas, mais que aos grupos ou que as nacionalidades.
Porque a Educação que agora existe está errada, também nos EEUU. Está errada quando globaliza os conteúdos, como se todas as pessoas fossem iguais em toda parte. E está errada, à inversa, quando particulariza, discriminando o acesso ao estudo, como se os direitos não fossem universais.
Do que estamos precisando, lá como aqui, aqui e lá, é de um Ensino capaz de igualar os direitos de todos, respeitando as diferenças individuais, pessoais, de próprios e de estranhos.




