Domingo Hernández Peña
Escritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi
***Aqui, no Brasil, qualquer estrangeiro com dinheiro e ambição pode ser dono, com bastante facilidade, desde dentro ou desde fora, de uma ou de muitas universidades. Mas não pode ser dono - porque não - de um jornal ou de qualquer outro meio de comunicação. O medo à informação continua sendo superior ao medo à formação!
Fala-se muito da maravilha das associações de ex-alunos que nos Estados Unidos continuam vinculados às escolas onde estudaram, prestando-lhes ajuda. E prevalece a ideia de que essa ajuda é, só, econômico-financeira. Mas não é assim de simples, não. As ajudas econômicas existem, é verdade, em forma de abundantes e generosos “retornos” financeiros. Porém, nem todos os ex-alunos norte-americanos são milionários e as faladas ajudas também são de caráter social, cultural, político... Os que triunfam nas artes, na função pública, nos esportes, e não só nas empresas e nos bancos, também ajudam com o seu prestígio e com a sua influência para que seus antigos centros sejam cada vez melhores, e mais respeitados e competitivos. A colaboração com as escolas se parece com o dever solidário para com as famílias. E não há famoso que não queira levar na solapa, ou no carro, algum distintivo que o identifique com a instituição à que deve o que sabe...
No Brasil, poderíamos encontrar semelhança no universo do futebol ou das escolas de samba. Só que, lá, nos Estados Unidos, a devoção ao conhecimento é outra coisa, muito mais séria.
As bolsas de estudo são a fórmula mágica que permitiu pelo mundo afora o incremento vertiginoso da população universitária. Sem o milagre das bolsas, o conhecimento superior ainda hoje seria, como na minha infância e na minha juventude, um privilégio das minorias mais reacionárias. Não havia mais progresso, nem mais justiça, porque não havia mais reparto do saber... E acontece que agora, com a crise que não acaba, alguns dos países que mais progrediam porque se encontravam entre os que mais bolsas ofereciam, são pobres... Neles há mais necessidade de bolsas e menos possibilidade de consegui-las. O mundo ao revés. Por lá, de novo, o poder está voltando, concentrado, insuportável, aos núcleos duros das fortunas antigas e da falta de consciência e de iniciativa... O problema é tão assustador que ele mesmo está provocando uma reação que pode parecer tranquilizadora: da noite para o dia, de forma quase espontânea, como caída do céu, muitos patrocinadores estão assumindo a responsabilidade de financiar os estudos de milhões de universitários abandonados pela miséria dos poderes públicos... É algo assim como patrocinar um atleta, uma corrida de cavalos, a procissão de Nossa Senhora ou uma campanha de um candidato a vereador...
Para mim, nestes tempos escuros, isso é melhor do que nada. Porém, tenho amigos, catedráticos de renome, que não pensam como eu. Para eles, o patrocínio particular “particulariza” o resultado, destruindo o valor do mérito e abrindo a possibilidade de que as boas relações, ou a sorte, sejam mais determinantes que o talento; e, por outro lado, temem que os governantes se afastem pouco a pouco do compromisso pleno com a Educação, ao perceber que o ideal da plenitude se alcança pela lei da gravidade...
Vejo, escuto dizer, leio com sobressalto, que nas alturas do Ensino Superior Particular os líderes do setor continuam dando-lhe voltas à questão da Qualidade. De acordo com o que consta e parece, ninguém tem a menor dúvida do que seja qualidade do transporte, do futebol, da medicina, do vinho tinto... Mas, tratando-se do Ensino (do Ensino Superior Particular Brasileiro), por algum mistério, a ideia de qualidade altera o raciocínio dos pensadores mais lúcidos... Onde está o segredo? O segredo está em que os objetivos e funções de qualquer transporte, futebol, medicina ou vinho tinto são evidentes e indiscutíveis; e os do nosso Ensino Superior Particular são confusos e difusos, quando não simplesmente inexistentes... Uma qualidade maior ou menor só pode ser o cumprimento maior ou menor de uma função. Quando a função se desconhece, ou não existe, a qualidade é impossível de ser avaliada...
O que estou pensando e escrevendo não me agrada. Mas a consciência ferida me diz que chegou a hora de que o Ensino Superior Particular Brasileiro se olhe no espelho e reconheça a verdade: sem ele - sem esse Ensino Superior que aí está - o Brasil seria hoje um país lamentável. Mas isso não quer dizer que seja o que deveria e precisaria ser.
Em essência, o Ensino Superior Particular surgiu e cresceu graças ao fracasso da iniciativa pública. E continua crescendo (vejam as surpreendentes estatísticas mostradas aqui ao lado) porque se desenvolve neste país, onde tudo cresce sem que crescer signifique melhorar. A confusão entre uma coisa e a outra é uma desgraça que está destruindo a inteligência nacional. Daí a imprecisão qualitativa. Por que, como e quando um curso “superior” é superior de verdade no Brasil? São universidades esses estabelecimentos que não cultivam o conhecimento universal? Pode cultivar-se o conhecimento universal recebendo e matriculando alunos que chegam do ensino médio sem saber ler nem escrever? O que é, hoje, o Pensamento Brasileiro? Onde estão os brasileiros ilustres que representavam esse Pensamento, quando ele existia?
Falar de qualidade pode ser até indecente quando se fala por boca dos que abandonaram a formação de uma Consciência Nacional – quando quem predica se dedica na prática ao negócio fácil da mão de obra barata, inculta e abundante, ignorando a preparação de cidadãos melhores, mais conscientes e comprometidos, com iniciativa própria individual e coletiva.




