"O planeta não vai ser salvo por quem tira notas altas nas provas, mas por aqueles que se importam com ele." (Howard Gardner)Um amigo que tem onze filhos – três moças e oito rapazes –, apesar de engenheiro, faz excelentes prognósticos médicos. Dizendo ele, aprendeu com o tempo a reconhecer as doenças porque todo mês tinha um filho enfermo. Uma coisa que ele não entendia era como seus filhos, educados da mesma forma, tinham desempenhos tão distintos na aprendizagem escolar. A mais velha era a mais comportada, mas era péssima aluna e só gostava de esportes. Enquanto isto, o quarto filho era um gênio na escola, o quinto um péssimo aluno e o décimo hábil desenhista que virou artista Plástico. Ele não conseguia entender como filhos de mesmo pai e mãe tinham comportamentos tão distintos. Foi por isto que, lendo um artigo de Vinicius de Oliveira, publicado no Porvir sobre Howard Gardner[1] – autor da teoria das inteligências múltiplas –, achei interessante fazer uma reflexão sobre a razão desta diversidade que defende a individualização e pluralização da aprendizagem. Gardner tem uma máxima totalmente aceitável: “Nunca encontrei nada importante que só possa ser ensinado de uma única maneira”. Gardner, psicólogo americano, esteve no Congresso Socioemocional LIV 2018, promovido em agosto pelo grupo Eleva Educação, no Rio de Janeiro, quando detalhou conceitos contidos no seu livro “Estruturas da Mente” dizendo que “Pensávamos que havia apenas uma maneira de ser inteligente, mas agora sabemos que existem várias”. O autor disse ainda que a inteligência é algo que vai muito além do que é medido nos testes de QI (quociente de inteligência). Gardner é amplamente referenciado em diferentes áreas da psicologia e da educação, seja na formulação de políticas públicas, currículos voltados ao desenvolvimento socioemocional ou em testes vocacionais. A plateia, entre surpresa e perplexa, ainda ouviu que seus estudos mostram que, ao insistir em se concentrar nas habilidades linguísticas e lógico-matemáticas, escolas deixam de prestar atenção a indivíduos que demonstram habilidades em outras inteligências, como a espacial, a corporal-cinestésica, a musical, a interpessoal, a intrapessoal e a naturalista. Afinal, diz Gardner, artistas, arquitetos, músicos, naturalistas, designers, dançarinos, terapeutas e empresários contribuem para enriquecer o mundo em que vivemos. Só que isso não tem recebido a devida atenção do setor educacional. Importante destacar que a teoria de Gardner não pode ser lida como única abordagem possível para famílias e educadores. “Se você for um pai ou uma mãe, a primeira coisa que digo é que, se seu filho está se saindo bem nos estudos, é melhor deixá-lo em paz e agradecer a Deus”, disse. Porém, se houver dificuldade de aprendizado ou falta de motivação para estudar, ele sugere que um especialista seja procurado, porque pais geralmente não possuem referência sobre quais inteligências podem ser mais bem trabalhadas. “Muitos deles não possuem muitos filhos (para conseguir uma base de comparação) e tendem a projetar experiências provenientes de seu perfil de inteligência.” Gardner em sua trajetória se dedica a estudar a forma como o pensamento se organiza e é exatamente com tal teoria que ele balançou as bases da Educação, alfinetando muitos tratadistas e teóricos. Hoje, ele tem um novo foco de pensamento, organizado no que chama de cinco mentes para o futuro, em que a ética se destaca. "Não basta ao homem ser inteligente. Mais do que tudo, é preciso ter caráter", diz, citando o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882). Gardner é de fala mansa e até um pouco humilde. Para ele, durante centenas de anos, os psicólogos seguiam uma teoria: se você é inteligente, é assim para tudo. Se é mediano, se comporta dessa maneira todo o tempo. E, se você é burro, é burro sempre. Dizia-se que a inteligência era determinada pela genética e que era possível indicar quão inteligente é uma pessoa submetendo-a a testes. “Minha teoria vai na contramão disso. Se me perguntam se minhas ideias tiveram impacto significativo, eu digo que não. Não há escolas e cursos Gardner, mas pessoas que ouvem falar dessas coisas e tentam usá-las.” O psicólogo “reconhece que educadores não podem ser obrigados a trabalhar de acordo com inteligências múltiplas, mas defende os benefícios quando são usados recursos para promover individualização e pluralização da aprendizagem. O primeiro conceito tem a ver com aquilo que se chama de personalização, ou seja, saber o que é melhor para cada aluno e ensinar de acordo com seus interesses, de uma forma que faça sentido a ele. Por pluralização, Gardner explica que o educador decide o que é realmente importante para os alunos conhecerem, aprenderem e compreenderem. Essa informação precisa estar em uma variedade de formatos e mídias, abordando assim as inteligências múltiplas.” Questionado sobre como fazer a individualização do ensino, numa sala com 40 estudantes, Gardner deixa claro para qual público a teoria se destina, justificando que realmente é mais fácil individualizar o ensino numa sala com dez crianças e em instituições ricas. Mas, mesmo sem essas condições ideais, é possível: basta organizar grupos formados por aqueles que têm habilidades complementares e ensinar de modos diferentes. Se o professor entende a teoria, consegue lançar mão de outras formas de trabalhar - como explorar o que há no entorno da escola. Se ele acredita que só com equipamentos caros vai conseguir bons resultados em sala de aula, não entendeu a essência do pensamento. Até aqui fica claro que a proposta é para a educação básica, difícil de ser aplicada no ensino superior, e mais: de concreto e realisticamente, impensável para a educação pública, afora a exigência de se ter de contar com docentes de formação super diferenciada, exclusiva mesma, com alta performance pedagógica. Com os pés fincados no chão é de uma autenticidade incomum. Quando perguntado se tem uma avaliação sobre a educação brasileira respondeu que, se o Brasil quer ser uma força importante no século 21, tem de buscar uma forma de educar que tenha mais a ver com seu povo, e não apenas imitar experiências de fora, como as dos Estados Unidos, Ásia e Europa. O país precisa se olhar no espelho, em vez de ficar olhando a bússola. Acertou em cheio. Ao criar o The Good Project, o Trabalho do Bem, em conjunto com outros dois colegas, Mihaly Csikszentmihalyi e William Damon, também psicólogos da Universidade de Harvard, em 1995, eles tinham clareza da necessidade de uma plataforma que buscasse entender como as pessoas que anseiam fazer um “trabalho do bem” obtêm sucesso ou fracassam em uma época em que tudo muda muito rápido; o senso de tempo e espaço está sendo radicalmente alterado por causa da tecnologia; as forças do mercado são muito poderosas e ainda não se sabe se existem forças contrárias com poder equivalente. Tudo isso tem a ver com a conclusão: “Quando vi que pessoas estavam usando minhas ideias de um jeito que não queria que acontecesse, entendi que precisava conectar as múltiplas inteligências a um sistema de valores contendo o que significa ser uma boa pessoa, um bom profissional e um bom cidadão”, disse Gardner. “Não é a mesma coisa ser cada uma delas. Você pode ser um profissional muito bem-sucedido em Marketing, mas não um bom pai. Um consultor excelente, mas eu não o contrataria para ser presidente de empresa.” Portanto, o desafio que fica para todos nós agora, quando podemos ter o apoio das tecnologias, é como oferecer individualização e pluralização da aprendizagem em nossas instituições? _____________________________________ [1] Howard Gardner escreveu “Estruturas da Mente – a Teoria das Inteligências Múltiplas”, lançado em 1983, que mais tarde deu origem ao projeto “Trabalho do Bem” (“The Good Project“), desenvolvido na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Para o pesquisador norte-americano, no século 21 a ética vai valer mais que o conhecimento. Além de lecionar na Universidade de Harvard e na Boston School of Medicine, ele integra o grupo de pesquisa Good Work Project, que defende o comportamento ético.