Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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Quem não é mais jovem e sempre morou nas periferias de São Paulo vai se recordar de que a rua era o espaço por excelência da sociabilidade, do lazer e da convivência. Com a chegada do asfalto, vieram também muitos carros e se instituiu como verdade o discurso de que a rua é lugar perigoso e violento. Para muitos adultos, as políticas culturais só se justificam se for para “tirar os jovens das ruas”. Para os jovens, ao contrário, suas ações culturais só têm força e sentido quando acontecem na rua, no espaço público. (Renato Souza de Almeida[1])
Ganhou as páginas dos noticiários, inclusive nas emissoras de rádio e de TV, o “pancadão” que vem ocorrendo no bairro paulistano de Perdizes, mais exatamente no entorno da PUC – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Pancadão na frente da PUC lota rua de Perdizes e atormenta os vizinhos). A situação, que se repete há meses, intranquiliza e atormenta moradores, estudantes, transeuntes e até vizinhos mais distantes do local. O apoio sonoro leva nomes originais: Equipe Tenebrosa, Savoca, Pancadão Suave e outros.
O local não tem muita semelhança com o sambódromo, com uma quadra de escola de samba, com a cracolândia ou com os espaços habituais para encontros ou lazer. Mas guarda de cada um desses ambientes a característica plural de uma torre de Babel: música no último volume em caixas de som espalhadas pelo quarteirão, uma multidão de jovens bebendo e usando drogas, sujeira que amanhece em ruas e calçadas. Vizinhos reclamam ainda de pessoas urinando em suas portas e, não raro, fazendo sexo no meio da rua.
E não é somente nesse bairro em que acontece tal balburdia. Tornou-se lugar comum às sextas-feiras e vésperas de feriados o enojado “pancadão universitário”, como são conhecidos estes folguedos, no meio das vias onde se localizam as faculdades. Logicamente bem servido com muitos ambulantes e indivíduos dispostos a nutrir a bebedeira e o consumo de drogas.
O “pancadão” da PUC pode estar bastante distante da periferia, mas, tanto lá quanto aqui, carros carregam em seus porta-malas potentíssimas caixas de som capazes de fazer tremer as edificações no entorno e irritar quem quer descansar e tem direito de escolher a própria programação musical.
Para desalento maior, tal rotina é comum entre universitários de quase todas as instituições de ensino superior de São Paulo. Morar próximo a faculdades virou um tormento, pois elas não estão rodeadas de livrarias, nem sequer de bancas de jornal, mas sim de botecos.
Enquanto em países vizinhos estudantes se organizam constantemente em prol da melhora da qualidade de ensino (que está em queda em muitos locais, mas que, ainda assim, estão em um nível muito superior à educação brasileira), aqui no Brasil nossa "elite intelectual", a "nata cultural", organiza pancadões. E as instituições educacionais, que por um bom tempo se calaram em busca de paz e cordialidade junto aos alunos, já sentem que a situação escapou do controle.
Sem apontar os culpados, a nossa sociedade, na qual nos incluímos todos, não soube transmitir os mínimos princípios de cidadania, com seus direitos e deveres, em que a principal motivação, acima de tudo, inclui o respeito ao próximo, à propriedade e ao espaço de convivência. Os especialistas vão dizer que na capital paulista não existem espaços para lazer e recreação e que os nossos planejadores só pensaram em carros, shoppings e condomínios fechados. Aliás, a característica de todas as cidades brasileiras é de carência de espaços públicos para lazer, 90% delas com mais de 500 mil habitantes e uma desorganização total na distribuição dos espaços urbanos para desfrute dos moradores, graças a décadas de omissão dos poderes públicos.
Solução? Mais uma vez, repito: educação. Educação sintonizada no século XXI. Criatividade, inovação, colaboração, cidadania, pertencimento e solidariedade têm o poder de transformar o indivíduo, a cidade, a sociedade.
Quando a escola, por meio de sua atuação, formar cidadãos conscientes de que a rua é um espaço urbano onde a articulação eficiente entre atividades sociais e artísticas, indústrias culturais e governo é capaz de produzir uma efervescência cultural, pancadão não será mais problema. A urbe que vai emergir daí será a cidade criativa, que desenvolve, atrai e retém talentos, promove diversidade social, aumenta a oferta de empregos, gera maior conhecimento entre cidadãos, aumenta o potencial criativo de empresas e instituições, atrai mais turistas e, assim, contribui significativamente para a economia da cidade e para a qualidade de vida de seus cidadãos.
Precisamos, todos, fazermos nossa parte. As alternativas são muitas, mas os caminhos sempre passam pela educação.
[1] O rolezinho da juventude nas ruas do consumo e do protesto, por Renato de Souza Almeida – mestre em Antropologia, professor da Faculdade Paulista de Serviço Social (Fapss), assessor do Instituto Paulista de Juventude (IPJ) e coordenador do Programa de Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.




