Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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Uma das perguntas mais interessantes propostas pelo filme Ivory Tower (Torre de Marfim)[i] é: por que um estudante médio (ou seja, sem nenhum traço de genialidade) ou sua família pagariam uma dívida de mais ou menos US$ 140.000 ao final de uma graduação, considerando que aproximadamente 40% dos que conseguem se graduar estão desempregados ou subempregados em trabalhos que exigem pouca qualificação ou totalmente fora das competências para as quais pagaram?
A epígrafe acima se liga a uma das últimas declarações do Ministro Vélez Rodríguez, do Ministério da Educação, que afirma: ”Hoje vivemos a era da informação e do conhecimento, e as tendências indicam que a vida no século XXI será pautada pelo aprendizado contínuo, pela criatividade, pela inovação e pelo empreendedorismo em todas as áreas e dimensões da vida humana, individual e coletiva.” E vai além: “Não faz sentido um advogado estudar seis anos para ser motorista de Uber: Nada contra o Uber, mas esse cidadão poderia ter evitado perder seis anos estudando legislação".
Para o ministro, o "retorno financeiro" dos cursos técnicos é maior e mais imediato do que o da graduação e a universidade não pode ser para todos.
Com igual preocupação, o professor Clayton Christensen, da Escola de negócios da Universidade de Harvard, afirmou em recente Congresso realizado nos Estados Unidos que 50% das 4 mil faculdades das americanas estarão falidas dentro de 10 a 15 anos. Também em seu livro A universidade inovadora, em coautoria com Henry Eyring, ele analisa realisticamente o futuro das universidades como as conhecemos hoje.
Mas quem mostra um aspecto novo ligado ao aprendizado é o site Porvir, ao destacar o estudo “Navigating the Future of Learnig: Forecast 5.0”. O documentário traz os cinco fatores que irão influir no aprendizado global:
- A automação;
- As tecnologias que afetam o funcionamento do cérebro;
- As narrativas reais que tratam do sucesso e realização pessoal;
- a mudança na estrutura de comunidades, organizadas como ONGs, que vão atuar e influir nas lacunas deixadas pelo poder público;
- As Novas Geografias que pretende mostrar como os movimentos migratórios poderão promover ativos culturais.
A preocupação com a busca de dar viabilidade à universidade não é recente. Já no final da década de noventa havia um projeto – a tríplice hélice – desenvolvido por Henry Etzkovitz[ii] e Loet Leydesdorff[iii] de como transformar o conhecimento científico em inovação tecnológica apoiado numa parceria entre governo, empresas e universidades. E hoje acrescentaríamos as comunidades e o meio ambiente.
A utilização das mídias digitais e da Internet propiciou o desenvolvimento não só da educação a distância, mas também de um modelo pedagógico mais interativo e colaborativo, permitindo modos de integração. Contudo, observa-se que não há um consenso em torno da viabilidade, da aplicabilidade efetiva com o uso de novas práticas educacionais. Há muita timidez ou receios dos operadores da educação em aceitar, homologar, definir e decidir por medidas e iniciativas que considerem sua adoção. Sempre destacando a premência da hélice tripla poderia ser viável.
Há referências a processos inclusive colocando os teóricos em confronto com as realidades de mercado, mais exacerbadas junto às PMIES (Pequenas e Médias Instituições de Ensino Superior), maioria absoluta no país, que provocam tanta preocupação quando o assunto é qualidade desejada ou possível. E cá para nós um tanto difícil de ser alcançada de per si e a não contar com as parcerias, resultados pífios ainda ocorrerão.
O desenvolvimento de novas TICs modificou o modo de organização das sociedades e hoje a tônica dominante é o compartilhamento. Assim, o século XXI vivencia mudanças consideráveis na infraestrutura de diversos setores sociais, como na economia e na difusão da cultura. Na educação – e especificamente no âmbito do ensino superior – não é diferente. Mas falta a visão da soma, particularmente aqui o 1+1+1.
Hoje, existem milhares de textos tratando do assunto novas tecnologias de modo que ninguém pode se furtar a tais conteúdos e práticas. Não pode haver desdém ou desinteresse por projetos, histórias e análises sobre as mudanças nos parâmetros de aprendizagem. Considerando a tríplice hélice, juntos iremos mais longe.
Gestores, pais interessados em conhecer o perfil e a dinâmica das IES inovadoras, estudantes que buscam informações sobre a identidade acadêmica das IES, professores engajados em conhecer as mudanças que estão acontecendo e que estão por vir, legisladores da área de educação, todos são atores responsáveis por avanços e melhorias nos modelos educacionais. Nunca sozinhos. Não se pode, hoje, por falta de coragem e audácia, pelo medo de errar, deixar de propor inovação. Mas a necessidade de as IES responderem a contento as exigências atuais têm adiado seu ingresso no século XXI. Assim, claudicam e tropeçam pelo caminho.
A grande preocupação atual é que as IES mais burocráticas percam o timing da mudança (inclusive do seu modelo de gestão), a capacidade de discutir inovação e de introduzir novas formas de organizar o processo de ensino-aprendizagem, sem uma necessária cumplicidade, deixa de ter e ser o coletivo.
A tecnologia é (e cada vez mais será) uma aliada do processo de aprendizagem. Através das plataformas é possível fazer a gestão do aprendizado dos estudantes. O conceito de currículo, de avaliação, de espaço de aprendizagem mudará de forma significativa. Portanto, é preciso ir além das ideologias e das normas do MEC. A experiência do aprendizado não é mais controlada pelo professor, que ainda em muitos casos, pode viver a nostalgia do passado, atrasando de certa forma o processo de inovação. O papel das IES que atuam nos novos campos da educação é apresentar para os agentes reguladores e para os avaliadores de instituição e de cursos que a inovação quebra paradigmas, mas de forma alguma representa perda de qualidade. Pelo contrário, a inovação promove ganhos reais na dinâmica administrativa e acadêmica das IES, sobretudo se de braços dados com o mercado e com o governo.
O Brasil perde todos os anos posições importantes quando se fala em competitividade e inovação. Boa parte dos problemas está na vontade política, mas também na distância que as universidades de uma forma geral têm em relação ao processo inovador. Com a crescente demanda educacional brasileira, e principalmente na grande necessidade de mão de obra qualificada, para os novos tempos, as universidades brasileiras precisam de uma nova postura, principalmente em programas inovadores e conectados com o mercado.
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[i] Ivory tower (Torre de marfim) é um documentário produzido pela CNN em 2014, que discute a crise do ensino superior nos Estados Unidos.
[ii] Henry Etzkowitz é professor visitante na escola de negócios da Universidade de Edinburgo, Reino Unido, e conselheiro-geral do Instituto Internacional de Tripla Hélice (IITH), da Universidade LaSalle, Madrid, Espanha.
[iii] Loet Leydesdorff é um sociólogo holandês, cibernético e professor na Dinâmica de Comunicação Científica e Inovação Tecnológica da Universidade de Amsterdã. É conhecido por seu trabalho na sociologia da comunicação e inovação.