Valmor Bolan
Doutor em Sociologia e Presidente da Conap/MEC (Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social do Programa Universidade para Todos-PROUNI)
*** O que podemos apreender, de imediato, dos acontecimentos convulsivos da última semana, é o tom das ruas. A primeira nota do tom das ruas que se ouve é que a população está perdendo a paciência com os poderes públicos, especialmente com os políticos, indiferentes aos seus sofrimentos quotidianos e que tm uma agenda muito distanciada das necessidades populares. O que tem se colocado em xeque é a democracia representativa, e há um clamor por uma democracia mais direta, por um poder popular. Aliás, a Constituição de 1988 instituiu diversos mecanismos de democracia direta: plebiscito, referendum, abaixo-assinados.... É preciso, contudo, entender o que está por trás desse tom, que não nos parece tão espontâneo assim, pois ideologicamente coerente com o próprio governo federal, de matiz socializante ou pseudossocializante.. Já há muito tempo temos visto uma sucessão de episódios que visam desgastar a imagem dos parlamentares e demais representantes do povo, por isso agora - e aí está o caráter revolucionário das manifestações - o povo quer (o que afirmaram muitos especialistas chamados a comentar os protestos nos canais televisivos!) o poder popular, uma democracia mais amadurecida, mais participativa, diminuindo e até mesmo isolando os políticos (e muitos deles fizeram para merecer esta forte rejeição!), nos quais muitos não se sentem representados.
Esta é uma tônica que merece ser refletida, para começar a entender os fatos atuais, que vieram como um choque da realidade, mas que não emergiu assim de modo tão inesperado, há um ano do período eleitoral de 2014. É evidente que há muita coisa combinada, entre os que financiam e promovem as manifestações. Por outro lado, não há dúvida que há uma forte adesão de significativos segmentos das classes alta, média alta e média-média; sem, entretanto, desmerecer a participação da ‘nova’classe média (a média baixa), que sentiu o ‘gosto’ do consumo, do qual estava excluído.
A proposta da presidente Dilma de fazer um plebiscito para a reforma política via iniciativa popular também lembra as estratégias já utilizadas em outros países da América Latina para reforçar as mudanças sociais mais complexas de forma manipulada, utilizando as massas para justificar tais mudanças. Só assim os grupos de poder entendem ser possível prosseguir a’ revolução’ política e cultural que já vem empreendendo há já algumas décadas. Há ainda outras forças autênticas da sociedade que desejam efetivas e merecidas mudanças. Os políticos estão assustados e regridem em seus malfeitos legislativos como foi o caso da PEC 37, que objetivava calar a Promotoria Pública. Não há dúvida que se trava uma guerra surda das forças de direita e de esquerda para dominar a movimentação das massas. O governo federal e o Congresso, especialmente, entenderam bem o recado das ruas e não pretendem perder o controle. Se possível, tentarão mudar um mínimo para que as coisas fiquem como estão.
Por isso, diante do que aconteceu esses dias, com o grau inclusive da violência manifestada no movimento, não podemos ficar indiferentes ou alienados. É preciso ler nas entrelinhas, naquilo que não está sendo dito pela mídia, e estar mais atentos para ver o que querem os atores deste novo ato no teatro de operações em que estão envolvidos os fomentadores de tais convulsões, o povo e os políticos,. Estes buscarão ‘salvar a pele’ e os privilégios que tem. A liberdade é o produto da eterna vigilância? É sem dúvida produto de luta e engajamento consciente na busca da justiça social e da solidariedade humana.




