Para enfrentar os desafios do futuro o Brasil deverá fazer uma mudança radical na política educacional: as escolas deixarão gradualmente a tarefa tradicional de fornecer informações e se concentrarão em levar os alunos a refletir sobre a enorme massa de informações. (Stefano Palumbo)[1]Os organizadores do “IX Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular”, a ser realizado em Porto de Galinhas/PE, no período de 14 a 16 de abril, foram muito felizes na escolha do tema central — “Ensino Superior brasileiro: soluções para um país que precisa avançar”. Este evento representa uma oportunidade ímpar para refletir sobre a situação pela qual passa o Brasil. Certamente, os palestrantes, os debatedores e os participantes analisarão os graves problemas econômicos, sociais e políticos que caracterizam a realidade atual. População, investimento e produtividade caindo, ou crescendo pouco, estão travando o motor da economia. Os parques industriais e os serviços não estão sendo demandados e o desemprego aumenta, deixando 9,6 milhões de pessoas sem ocupação no país. Além disso, os investimentos vêm recuando desde o segundo trimestre de 2014, estagnando a produtividade. Isso sem falar de nossos velhos gargalos: falta de infraestrutura, saneamento, malha rodoviária atrasada e déficit de moradias populares. Nossa política enfrenta uma crise sem precedentes, as denúncias de corrupção em que chafurdam empresários e políticos de alto escalão, expõem a crise de representatividade que atravessamos. Será que o Brasil tem jeito? Esta é a questão crucial. O sociólogo Domenico de Masi publicou há cerca de dois anos o livro “O Futuro chegou: modelos de vida para uma sociedade desorientada”, lançado em 2013, em cujo conteúdo salienta que, baseados num mundo sem rumos, ocidente e oriente estão buscando novos modelos de organização social visando equilibrar os anseios de melhor qualidade de vida e de progresso e permitir que a busca da felicidade possa ser alcançada por todos os habitantes do planeta. De Masi escreve: Não dispomos mais de parâmetros para distinguir o que é verdadeiro do que é falso, o que é bonito do que é feio, o que é público do que é privado, o que é sagrado do que é profano, o que é de esquerda do que é de direita e o que está vivo do que está morto. Ao examinar quinze modelos de sociedade, períodos históricos, movimentos intelectuais e religiosos, o autor perpassa os sistemas que mais marcaram a história social do mundo, os modelos católico, hebraico, muçulmano, protestante, clássico, iluminista, liberal, capitalista, socialista, comunista até nosso atual modelo pós-industrial. Neste último, presente no mundo globalizado, insere o caso brasileiro. De Masi justifica sua ousadia afirmando:
O Brasil é quase tão grande quanto a China, mas é uma democracia. O Brasil é quase três vezes maior que a Índia, tem quase o mesmo número de etnias e de religiões, mas vive em paz interna e em paz com os países limítrofes. O Brasil é quatro vezes maior que a zona do Euro, mas tem um único governo e fala uma única língua. O Brasil é o país onde há mais católicos, mas onde a população vive da forma mais pagã. O Brasil é o único país no mundo onde a cultura ainda mantém características de solidariedade, sensualidade, alegria e receptividade.O autor cita dados do Pocket World in Figures, editado pela revista The Economist, tais como: o Brasil ocupa o segundo lugar em extensão florestal e em número de usuários do Facebook entre os 197 países da geopolítica planetária; o terceiro lugar em hostes de Internet; o quarto lugar em extensão de malha rodoviária; o quinto em superfície quanto ao número de habitantes; o sexto em produção agrícola; o sétimo em Produto Interno Bruto (PIB), produção industrial e serviços; o nono em reservas públicas; o décimo em público de cinema e o décimo primeiro em produção de energia e em número de viagens aéreas. Ele conclui seu livro mostrando que certamente o Brasil não é, sem dúvida, o melhor dos mundos possíveis, mas talvez seja o melhor dos mundos existentes. Seus defeitos são menores do que em outros países e suas qualidades superam a de muitos lugares. De Masi foi muito criticado e tido como ingênuo ao ser comparado com o que o escritor Luiz Rufado declarou, também em 2013, na “Feira do Livro” de Frankfurt:
a taxa de homicídios no Brasil atinge 20 assassinatos a cada 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, índice 3 vezes maior que o mundial. E os mais expostos à violência, não são os abastados residentes nos luxuosos condomínios, mas sim os pobres moradores das periferias e favelas. Há constância de violência contra as mulheres, onde nos últimos 10 anos, 100 mil foram assassinadas e também a população carcerária brasileira é de cerca de 550 mil pessoas, predominante formada por jovens de 18 a 34 anos, pobres, negros e de baixa instrução.Além disso, o jornal Valor Econômico revelou em 2013 que 6% dos brasileiros são milionários, fato que representa o décimo segundo lugar no ranking mundial. Entre os 20 milhões de brasileiros mais ricos, 18 milhões são brancos e entre os 20 milhões de brasileiros mais pobres, 15 milhões são negros. A visão otimista de De Masi ocorre em um momento em que o país passa por uma profunda depressão. Considerando que os movimentos sociais pelas ruas, a internet e a mídia mostram uma realidade distinta daquela que o escritor percebeu, ele procedeu a uma análise mais minuciosa do país, entrevistando onze especialistas em diversas áreas[2], visando fundamentar as suas visões sobre o país nos próximos dez anos. Este é o conteúdo de seu livro “Caminhos da Cultura no Brasil”, publicado pela editora Sextante. Uma síntese da análise de De Masi indica o perfil do brasileiro, que mostra o seu descrédito pelas próprias capacidades; que protesta a cada tropeço do país, procurando encontrar culpados e possuindo uma mentalidade bipolar; e que oscila entre depressão e euforia. O brasileiro que se sente orgulhoso de suas proezas, quando algo não dá certo, mostra sinais de seu senso de inferioridade. Sem visão estratégica, a Nação sente falta de um projeto coletivo de futuro e não tem chão para apoiar seus sonhos de bem-estar. A população tem consciência dos grandes problemas internos que travam seu desenvolvimento, que são a corrupção, a violência, a desigualdade social e o déficit educacional. Sabe por outro lado que o sucesso dependerá da capacidade de mobilizar-se, de organizar-se e tornar real um projeto compartilhado de Nação. Enfim o brasileiro deve modernizar-se, ser mais tolerante, menos superficial, menos improvisador, ter espírito público, ser perseverante e não perder sua criatividade. Por outro lado, a crise que abala o país e a incapacidade com que são tratados os problemas socioeconômicos induz brasileiros à completa descrença nos políticos. O “Projeto de Opinião Pública da América Latina” (Lapop, em inglês), da Universidade Vanderbilt (EUA), mostrou que o Brasil ocupa a penúltima posição no ranking de respeito pelas instituições políticas entre 26 países da América Latina. Segundo Guilhermo Russo, pesquisador da universidade que analisa os dados do Brasil, o acúmulo de escândalos de corrupção envolvendo os diversos países, a percepção que as autoridades nada fazem para coibi-los e os problemas sociais que continuam a existir fazem com que os políticos sejam completamente execrados. No Brasil, o Congresso Nacional, os políticos e os partidos apenas representam interesses próprios. Para se ter uma boa representação política, há necessidade de que os eleitores saibam o que querem e que consigam comunicar os seus desejos e aspirações aos seus representantes e, sobretudo, que estes executem o que lhes comunicado. Da euforia de um país grandioso para a realidade depressiva decorreram apenas dois anos. Perguntamos: De quem é a culpa? Sua, do seu amigo, de seu pai e sua mãe, de seu vizinho, nossa e de todo cidadão brasileiro? Os congressistas e os governantes foram eleitos por nós, dentro das regras viciadas estabelecidas há anos. Cada um de nós está olhando para o seu umbigo, preocupado com seu negócio, sua profissão, sua família, seu carro e seus sonhos. O país que se estraçalhe e, por isso, está acontecendo o que se vê. A única saída para a mudança e a transformação é a Educação em todos os níveis, com a primazia da cidadania e do espirito público, desde a creche à pós-graduação. Só a educação tem o condão de modificar esta realidade e as manchetes e as notícias que lemos todos os dias. E a busca de soluções para um país que precisa avançar deve começar hoje — ou melhor, agora —, porque este processo demorará décadas. [1] Co-autor do livro “2025: Caminhos da Cultura no Brasil”. [2] Caio Tulio Costa (jornalista, professor e gestor na área de comunicação digital); Claudia Leitão (professora, ex-secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura); Cleber Miranda dos Santos (crítico e diretor cinematográfico); Cristovam Buarque (professor, senador e ex-ministro de Educação); Fábio Magalhães (museólogo, ex- secretário da Cultura de São Paulo); Glória Kalil (jornalista e empresária de moda); Jaime Lerner (arquiteto e urbanista); Leonel Kas (professor e ex-secretário de Cultura e Esporte do estado do Rio de Janeiro); Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (antropóloga); Paulo Werneck (curador da Feira Literária Internacional de Paraty ) e Tárik de Souza (jornalista e crítico de música).