Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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"A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo você mesmo." (Peter Diamandis)
Para iniciar o artigo de hoje, gostaria de compartilhar com vocês uma história, de um amigo meu, engenheiro e diretor de faculdade no Paraná, cujo filho estava cursando História na USP. Toda a vez que o encontrava, vinha com a mesma ladainha: “meu filho, com História você não terá dinheiro para sustentar sua família”. O discurso era sempre o mesmo, até que no fim do segundo ano o filho chegou para o pai e disse que iria atendê-lo: “acabei de pedir minha transferência para Antropologia”. O pai quase caiu da cadeira e não se falaram por longo tempo. Só que o rapaz era bom aluno, esforçado e focado. Ficou bamba na língua da mãe, que era árabe. Fez cursos de inglês, espanhol e francês e tudo mais o que aparecia em sua área. Formado, foi fazer pós-graduação no México e, estagiando, foi convidado para aperfeiçoamento nos EUA. Final da história: o jovem é hoje vice-diretor de museu de história na Flórida e afamado professor universitário.
Na realidade, os pais sempre estão preocupados com o futuro dos filhos e as dúvidas são sempre as mesmas:
1) Com as profissões se transformando, será que a faculdade vai servir para alguma coisa?
2) Se a formação superior está ruim, por que não melhorar? Como fazer isso?
3) Esta febre dos graduados com o vírus da pós-graduação se deve a quê? À fraca(?) graduação ou é o mercado que está impondo isto?
4) Por saber que a graduação não dá conta do recado, pensam que a pós é que vai dar força na carreira?
5) Existe integração entre o sistema universitário e as empresas para adequação curricular?
6) Os empresários, contratando profissionais com cursos de pós-graduação, estão satisfeitos ou se sentem iludidos?
7) Vale mais uma pós no exterior do que no Brasil?
8) Com a pós o profissional tem mais oportunidade de emprego e passa a ter melhores salários?
9) A relação custo X benefício é ideal? O custo/investimento numa pós ou MBA compensam o empenho ou, a posteriori, o diploma fica abanado?
10) Os empregadores, via RH de empresa, sabem o que estão contratando?
Para responder, não existindo pesquisas ainda sobre a questão, recorremos a Peter Diamandis[1].
Personalidade inquieta, foi um dos fundadores, ao lado de Ray Kurzweil, em 2009, da Singularity University, sediada no centro de pesquisas da Nasa, que, com a parceria da Google, logo despontou como a mais badalada e inovadora universidade de educação executiva.
É bom sinalizar que Diamandis teve alguns problemas, conforme matéria crítica que a revista Época Negócios estampou em 16/02/18 (Singularity é acusada de perder a alma e se tornar uma máquina de fazer dinheiro, segundo reportagem da Bloomberg). Ele saiu arranhado com o noticiário, mas continuou sua carreira de grande visionário de empreendimentos de negócios e educação hoje não mais à frente da Singularity, da qual se afastou, mas vejamos o que diz:
Milhões de jovens e adultos em todo o mundo – além de seus pais e mentores – acabam fazendo essas perguntas todos os anos. Para ele, as escolas de pós-graduação não são todas iguais. Em áreas nobres como Medicina, Engenharia e Direito, o treinamento formal em nível de graduação fornece uma base crítica, ou deveria fornecer, para a prática ética e moral. Porém, as escolas de Administração, por exemplo, estão enfrentando um problema comercial difícil. A rápida taxa de mudança tecnológica, um mercado de trabalho em expansão e a digitalização da educação estão acabando com o tradicional programa de negócios em nível de pós-graduação, não só por aqui, mas no planeta.
E dados não faltam para atestar o fenômeno: a matrícula em programas MBA de dois anos em período integral nos EUA caiu em mais de um terço de 2010 a 2016, mas nem por isso reduziu seus valores.
Outro sinal de mudança começou a preocupar quando surgiram por lá notícias sobre um esquema para desafiar o processo de admissão em cursos de graduação em faculdades altamente seletivas, envolvendo alunos matriculados por serem desportistas de competição. Isso porque estudantes já estão ajuizando processos civis multimilionários argumentando que esse “esquema” desvalorizou seus diplomas ou lhes negou uma oportunidade justa de admissão no mercado, embora, na matricula à escola, tenham se submetido a rigorosos seletivos, o que não está acontecendo hoje. Meritocracia no processo seletivo, que, digam o que disserem seus detratores, assegura a qualidade do curso.
Também estamos vendo o declínio dos detentores de MBA, que durante décadas foi a marca da mobilidade ascendente no nível de CEO. Não só lá, nos States, como aqui. Muito em função disso, ao longo da última meia década, inúmeras escolas com programas de MBA fecharam suas portas (e o mesmo pode acontecer aqui). Em contrapartida, uma pesquisa com mais de 170 reitores de escolas de negócios em todo o mundo mostrou que muitos programas estão funcionando com prejuízo, revelando visão importante: eles mantêm o programa aberto por causa do prestígio. Independentemente do conhecimento que uma pessoa tire da pós-graduação, frequentar um dos programas mais rigorosos e de elite do mundo dá validação externa aos formandos.
Para o mundo exterior, um grau avançado na formação é um atestado de credibilidade para suas capacidades: simplesmente passar pelo filtro de uma escola superior significa(?) ter um nível de habilidades e mérito. Muito do sucesso desses programas de negócios de elite traduz-se diretamente no cultivo de redes e relacionamentos incomparáveis.
Para Diamandis, “escolas de pós-graduação – particularmente no escalão superior – são excelentes para atrair estudantes mais qualificados. De futuros investidores a consultores, amigos e possíveis parceiros de negócios, os relacionamentos são essenciais para o sucesso de um empreendedor”. E acrescenta que essa é “a única viagem com passagem de volta”. Lembrar também que uma pós nos EUA custa o olho da cara. O interessado pode nunca conseguir pagar o investimento.
É importante destacar que o aumento na atividade de aceleração de startups sugere uma tendência maior: nossas melhores e mais brilhantes mentes de negócios estão optando por investir seu tempo e esforços na obtenção de experiência prática, criando valor tangível para si e para os outros, em vez de mergulhar na teoria de salas de aula da escola de negócios.
Para Diamandis, é preciso criar o que ele chama de “strike force” (força de ataque): uma equipe de elite de jovens empreendedores que trabalham diretamente com ele em todas as suas empresas, viajam ao seu lado, participam de todas as reuniões e ajudam a construir negócios que mudam o mundo. Esses jovens estão aprendendo um ofício que desejam dominar, sob a orientação de especialistas (metalúrgicos qualificados, engenheiros, técnicos em medicina, eletricistas e outros) que já alcançaram o resultado desejado.
Graças ao poder da internet, não há limites quando se quer aprender sobre qualquer assunto de investimento, liderança, tecnologia, marketing, gerenciamento de projetos, medicina, engenharia, a religião, filosofia, literatura ou artes em geral. Pode-se acessar um fluxo quase infinito de ferramentas, táticas e lições de vanguarda de milhares de indivíduos de alto desempenho em todos os campos do saber – instantaneamente e de graça. Sempre e onde se queira, é possível aprender com os melhores do mundo. Basta procurar porque sempre se encontra. Quem procura acha.
Diante desse contexto, como ficam o sistema educacional, como um todo; os programas tradicionais de graduação, mestrado e os modelos de aprendizado? A mentoria e o coaching virtuais são forças educacionais poderosas que estão aqui para ficar.
Se o sistema universitário não perceber essa mudança de paradigma e, junto com as empresas, ensinar seus alunos a apropriar-se dessa abundância de dados disponibilizados pela web com ética, criatividade, criticidade e cooperação, com certeza perderá o “foguete” da história.
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[1] A revista Fortune recentemente nomeou Peter Diamandis como um dos “50 maiores líderes do mundo”. Ele é o fundador e presidente executivo da XPRIZE Foundation, que lidera o mundo na concepção e operação de grandes competições de incentivo. É também o fundador da Singularity University, uma instituição de nível superior do Vale do Silício que aconselha os líderes mundiais em tecnologias em crescimento exponencial. Como empreendedor, Diamandis já iniciou mais de 20 empresas nas áreas de longevidade, espaço, capital de risco e educação. É cofundador da BOLD Capital Partners, um fundo de investimentos com US$ 250 milhões investidos em tecnologias exponenciais. Tem dois best-sellers: Abundância – O futuro é melhor do que você pensa e BOLD – Como tornar-se grande, criar riqueza e impactar o mundo. É graduado em Molecular Genetics and Aerospace Engineering pelo MIT e possui um MD pela Harvard Medical School. Seu lema é “A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo você mesmo”.