A nossa desorientação afeta as esferas econômica, familiar, política, sexual, cultural. Se deixarmos de projetar nosso futuro, alguém o fará para nós, não em função dos nossos interesses, mas do seu proveito próprio. (Prof. Domenico De Masi)No meu último artigo publicado neste blog, abordei o intrincado mundo das redes sociais chegando à conclusão de que elas, ao mesmo tempo em que poderiam ser primorosos meios de cooperação para aperfeiçoamento científico, cultural e educacional, acabam se transformando em desperdício de vida com a troca de notícias falsas e vãs, tornando-se um raivoso e sangrento tribunal inquisitorial. Retorno o tema por ter recebido dois e-mails sobre o que escrevi, um dos quais faz referência ao papel da educação como promotora de valores, porém comentando o pouco de prático que eu dissera, e outro do Prof. Raulino Tramontim, que analisa e aprimora meus textos. No caderno da Folha Ilustrada de 23/11, Contardo Calligaris, sobre o mesmo tema (A virulência das redes sociais é sucessora do totalitarismo), cita o livro Lutas libertárias e o espaço público brasileiro, de Francisco Bosco (ed Todavia), mostrando sua realidade: “Nas redes sociais não acontecem debates, mas linchamentos. Nela não circulam ideias, mas palavras de ordem”. Há quem diga que nesse novo espaço se revelaria a verdadeira natureza humana sedenta de sangue. Para Calligaris, a virulência das redes é sucessora do totalitarismo: ganha-se o debate quando se cala o adversário. O prof. Raulino, no seu arguto e-mail, complementa: “Redes sociais são como a Torre de Babel. Há de tudo. Foram criadas para facilitar a comunicação, mas, como tantos outros instrumentos desenvolvidos para beneficiar a humanidade, é usada para deturpar ideias. No mundo das tecnologias todas elas começam para o bem e terminam para o mal. No caso da educação, porém, uma rede social pode difundir uma metodologia, uma filosofia, uma diretriz, um pensamento, um modus operandi com rapidez e com a certeza de que o alvo vai ser atingido, porque tudo o que vem pelas redes tem seguidores tanto de um lado como do outro”. Mas o que ainda não é percebido no sistema educacional é que na época da virtualidade o tempo real não existe mais. Podemos nos comunicar com o mundo 24 horas por dia e sete dias da semana, independentemente de onde estivermos, mas estamos presos ao modelo da carga horária de um curso presencial de 3.200 horas, de duração de quatro anos. Precisa ser herói para aguentar um EAD de quatro anos pois, quando se pensa em inovar em educação, estamos presos ainda às vetustas regras da universidade tradicional. Apesar de utilizarmos as ferramentas e os recursos da web, repetimos nos ambientes de aprendizagens virtuais os modelos presenciais. Em vez de aula expositiva, surgem os hipertextos, os flashes e os breezes, até a gravação da aula do professor. Em vez do auditório, existem as salas de discussão baseadas no mesmo modelo de um facilitador ou animador e a maioria em volta é espectador. E de ensino compartilhado ou colaborativo – em que, diante de um projeto real, os alunos poderiam discutir e trocar opiniões e apresentar soluções para desafios reais –, muito pouco existe, por falta de criatividade, comodismo ou medo do MEC. Fui criador do primeiro curso de Turismo e, logo no primeiro ano, como acontece até agora, a evasão era brava. Ouvindo um grupo de discussão de alunos, sensibilizei-me com a sugestão de um deles e a adotei. Ele propunha que se juntassem alunos por grupos de interesse, unindo “tribos” diferentes: quem quer discutir cinema, quem quer falar sobre política, quem quer opinar sobre esportes ou organizar eventos. Essa ideia vale até hoje porque a internet é especial para formação de redes de cooperação. Conheço redes colaborativas onde profissionais trocam experiências sobre projetos que estão desenvolvendo em suas áreas de atuação. Muito comuns em publicidade, tecnologia, atividades científicas, em construção de softwares, meio ambiente e até em colaboração solidária. Mas não conheço uma só rede colaborativa que congregue alunos de graduação dos cursos espalhados pelo Brasil. É só olhar na internet: tem rede social para todo tipo de encontro, de sacanagem a catecismo. Mas não vi, por exemplo, uma formada de alunos de quaisquer cursos universitários. Imagine se construíssemos – e a comunidade web foi criada para isso – uma rede universitária mundial, onde alunos e professores dos diversos países estivessem intercambiando experiências e conhecimentos. Não é fácil e talvez até impossível. Mas um dia alguém vai ser capaz de criá-la porque vários sonhadores já pensaram numa rede universitária mundial. Razões não faltam:
1- as instituições educacionais tradicionais para fugir ao declínio precisam pensar nisso. É questão de sobrevivência; 2- é preciso formar uma comunidade em que os universitários não se ancorem mais no passado e sim no futuro, buscando só novas ideias; 3- é preciso construir uma comunidade com novas ideias e um entendimento de mundo, onde as pessoas tenham voz e respeitem os antagonismos; 4- é preciso construir uma comunidade civilizada onde as decisões obedeçam ao mundo sonhado por todas elas; 5- é preciso construir uma comunidade realmente democrática, que reflita os valores coletivos da humanidade, do nível local ao global, abrangendo as diversas culturas, ideologias e religiões.
Nunca o mundo viveu, apesar de todo o progresso tecnológico e econômico, uma realidade social tão angustiante e que causa instabilidade total para vislumbrar um futuro mais harmonioso para a humanidade (e os problemas são os mesmos do Brasil). Num momento de sociedade desorientada(1) por que não pensar numa rede mundial universitária para estudar soluções para uma vida melhor para todos? No mínimo toda aprenderiam muito. E melhor, adaptar para projeto regional será fácil de realizar.(1) Do livro Alfabeto da sociedade desorientada, de Domenico De Masi, editora Objetiva.