Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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A trajetória da história da humanidade sempre ocorreu diante dos desafios da sobrevivência na luta para se defender das catástrofes da natureza, dos inimigos, na procura por alimento e moradia. Os livros sagrados também retratam a luta diuturna do homem entre o bem e o mal, buscando no divino as forças para enfrentar suas adversidades.
Os autores dessas obras, em sua diversidade, mostram o Deus violento e rancoroso do velho testamento e o Jesus Cristo da paz e do amor, o que se repete em outras crenças e religiões. Todas no correr dos tempos embaralhadas em domar as paixões do bicho homem, sempre enredado com os problemas de assassinatos, roubos, assaltos, sensualidade, imoralidade, desentendimento entre famílias e guerra entre povos.
Podemos confirmar que até hoje tudo continua na mesma, pois a luta pelo poder é uma constante, como nos é mostrado pela corrupção e lava-jatos atuais. Por esta razão fiquei intrigado, quando no livro “Obrigado pelo atraso”, que trata do avanço exponencial da tecnologia, Thomas Friedman responde no capítulo 11 ao questionamento que muitas pessoas lhe fazem, sobre se Deus está no Ciberespaço.
Seu mentor espiritual, o rabino Tzvi Marx, é que explica: isso depende de sua visão de Deus. Se é a do todo poderoso, que faz com sua presença seja sentida por meio de uma intervenção divina - golpeando o mal e recompensando o bem - pode apostar que ele não está no ciberespaço. Porque lá está repleto de pornografia, de jogos blogs e tuítes atacando pessoas diferentes, a partir de todas as direções, com músicas cheias de obscenidades e sem falar de todo tipo de pregação em defesa da intolerância e agora invasões cibernéticas e recrutamento de grupos impregnados de ódio como o Isis.
Isto significa dizer que o desenvolvimento tecnológico que poderia construir o mundo ideal concebido por todas as religiões do mundo e pelas mentes privilegiadas do planeta, além de não ter Deus de quem nele acredita, não é apoiado por nenhum sistema de valores, sem filtros e sem governança alguma. E o pior é que os problemas de 20 anos atrás estão crescendo exponencialmente.
Falando de maneira direta, Friedman escreve que estamos sendo capazes de construir um mundo onde os seres humanos estão ganhando mais que uma dimensão divina, porém estamos criando uma realidade com vastos territórios chamados ciberespaços fora do império da lei e aparentemente sem lei.
As pessoas clamam por alguma inovação moral. Friedman sinaliza que elas o procuram “pedindo que repensemos a ética e querendo saber como cultivar valores certos em um mundo no qual estamos mais próximos da figura de Deus e no qual existem mais domínios que parecem desprovidos de Deus, de valores e de lei”.
A realidade é que, se é que já não assumiram grande parte do ciberespaço, os algoritmos estão no comando. Sem as pessoas, sem a ética. Em breve teremos de nos render, pois a verdade é que certas forças tecnológicas se juntaram para fazer com que o poder dos homens e das máquinas saltasse a uma nova etapa de importância exponencial, muito mais rapidamente do que temos nos reformulado como seres humanos, muito mais rapidamente do que temos sido capazes de repensar nossas instituições, nossas leis e nossas modalidades de liderança.
Infelizmente não existe nenhuma lei para o progresso humano e o desenvolvimento moral frente à tecnologia que cria possibilidades para novos comportamentos, experiências e conexões. Entretanto, é preciso contar com seres humanos para que comportamentos sejam ditados por princípios, para que as experiências sejam relevantes e as conexões, profundas e enraizadas em valores e aspirações compartilhadas.
A questão se torna particularmente problemática na medida em que o ciberespaço penetra no lar (WhatsApp, Telegram, Linkedin, Facebook, Instagram, etc. etc. via equipamentos móveis, como smartphones, tablets, iPods, iPhones, Apple Watch, etc. etc.).
Vejam o gráfico abaixo. Em um minuto, isso é o que acontece na internet. E fica novamente a reflexão: será que Deus impera no ciberespaço?
Essa convivência entre notícias falsas e verdadeiras apenas começou e exige uma séria análise do sistema legal/normativo nacional a respeito de como a privacidade no ciberespaço deve ser regida/regulada e equilibrada com o crescente impacto de mensagens de homens e mulheres de todos os matizes.
Somos levados por impulso incontrolável ou por emoção forte, diante de dúvidas quanto à decisão a tomar. É quando se manifesta em nós o senso ético, que põe à prova nossa consciência moral, exigindo que decidamos, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as consequências delas, referindo-nos a valores como justiça, honradez, integridade, generosidade e também a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, raiva, medo, etc.).
As leis e as religiões segundo seus códigos e suas regras procuram dar caminhos para um mundo sem conflitos, mas os valores são exercitados pelo exemplo desde o nascer. As divindades e os governos são importantes, mas para conseguir transmitir os valores sustentáveis da honestidade, da tolerância, da integridade, da solidariedade e do respeito mútuo, vamos precisar ter o exemplo dos pais, o olhar da família, a palavra do religioso, a voz do amigo, o conselho do professor, o apoio da comunidade e o discernimento do indivíduo.




