A pobreza não foi criada pelos pobres. É um produto do mundo capitalista e, para transformá-la, devemos mudar os modelos e conceitos rígidos da nossa sociedade. Quando os pobres forem motivados a libertarem a sua energia e a sua criatividade, a pobreza desaparecerá rapidamente. (Muhammad Yunus[1])Surgidas no século passado, as Organizações Não Governamentais (ONGs) definem-se como um grupo social organizado, sem fins lucrativos, constituído formalmente para atender ações de solidariedade no campo das políticas públicas em proveito de populações carentes das condições de cidadania. Suas receitas, quase sempre, decorrem de doações, patrocínios de empresas ou verbas governamentais e, raramente, têm autossustentação financeira. Ou seja, essas organizações complementam o trabalho do Estado, recebendo financiamentos e doações dele, assim como de entidades privadas. Situadas entre a esfera pública e a privada, essas organizações surgiram devido à ineficiência do poder público de atender às necessidades da sociedade, promovendo ações sociais, culturais artísticas e assistenciais. Lamentavelmente, muitas fraudes e falcatruas envolvendo falsas licitações e escorregões administrativos têm colocado diversas ONGs no centro de escândalos de corrupção e desvio de verbas. (Desejando conhecer números e estatísticas sobre as ONGs, acesse www.abong.org.br/ongs.php?id=18) Hoje, no entanto, existem em nível mundial experiências de negócios de caráter social que ultrapassam esse nível assistencial e solidário e, concretamente, propiciam melhor atendimento das populações carentes, ou seja, desenvolvem a capacidade de os indivíduos realizarem, por si mesmos, as mudanças necessárias para evoluir e se fortalecer. Esse é o caso dos negócios sociais que, diferentemente das ONGs, são autossustentáveis, não dependem de subsídio governamental e da mesma forma complementam o trabalho do Estado. O professor e economista Muhammad Yunus, terceiro de uma família de 14 filhos, dos quais cinco morreram nos primeiros anos, foi o primeiro a usar o termo negócios sociais. Em 1976, Yunus tinha no bolso apenas US$ 27, mas dividiu-os entre 42 mulheres que ele sabia que estavam endividadas, vivendo abaixo da linha de pobreza na vila de Jobra, Bangladesh, país natal do economista. Com o empréstimo, essas mulheres, que viviam em ciclo de miséria, presas a agiotas locais, puderam pagar suas dívidas e começar pequenos negócios. Havia, porém, o compromisso de devolverem os valores o mais rápido possível, sem juros nem qualquer correção. O pequeno experimento teve um grande efeito: os empréstimos foram pagos, geraram novos empréstimos e a vida da população de Jobra começou a mudar. Em 1976, o Professor Yunus começou a fazer experiências com o fornecimento de pequenos empréstimos sem as garantias e as exigências tradicionais dos bancos comerciais. Nasceu assim o Grameen Bank, que mais tarde, em 1983, tornou-se um banco oficial para fornecer empréstimos aos pobres, principalmente às mulheres na zona rural de Bangladesh. Grameen, palavra bengali para "aldeia", descreve o próprio caráter da filosofia de negócios sociais: começar em pequena escala. O Grameen Bank cresceu e tornou-se um grande sucesso ao permitir que um número enorme de pessoas saísse da pobreza e fosse partícipe do negócio social. Considera o trabalho em rede, fazendo parcerias de forma a fortalecer e ampliar o impacto da atuação do negócio; combate o trabalho escravo, forçado ou infantil; cuida da cadeia produtiva; gerencia o impacto ambiental e articula políticas públicas. O eixo principal desse negócio, antenado com os preceitos do novo milênio, é causar impacto positivo em uma comunidade, ampliando as perspectivas de pessoas marginalizadas pela sociedade, tudo aliado à possibilidade de gerar renda compartilhada e autonomia financeira para os indivíduos de classe baixa, pois, como define Yunnus, “all humans are born entrepreneurs”. Atualmente, o Grameen Bank tem mais de 8,4 milhões de mutuários, 97% dos quais são mulheres, e desembolsa mais de 1,5 bilhões de dólares por ano. A ideia se espalhou por quase todos os países do mundo, incluindo países desenvolvidos e industrializados. O pai do microcrédito criou também outras 50 empresas, a maior parte delas como negócios sociais, sempre defendendo o princípio de que o lucro deve ser totalmente reinvestido na empresa e destinado à ampliação dos benefícios socioambientais. A grande força motriz dos negócios sociais está assentada em condições incomuns porque combina o melhor do business tradicional – dinamismo e eficiência – com o melhor do setor público e filantrópico – consciência e solução de problemas sociais. Por ser financeiramente autossustentável, o negócio social não depende de doações, ao contrário de ONGs ou de programas de governo. Suas receitas cobrem seus custos. Assim, mexe com mais dimensões do ser humano do que apenas fazer dinheiro. Ao contrário do business tradicional, pois não tem o objetivo de maximizar o valor para os acionistas. Como tem significado e propósito, o negócio social é altamente motivador e libertador de todo o potencial criativo humano, resultando em grandes inovações. O dinheiro doado para uma ONG ou instituição filantrópica não retorna. Já o dinheiro investido em negócio social não só retorna como pode ser investido em outro negócio social, depois em outro e em outro. Ou seja, o investimento em negócio social se recicla. A crise financeira e econômica global tem mostrado que o capitalismo precisa de um complemento. E o negócio social é uma grande ideia para esta nova era em que vivemos, pois mostra que não há conflito entre ambição social e econômica. No Brasil, a iniciativa ainda não aportou como deveria, mas, nos últimos anos, foram implementados projetos nessa linha por empresas como Danone, Veolia, BASF, Adidas, SAP, Uniqlo, Intel. O negócio social deve beneficiar diretamente pessoas com faixa de renda mais baixas, as chamadas classes C, D e E, que, de acordo com o IBGE, em 2010, correspondiam a 168 milhões de pessoas. Essa nova ordem social e econômica tem possibilitado, em diversas localidades, a emancipação econômica e social de populações e articulado mercado-democracia como valores centrais da realização humana, o que é necessário para garantir a estabilidade do sistema no âmbito mundial. Ou seja, o negócio social justifica a possibilidade de humanização do capitalismo e estamos dele tratando, porque poucas instituições de ensino superior brasileira tenha lhe dado atenção. É tema que dá alternativa de trabalho para os egressos das universidades. [1] A Empresa social. A nova Dimensão do Capitalismo para fazer face às Necessidades mais prementes da Humanidade, Editorial Presença, Lisboa 2011.