Na igreja católica, a imagem de Santo Expedito traz “hodie”, hoje, gravado na cruz que carrega na mão. Pisando, uma faixa escrito “cras”, amanhã. É a representação do santo das causas urgentes. Que não podem ser deixadas para depois.Um médico trabalhando num hospital na primeira década do século passado certamente teria dificuldades imensas de se adaptar às modernas instalações operatórias atuais. Identicamente, os profissionais que atuassem em qualquer área empresarial, industrial, ou bancária, da mesma época, certamente se sentiriam paralisados ao se defrontarem com os atuais ambientes de trabalho. Quem não se surpreenderia seriam os professores e alunos, pois pouca coisa teria mudado se comparado ao passado. Apesar de relatos aqui e ali sobre atualização pedagógica de nossas escolas, tudo continua na mesma. Por isso vemos com expectativas as notícias publicadas pela mídia a respeito. A Folha de S.Paulo do último domingo, dia 25, traz a entrevista de Peter Diamandis, co-fundador da Singularity University, do Vale do Silício, anunciando que, devido à tecnologia, criar-se-á um mundo onde ninguém precisará mais trabalhar para viver, que é o modelo de sua universidade ('Trabalhar para sobreviver não será mais necessário', diz empreendedor). Há tempo, lemos também sobre a universidade Minerva nos EUA, onde os estudantes a cada ano estudam numa região. Respeitadas as realidades de cada pais, é sempre válido conhecer o que vai no mundo em relação às inovações universitárias. A novidade agora vem do Japão onde os alunos é que fazem suas escolhas curriculares. A grande pergunta é: como seria uma universidade criada pelos próprios alunos? No Japão, jovens oriundos de escolas médias democráticas, (administradas pelos pais, funcionários e professores) que tinham dificuldade de acesso aos vestibulares das as universidades tradicionais, resolveram criar, em 1999, um ambiente próprio. Sem garantir um diploma, a Universidade Shure oferece aos estudantes a oportunidade de terem seus interesses e ritmos respeitados, além de fazerem descobertas sobre si mesmos. A experiência também os ajuda a criar o seu estilo de vida e a concretizar seus projetos. Kageki Asakura, um dos fundadores da universidade, explica as motivações para a sua criação, como é o percurso dos alunos nela e qual o papel dos professores no processo de aprendizagem. Único professor envolvido na concepção da Shure, justifica sua visão sobre aprendizagem, o que essa palavra significa e como afeta seu trabalho. Duas coisas são importantes:
“Primeiro, me conhecer, saber quem sou eu. Descobrir quem eu sou é uma grande motivação para que aprender. A segunda coisa que compõe o aprendizado é criar minha própria compreensão sobre o mundo e a sociedade. É importante ter em mente que não se trata do entendimento de um outro, e sim do meu entendimento único a respeito da minha comunidade, sociedade, do mundo que me cerca e do território onde vivo.”Antes de se matricularem, os alunos têm de experimentar uma semana, de modo que possam decidir com segurança se querem estar lá ou não. Isso é importante porque é muito difícil compreender o novo sistema apenas por palavras. Experimentar é muito mais fácil e permite que o estudante se analise antes de decidir se quer entrar na Shure. Depois dessa primeira semana, o candidato se submete a uma entrevista quando lhe é perguntado como foi a primeira experiência. Se a decisão é positiva, lhe dão as boas-vindas, desde que tenha ao menos 18 anos. A condição essencial é a pessoa querer viver a experiência. Uma vez na universidade, o primeiro passo é criar um plano de aprendizado. Isso ocorre geralmente no início do ano letivo, que no Japão é em abril. Assim, cada estudante faz um plano de estudos para o ano, e para isso eles podem pedir ajuda a um professor. No início do ano, todos os estudantes trazem suas ideias que são discutidas com o objetivo de montar o plano da universidade. Alguns vão querer ter aulas de filosofia, enquanto outros querem ter aulas de história, ao passo que outro grupo pode querer criar um projeto de construção de um carro. Depois de expostas todas as ideias, é montado o horário. Geralmente, existem todo ano por volta de 20 a 30 atividades, sem qualquer obrigação. Há quem se envolva em 10 a 15 delas ou em apenas uma ou duas. Existem 50 mentores e cada um deles tem sua especialidade. Além disso, há quatro professores para 40 estudantes, e os professores também podem apoiar se quiserem. No início de outubro, um semestre depois do início do ano letivo, cada estudante tem uma sessão de acompanhamento individual, e essa conversa pode-se ajudá-lo a ajustar seu plano de aprendizado para o ano. No fim do ano letivo todos os alunos fazem uma apresentação direcionada aos outros estudantes. Não há um formato padrão. Se o estudante quiser dançar, tocar um instrumento ou fazer uso de uma apresentação em PowerPoint também pode. E os outros alunos podem reagir à apresentação, de modo que cada um seja levado a refletir sobre o ano que passou. E no próximo ano começar uma nova jornada. O propósito da universidade é ajudar a criar as condições para que os estudantes possam concretizar seus planos de futuro. Por exemplo, se alguns estudantes decidem criar um acampamento de verão, eles se organizam em um comitê para fazer isso, criando opções de local para o acampamento. A partir disso, os alunos discutem e tomam a decisão pelo voto. Decisões relacionadas ao orçamento da universidade, entretanto, como o preço da mensalidade, é pelo consenso. Para os membros da Universidade Shure, existem sete áreas ou aspectos da vida: comunicação interpessoal, envolvimento na sociedade, uso do tempo, gerenciamento do dinheiro, trabalho, identidade de gênero e relações em família. Esses são os aspectos abordados quando estão criando seus estilos de vida. E a tarefa mais importante dos professores é apoiar os estudantes em seus percursos de aprendizagem. A proposta é válida, mas não é novidade. Respeitadas as proporções e realidades, no Brasil existem experiências análogas onde, a cada ano, os alunos desenvolvem projetos por objetivos. Países em desenvolvimento, que almejam chegar ao seleto grupo dos desenvolvidos libertando-se do papel de meros reprodutores, precisam investir em inovação e, para tanto, reformas e revoluções educacionais se fazem necessárias. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) “profetizou”, em 2016, que mais da metade das crianças vão seguir carreiras ainda inexistentes mostrando um elenco de mais de vinte dessas novas ocupações. E que o trabalho do futuro será mais flexível e autônomo. Graças a novas tecnologias, as tarefas repetitivas serão reduzidas e o caminho estará aberto para profissionais mais especializados, voltados a funções estratégicas. Muitas ainda por vir. Talvez a experiência da Shure seja no Brasil inaplicável, mas, se ninguém fizer nada – experimentar, inovar, criar e sobretudo empreender –, a saída única é apelar para Santo Expedito.