Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade. (Raul Seixas)A jornalista Jéssica Nascimento noticiou no mês de julho no site UOL que a estudante baiana Geórgia Gabriela da Silva Sampaio, de 19 anos, havia sido aceita em nove faculdades dos Estados Unidos (Jovem passa em nove universidades dos EUA e arrecada dinheiro para viagem). Ela havia desenvolvido pesquisa para diagnosticar a endometriose e, por esse feito, foi premiada pela Universidade Stanford. Filha de cabeleireira e de pequeno comerciante, sem recursos para viajar, a jovem precisou fazer uma “vaquinha online” para arrecadar a quantia que lhe permitisse pagar a passagem para a universidade, comprar livros, adquirir roupas para o inverno e manter-se alguns meses até conseguir trabalho. No Brasil, não havia conseguido nenhum apoio para seu projeto e, por isso, precisou ir ao exterior para dar continuidade ao trabalho. Tenho lido, cada vez mais, sobre jovens universitários que procuram formas alternativas para financiar seus projetos. São alunos que alimentam sonhos de ser empreendedores. Não querem mais simplesmente um emprego, querem, sim, ter seus próprios negócios, enfrentando todos os riscos que a opção lhes reserva. Querem ser protagonistas do desenvolvimento econômico. Intuem que são as empresas nascentes, e não as consolidadas, que conduzem o desenvolvimento de novas tecnologias. A razão para isso é que as empresas consolidadas se mantêm “muito próximas” de seus clientes e consumidores, atendendo rotineiramente suas necessidades, sem inovar. Por isso as empresas nascentes – as startups – são fundamentais: ao ignorarem as necessidades imediatas dos consumidores e ao desenvolverem tecnologias disruptivas, criam novas demandas e novos mercados. Dessa forma, o comportamento das grandes empresas acaba por vir a ser autodestrutivo, uma vez que a tecnologia das entrantes ameaça os mercados consolidados. No entanto, as pequenas empresas e os empreendedores iniciantes têm limitadas opções de financiamento, pois empréstimos bancários são, muitas vezes, negados devido à falta de garantias e de histórico comprovado. Por isso, o crowdfunding – uma das vertentes da economia colaborativa – tem sido a “bola da vez” para preencher essa lacuna, na captação de recursos, pois conecta ao público em geral empresas/empreendedores marginalizados pelas fontes tradicionais de financiamento. No crowdfunding há a participação coletiva voluntária de indivíduos por meio de pequenas contribuições individuais, não só para solução de problemas pessoais, como os da Geórgia, e de centenas de outros, mas também, e principalmente, para empreendimentos comerciais. Embora esse fenômeno seja relativamente novo, práticas similares já se empregavam há séculos: Mozart e Beethoven financiaram concertos e publicações de novas partituras por meio de adiantamentos de centenas de pessoas interessadas; a Estátua da Liberdade foi financiada por pequenas doações de americanos e franceses e os recursos para a construção do nosso Cristo Redentor foram obtidos por meio de uma campanha de arrecadação de fundos. A diferença fundamental é que o despontar recente do crowdfunding, sobretudo o crowdfunding de recompensas, está relacionado ao desenvolvimento da internet. Neste tipo, os criadores exibem sua ideia em um website voltado para a captação de doações coletivas, as chamadas plataformas. Informam a quantia necessária para que o projeto se realize e o prazo para concretizá-lo, e, se o objetivo for atingido, oferecem recompensas aos apoiadores. Trata-se, assim, de um tipo de capital empreendedor cujo método de captação de recursos se dá através da internet pelo aporte de recursos advindos da coletividade dispersa. Desses três elementos indispensáveis ao êxito de uma campanha de crowdfunding — o proponente do projeto, os apoiadores e a plataforma —, o papel desta última é crucial, pois, sem ela, os demandantes não seriam capazes de alcançar um elevado número de apoiadores para viabilizar o financiamento. Existem atualmente no Brasil 64 plataformas de crowdfunding em atividade em diversas áreas como entretenimento, cultura, projetos pessoais, meio ambiente, desenvolvimento de novos produtos, entre outros. Reportagem de O Estado de S. Paulo, do último 6 de setembro (Em meio à crise, plataformas de financiamento coletivo arrecadam mais), contabiliza números em relação a esses websites: US$ 34,4 bi devem ser arrecadados por eles em 2015 no mundo; 42% dos sites de crowdfunding estão ativos no Brasil; R$ 603 mil foi o maior apoio a um projeto conseguido na plataforma brasileira “Catarse”. Lançado em 2011, esse website conta com mais de 235 mil apoiadores, que já injetaram R$ 34 milhões em projetos. Segundo o The Crowdfunding Industry Report 2015, maior pesquisa anual sobre a indústria do crowdfunding, conduzida pela Massolution, empresa norte-americana que pesquisa e presta assessoria ao setor, o faturamento global do crowdfunding cresceu 167% em 2014, atingindo US$ 16,2 bilhões, com 1250 plataformas pesquisadas. A previsão para 2015 é que o valor dobre novamente. A possível explicação para o fenômeno do crowdfunding está na palavra de ordem do novo milênio: colaboração. O que incentiva apoiadores a financiar as campanhas de crowdfunding é a possibilidade de participar da criação de um produto, o apoio a uma causa e o sentimento de pertencimento ao grupo, além, é claro, do interesse pela recompensa. Popularizar a impressão em três dimensões no Brasil foi outro exemplo de três estudantes de engenharia da Universidade de São Paulo quando fundaram, em 2012, a “Metamáquina”, uma das empresas pioneiras na fabricação de impressoras 3D de baixo custo no Brasil. Os sócios inspiraram-se nas visitas a hackerspaces europeus – oficinas colaborativas que reúnem capital intelectual para o desenvolvimento de tecnologia em conjunto – permeados sempre pela ideologia do software livre e do hardware aberto, o que na prática significa que qualquer indivíduo com conhecimentos e material necessário pode fabricar e customizar aparelhos eletrônicos, inclusive impressoras 3D. Para viabilizar o projeto e iniciar um negócio, foi necessária realização de uma campanha de crowdfunding de recompensas e o site “Catarse” foi a solução. Foram arrecadados R$ 30.036,00, quantia que superou em perto de 30% a meta pretendida pelos estudantes. (Ver matéria da Folha de S.Paulo de 27/09/15 – “Plataformas de financiamento coletivo ajudam a concretizar negócios”) O que se pediu a estes jovens além de inteligência? Exigiram-se planejamento, disciplina, visão empreendedora e coragem para enfrentar desafios, coisas que podem ser promovidas/estimuladas nas nossas instituições de ensino superior. Em outras palavras, o dia a dia, a mesmice e a rotina matam a criatividade e a inovação e são barreiras para o desenvolvimento e o progresso. Estivessem nossos estudantes universitários preocupados e/ou envolvidos com projetos reais para mostrar o que são capazes de fazer — o que tem tudo a ver com a abordagem do design thinking —, não se estaria perdendo tempo com cursos preparatórios para responderem as questões do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que não levam a lugar algum. Cá entre nós, projetos reais não classificariam com mais objetividade do que as avaliações do MEC?