Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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“O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que vamos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa” (Padre António Vieira)
Sempre estive preocupado com a aprendizagem do futuro em virtude das modificações que começam a acontecer em todas as escolas do mundo. E, para ilustrar o que penso, comecei a última reunião do Conselho de Administração da ABMES mostrando o vídeo de Jack Ma, um dos homens mais ricos da China e cofundador da Alibaba (a Amazon chinesa).
Ele conta que foi professor universitário e as aulas que dava eram baseadas em livros. Até que se questionou como seria se passasse 10 anos experimentando tudo isso e voltasse para ensinar as perdas e ganhos. Para ele, se continuarmos ensinando apenas o que aprendemos há mais de 200 anos, nossos filhos não serão capazes de competir com as máquinas, que são muito mais inteligentes. Devemos, portanto, ensinar coisas únicas; vamos precisar ensinar o que elas serão incapazes de aprender.
Seu enfoque é para as competências socioemocionais, em que o importante é conhecer os nossos valores éticos, a criatividade, o pensamento crítico, o relacionamento com as pessoas, o trabalho em equipe e desenvolver aptidões na cultura, esportes e artes.
O desafio das instituições de educação superior ao vislumbrar novos tempos sempre envolverá a escolha de conteúdos realmente pertinentes, as novas metodologias, a flexibilização curricular, a criação de novos ambientes, a utilização das tecnologias e a preparação do professor.
Pensar o futuro é um exercício arriscado e, muitas vezes, fútil, muitos acham. É indispensável ter apropriada visão dos tempos. Mas, apesar dos avisos, não resistimos à tentação de imaginar o que nos irá acontecer, procurando, assim, agarrar um destino que tantas vezes nos escapa. Ou, como diz Reinhart Koselleck,
“interessa-me compreender de que modo o passado está inscrito na nossa experiência atual e de que modo o futuro se insinua já na história presente – o horizonte não existe para nos trazer de volta à origem, mas para nos permitir medir toda a distância que temos a percorrer”.
Para Filipe Oliveira, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa, a inovação não é uma novidade na educação, lembrando que se procurou, desde sempre, levar todo tipo de novidades para a escola – do aparecimento da escrita, do quadro negro, da tipografia, da imprensa, passando pela invenção do cinema, rádio, televisão, os projetores de slides. O professor sempre precisava ilustrar suas palavras com imagens. “Vivemos apenas mais uma repetição deste tipo de fenómeno com o aparecimento da tecnologia moderna e da Internet”, aponta.
Há mais de sessenta anos lembro do pedagogo americano Leo Buscaglia contando sua experiência de professor de ensino fundamental, onde baseava suas aulas com as atividades de um supermercado. Os alunos aprendiam aritmética e gramática imitando fazer compras e lendo os anúncios das mercadorias. A geografia era aprendida pesquisando a procedência dos alimentos. Com os anos de estudo, conheciam o funcionamento do frigorífico e como o mercado era construído. Faziam pesquisa de marketing e administração de empresas. E no fim do ano havia exposição dos trabalhos e dos alunos aptos para um emprego.
De que maneira antever como será uma sala de aula do futuro – e que até já pode ser uma sala de aula do presente? Trata-se de uma sala onde além das mesas e cadeiras também podem existir sofás ou banquetas porque os alunos não estão todos fazendo o mesmo ao mesmo tempo.
O desafio para professores e alunos é diferente: em vez do ensino transmissivo, procura-se ensinar com espaços de interação, de projetos, de investigação. O fundamental é não perder de vista o essencial, a formação de futuros e atuais professores. Refiro-me à formação inicial e contínua dos professores. A ideia é desenvolver novas metodologias recorrendo não só às novas tecnologias, mas a novos espaços educativos também.
Além da formação, o projeto como obrigava Buscaglia, deve procurar fazer a articulação com parceiros empresariais e tecnológicos, da área de equipamentos à das novas tecnologias com o intuito de pensar sobre novas formas de ensinar. Numa escola que queremos mais próxima dos alunos e que não se limite a transmitir conhecimentos, os formandos sairiam com ferramentas que pudessem aplicar no seu dia-a-dia.
A sala de aula até no nome merece uma repaginada: “ambientes educativos inovadores”. Trata-se de uma sala com cinco ou mais espaços para criar, investigar, apresentar, partilhar e desenvolver. Extensões que se comunicam numa mesma área, com dimensão capaz de suportar de cinco até dez mesões.
O assunto foi tema do debate Fronteiras XXI, um programa do canal português RTP3. Estas áreas permitem que os alunos aprendam num ambiente mais dinâmico, onde se estimula a interdisciplinaridade e a articulação curricular entre as diferentes matérias das diversas disciplinas. Para o local, o professor estimula o aluno a levar/trazer os seus equipamentos e a usá-los em sala – bring your own device – como tablets, smartphones, laptops, notebooks, etc.
E se querem saber de iniciativas acontecendo, a juventude se esparramou no Campus Party 2019, que foi até o último domingo, dia 17, em São Paulo. Foram perto de 130 mil jovens disputando espaço, inovação, criatividade, mas, sobretudo conhecimento. Uma maravilha!
O Portal Porvir selecionou 42 palestras e oficinas para quem é ligado em educação e tecnologia. A partir da próxima semana trataremos de algumas dessas palestras. Neste ano, o destaque ficou por conta do grande número de apresentações sobre aprendizagem maker, a educação mão na massa, também chamada de educação hands-on.
Essa modalidade educacional ganha destaque, conforme assevera Paulo Bilkstein, professor da Universidade de Stanford, na medida em que uma das coisas mais importantes da educação mão na massa é fazer com que o professor preste mais atenção no processo do que no produto, o que é mudança de paradigma muito grande em relação à educação tradicional, que olha para a prova, que é o produto.
Retomando o futuro, temos a flexibilização do currículo ora proposto pela BNCC. De alguma forma, já vinha sendo promovido em muitas escolas, mas em algumas delas não foi possível avançar porque os professores foram resistentes à ideia. Se há elogios a fazer aos docentes, reconhecidos como inovadores em projetos e programas com tal proatividade, há de se salientar que o ensino poderia estar muito mais desenvolvido se eles não pusessem tantos entraves à mudança, como de hábito. “Viva o corporativismo e abaixo o futuro da educação”, dirão os intransigentes, porque de verdade, mesmo, a parte mais difícil desta iniciativa “são as pessoas”.
Ainda que muito lentamente, muito devagar, vamos conseguindo alterar comportamentos, sendo que, para isso, é preciso conquistar os docentes, dar-lhes formação.
Aqui cabe uma reflexão: quem moldou o docente? A faculdade que o licenciou, o ambiente, o sindicato/associação ou os seletivos/vestibulares que se impõem ditatorialmente ao que “deve” ser ensinado e assim há uma força não igual mas contrária que leva docente e discente a se ajoelharem às exigências seletivas, ao menos nas públicas?
É preciso destacar e com isso fazer justiça que os professores continuam muito agarrados aos programas, têm de cumpri-los para preparar os alunos para os exames pois os resultados destes são a imagem da escola.
Haverá um momento em que precisaremos avaliar as salas de aula do futuro. As primeiras indicações poderão significar melhorias na motivação dos alunos, e de uma redução do fracasso escolar. Contudo, é necessário esperar o final do ciclo para as conclusões terem boa sustentação.
Deve-se, no entanto, relembrar que os resultados destas salas não serão imediatos, até porque o grande crescimento no país pode ocorrer no período do ensino médio com a BNCC, equivale dizer nos anos 2025-2030.
Evidentemente não poderia esquecer da evolução do Ensino online que ao meu ver com o tempo, ao contrário que escrevi aqui, concentrará toda a educação dos jovens e adultos e creio também, boa parte da criançada com certeza. Nas telas ou nas nuvens estarão todas as informações para se produzir o conhecimento.
A organização seja ela qual for, que formatar as melhores telas para ensinar, (os gigantes da Informática já estão nessa) substituirá a escola do futuro. Quem produzir a melhor história ou narrativa (historytelling) capaz de entreter e argumentar e ao mesmo tempo induzir as pessoas a aprender, ganhará a Copa da Educação do Futuro.