Dr. Gabriel Mario RodriguesPresidente da ABMES Reitor da Universidade Anhembi Morumbi*** Quando o economista Jim O’Neal criou a sigla BRIC, mostrando a mudança na hierarquia das nações, era difícil imaginar quem a desprezaria. Nos últimos tempos, curiosamente, esse desprezo surgiu nos lugares mais imprevisíveis, por exemplo, nos célebres rankings mundiais entre universidades. É tão estranho, mas os cantos do mundo que fizeram a economia mundial girar, antes e depois da crise do subprime, foram exatamente os que não ficaram bem na foto dos rankings de 2010, tanto na classificação do Times Higher Education, como na do QS, aquela outra classificação que colocou Harvard em segundo lugar, depois de Cambridge. Ainda pior é que, muitas vezes, faculdades isoladas movem o mundo ao seu redor e os rankings nem notam. Aliás, como medir o salto de qualidade na economia regional da chegada de uma pequena universidade, seja no interior da Tailândia, seja a duzentos quilômetros da capital de Paraíba?
Esses tropeços dos rankings pedem alguma ponderação: afinal, a economia chinesa que é a segunda do mundo, merece ter sua maior universidade como a 37º do planeta? Será que a China não precisou de boas universidades para ultrapassar o PIB japonês? Seria, portanto, apenas sensato que a palavra “relatividade” acompanhasse as festas, ou as choradeiras, que sempre aparecem depois das publicações desses rankings. Mas, não é o que acontece. Na verdade, acabamos convivendo com a impressão de que é melhor cuidar da posição no ranking do que, efetivamente, avançar no desempenho acadêmico. Esta segunda tarefa, melhorar o ensino, tem sentido bem claro: agregar, somar valor ao conhecimento dos que investem tempo, dinheiro e vontade em educação superior.
Bismarck, severo militar alemão do século XIX, gostava de lembrar que se o povo soubesse como eram feitas as leis e as salsichas, certamente se decepcionaria. Se vivo fosse, certamente incluiria os rankings universitários na sua lista de critérios duvidosos e das coisas que ninguém sabe como são feitas. Aliás, o presidente Barack Obama não pensou em lista de rankings quando decidiu transferir US$ 60 bilhões em ajuda às “faculdades comunitárias” (escolas menores e populares) para torná-las mais acessíveis a 8 milhões de novos estudantes.
Durante seis anos,quando falavam a mesma língua e tinham os mesmos interesses, as duas empresas publicavam um único ranking. Porém, neste ano, a QS rompeu o acordo com a Times Higher Education e cada uma publicou sua própria classificação. Esquecer as universidades das economias emergentes nestes rankings tem muito a ver com disputas comerciais. Aliás, esses rankings são também muito eficientes para o Marketing e para a captação de alunos do exterior. O jornal The Guardian mostrou que alunos estrangeiros representam uma contribuição anual de oito bilhões de libras para a economia britânica, sem maiores riscos. Os demais dados dessa matéria, sobre as vantagens comerciais de Cambridge ultrapassar Harvard em um dos rankings, podem ser encontrados em: www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/sep/16/overseas-students-vital-education-not-drain.
A cautela quanto à sacralização de rankings também vale para o contexto brasileiro. Para todos a USP é o nosso mais importante centro de excelência. Mas há de louvar-se a autocrítica de seu Reitor Prof. João Grandino Rodas, manifestada nas paginas amarelas da edição 2188 da Veja, reconhecendo que sempre será preciso se aperfeiçoar: “...a USP tem muito que avançar para fazer frente às novas exigências que se colocam no século XXI. Obviamente, não podemos mais oferecer cursos nos mesmos moldes seguidos nos tempos do Império”.
Por outro lado uma modesta faculdade de Rondônia tem enorme efeito multiplicador, impulsionando progresso e desenvolvimento em todo o seu entorno. Essa transformação das mentalidades e dos negócios naquela área, depois da existência da faculdade, apenas não é captada pelos rankings. Basta ver a importância que alcançou a regionalização na formação de doutores no Brasil na última década: em 1999, apenas 9% dos doutores eram formados no Nordeste. Em 2009 passou a 15%. Norte e Centro Oeste avançaram de 3% para 6%, É ainda pouco, mas com certeza, quanto do atual boom econômico dessas regiões foi resultado da melhor formação de quadros técnicos por essas pequenas instituições? Nessas áreas, Norte, Nordeste e Centro Oeste, já são possuem perto de mil modestas faculdades, que exercem forte efeito multiplicador sobre toda a economia regional. Como excluir, sem cometer grave injustiça, esta evolução dos critérios daqueles que avaliam instituições de ensino.
É preciso também observar que as faculdades e universidades particulares brasileiras, que recebem corpo discente com sérios problemas de formação educacional, devolvem ao mercado de trabalho profissional relativamente bem preparado: 86% da mão de obra com formação universitária no estado de São Paulo cursou uma instituição privada. Esse trabalho sequer é reconhecido como critério nas avaliações oficiais.
Na verdade, ninguém sabe o real conjunto de interesses escondidos nesses rankings. As falhas nos critérios classificatórios talvez tenham levado, por exemplo, o presidente Obama a dispensar rankings para “liderar pela educação”, decisão que provavelmente não foi uma escolha, mas apenas mero exercício de bom senso.




