“A principal mudança da economia compartilhada é a redução da importância dos intermediários.” (Ladislau Dowbor, Prof. de Economia da Pós-graduação da PUC-SP)Em uma palestra no Brasil na HSM ExpoMagnagement, Robin Chase, empreendedora americana, falou sobre assunto em que é uma das maiores especialistas do mundo: economia colaborativa e como criar abundância num mundo cada vez mais miserável. Um de seus preceitos é começar pequeno e ir ampliando aos poucos. Mas é preciso que a ideia preencha uma necessidade básica das pessoas, que atinja a alma dos consumidores. Autora do livro “Economia Compartilhada”, ela conta que investiu apenas 75 mil dólares em seu primeiro negócio, que era compartilhar um fusca velho com 22 pessoas. Seu primeiro insight foi perceber que, em 95% do tempo, os carros particulares não eram utilizados. A partir daí, desenvolveu um negócio para explorar o que estava sendo desperdiçado. Robin aconselha a descobrir onde está a capacidade excedente, aproveitando os ativos ociosos do mercado. Crie mecanismos para conectar e dar voz aos usuários e encontre a pessoa certa no momento certo. As empresas colaborativas têm como base a troca de informações e o uso de plataformas interativas, unindo pessoas para solucionar problemas comuns. Segundo a revista Forbes, os empreendimentos colaborativos movimentaram mais de U$ 110 bilhões em todo o mundo. O Waze é exemplo de troca de informações para melhorar o trânsito e hoje há centenas de aplicativos para ajudar desde a escolha do restaurante até o aconselhamento da saúde. A plataforma Airbnb – de oferta de cômodos vagos e imóveis para temporada – é a segunda maior start up do mundo, estando atrás somente do Uber. A economia colaborativa é descrita como a principal tendência econômica do século 21, que conecta desconhecidos com interesses e necessidades comuns. Utiliza redes sociais e aplicativos, que facilitam o compartilhamento e a troca de conhecimentos, serviços e objetos numa escala sem precedentes. Ela pode reduzir o desperdício, aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais, combater o consumismo e até reduzir a desigualdade social no mundo. A realidade é que a verdadeira mudança vem da nossa consciência de que esse excedente cria oportunidades sem precedentes que podem ser aproveitadas para se ter um mundo melhor. No livro “A Cultura da Participação – criatividade e generosidade no mundo conectado”, o professor Clay Shirky[1] defende a causa social do compartilhamento. A essência do livro é compreender o que fazemos com o nosso excedente cognitivo, no tempo que nos sobra. O autor faz uma comparação com Londres de 1720, quando a população ficava embriagada pela gim-mania. Beber gim foi a maneira dos trabalhadores superarem suas angustias, quando viviam amontoadas nas cidades, no começo da era industrial. O consumo de gim não era o problema; a causa era a reação às mudanças sociais drásticas e a inadaptabilidade a nova vida. Clay assegura que a televisão é o nosso gim moderno, pois ela "absorve a maior parte do tempo livre dos cidadãos do mundo desenvolvido”. O autor ressalta: “o problema não está em assistir TV ou na escolha dos programas, mas, sim, na quantidade”. As pessoas passam infindáveis horas à frente da televisão perdendo tempo precioso. Hoje as pessoas com acesso à internet, rápida e interativa, pelo smartphone ou tablet, afastam-se da mídia que pressupõe puro consumo por si só. Mesmo quando assistem a vídeos online, aparentemente uma mera variação da TV, elas têm oportunidade de comentar o material, compartilhá-lo com os amigos, rotulá-lo, avaliá-lo ou classificá-lo e, é claro, discuti-lo com outros espectadores por todo o mundo. Shirky acredita que "as pessoas querem fazer algo para transformar o mundo em um lugar melhor. Ajudam, quando convocadas a fazê-lo. Quando você tiver descoberto como direcionar o excedente de modo que as pessoas se importem, outros podem reproduzir a sua técnica, cada vez mais, por todo o mundo". É claro que na internet há um incrível excedente cognitivo utilizado para coisas estúpidas e porcarias. Compartilhar, na verdade, é o que torna divertido fazer e expandir experiências e informações que nem sempre requerem grandes alterações no comportamento individual para gerar enormes mudanças no resultado. O excedente cognitivo do mundo é tão grande que pequenas mudanças podem gerar enormes transformações porque as pessoas gostam de colaborar. Compartilham o que estão lendo, assistindo, comendo, ouvindo. E muitas vezes nos proporcionam informação e entretenimento de graça. A motivação para compartilhar é o fator determinante; a tecnologia é apenas o facilitador. O direcionamento do nosso excedente cognitivo permite que as pessoas se comportem de forma cada vez mais generosa, pública e social, em comparação com seu antigo status de consumidoras e bichos-preguiça. A matéria-prima dessa mudança é o tempo livre disponível para nós, tempo que podemos investir em projetos que variam da diversão à transformação cultural. É bom explicar que Shirky não vive isento de oposição. Tem adversários, que trazem argumentos contrários, como Andrew Keen[2], que o julga um romântico ultrapassado. São grupos sociais tentando projetos novos cuja expectativa mais profunda é crer num futuro auspicioso para a humanidade. As coisas mudam porque alguém percebe algo que pode ser feito agora, e dá um jeito de fazer acontecer. Acredite: hoje existem mais celulares do que gente no Brasil. Enquanto somos 204 milhões de habitantes, o número de celulares já chega a 276 milhões, o que torna o celular o principal meio de acesso à internet no país. A média diária de uso da internet via tablet ou computador é de 5h26min. Via smartphones é de 3h47min. A média diária de uso das mídias sociais é de 3h47min e, da televisão, 2h49min. Imagine se 5% desta quantidade horária de uso fútil nas redes fosse aproveitada para oferecer experiências de vida e informações úteis para seus semelhantes. Teríamos mais 600 milhões de horas de conhecimento anuais. Imagine se medíssemos as dezenas de milhares de horas gastas para comentar currículo do ensino básico ou a pontuação no PISA e elas fossem transformadas em ações efetivas. Calculo que temos 190 mil escolas de ensino básico no Brasil. Para começar, vamos incentivar a ter um tutor voluntário via rede em 10% delas, mostrando como crescer no PISA, como propõe a Aliança Brasileira pela Educação. A pergunta é: o que fazer agora quando temos acesso aos novos modos de compartilhamento? O que vamos fazer com essas oportunidades? O mundo ficará entre o bem e o mal e a resposta dependerá das ações, das oportunidades que forneceremos uns os outros e pela cultura dos grupos que formamos mais do que por qualquer tecnologia em particular.
[1] Clay Shirky é professor do Programa de Telecomunicações Interativas da Universidade de Nova York, prestou consultoria a diversas empresas, como Nokia, BBC, NewsCorp, Microsoft e Lego, e à Marinha dos Estados Unidos. Tem artigos publicados nos jornais New York Times, Wall Street Journal, Times e nas revistas Harvard Business Review, Business 2.0 e Wired. [2] Andrew Keen, em seu livro O culto do amador chamou os blogueiros de “macacos”. Já em #Vertigem Digital, Keen tece duras críticas a Shirky e a outros "comunitaristas românticos". Keen chama Shirky de megacomunitarista.