Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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“Somos um dos países mais desiguais do mundo, com gigantesco abismo entre ricos e pobres, e esses níveis extremos de desigualdades são incompatíveis com uma sociedade democrática.” (OXFAM Brasil)
Há algumas semanas, em artigo publicado no blog da ABMES (Como estão os cursos de pós-graduação nos EUA), comentei sobre meritocracia no processo seletivo e um leitor manifestou-se sobre qual meritocracia eu me referia, se a dos pobres ou a dos ricos.
O leitor exemplificou que, num torneio de atletismo, para uma prova qualquer, se colocar um atleta que treina 4 horas por dia, outro uma vez por semana, outro a cada mês, outro de vez em quando e outro que nunca treinou é óbvio que teremos unanimidade, se perguntarmos, sobre quem vai ganhar a competição.
A questão é que, se nos dispusermos a resolver o desafio da desigualdade social no país, só poderemos fazê-lo conseguindo dar uma educação pre-universitária consistente a todos os jovens. Temos cerca de nove milhões de estudantes em escolas particulares e os outros cerca de 40 milhões em escolas públicas que precisam de apoio e solidariedade, não só do governo, mas de toda a sociedade. Aliás, o Brasil tem tantos desafios, mas o mais profundo é o do capital humano realmente habilitado. Precisamos ter cérebros, seriedade e criatividade para sermos uma nação de vanguarda.
A Wikipédia esclarece: “tanto a palavra mérito quanto a palavra poder têm diversos significados, o que faz com que o termo meritocracia seja polissêmico [que pode ter várias interpretações]. Um modelo meritocrático é um princípio ou ideal de organização social que quer promover os indivíduos – nos diferentes espaços sociais: escola, universidade, instituições civis ou militares, trabalho, iniciativa privada, poder público, etc. – em função de seus méritos (aptidão, trabalho, esforços, competências, inteligência, virtude) e não de sua origem social (sistema de classes), de sua riqueza (reprodução social) ou de suas relações individuais (fisiologismo, nepotismo ou cooptação)”.
A meritocracia quando se trata de assunto como modelo de justiça social nas sociedades contemporâneas levanta dúvidas e apresenta imprecisões como nesta própria definição.
Deixando os conceitos de lado, somos um dos países mais desiguais do mundo, com gigantesco abismo entre ricos e pobres, e esses níveis extremos de desigualdades são incompatíveis com uma sociedade democrática.
É o que diz a OXFAM Brasil (Os números das desigualdades no Brasil):
- Levaríamos 75 anos para chegar ao nível de igualdade de renda do Reino Unido (de acordo com os números observados desde 1988)
- 19 anos é o tempo que leva quem recebe um salário mínimo para ganhar o equivalente a um mês de renda do grupo dos 0,1% mais ricos do país
- Seis brasileiros – todos homens brancos – concentram a mesma riqueza que a metade mais pobre da população – mais de 100 milhões de pessoas
- Os 5% mais ricos do país recebem, por mês, o mesmo que os demais 95% juntos
- Gastando R$ 1 milhão por dia, os seis maiores bilionários brasileiros, juntos, levariam 36 anos para esgotar todo seu patrimônio
A economia global apoiada nas transformações da comunicação e da tecnologia vai ampliar a diferença entre os ricos e os pobres, aumentando as desigualdades de riqueza e renda pelo mundo, inclusive pela automação que existirá em boa parte das empresas.
Em seu artigo de sábado passado publicado no jornal O Estado de S. Paulo, Assembleia da CNBB: escutar os jovens, o Cardeal Dom Odilo P. Scherer cita o Papa Francisco lembrando o Sínodo de 2017 O jovem, a fé e o discernimento educacional de 2017, com a declaração:
“Uma vez que a Igreja escolheu ocupar-se dos jovens, ela no seu conjunto fez uma escolha muito concreta e considera esta missão, uma pastoral decisiva, a qual deve investir tempo, energia e recursos”.
No Brasil, nenhum governo se preocupou com os jovens no sentido de serem educados convenientemente para a vida e constituírem-se o esteio para promover a extinção da desigualdade social. O ex-senador Cristovam Buarque foi o único político que colocou a Educação para todos como meta governamental e com propostas efetivas. Mas sempre dizia que essa estratégia não dava votos porque levava 30 anos para acontecer. Ele salienta que educação para todos embute sete objetivos:
- Erradicação do analfabetismo de adulto
- Alfabetização de todas as crianças na idade certa.
- Garantia de conclusão do ensino médio com qualidade igual para todos
- Cada jovem com a mesma chance na disputa por uma vaga nos cursos mais demandados
- Garantia que os selecionados para a universidade vão poder concluir seus cursos
- Confiança que os formados estarão preparados para o exercício de suas profissões
- Possibilidade de que serão capazes de aperfeiçoamento para os novos conhecimentos e profissões que surgirão ao longo de suas vidas
Sabemos que existem organismos brasileiros, como o Todos pela Educação, Fundação Lemann, Instituto Natura, Instituto Ayrton Sena, Fundação Pitágoras, Itaú Cultural e outras centenas, todos trabalhando com o maior êxito no objetivo de sanar as deficiências das escolas públicas, mas falta, ao nosso ver, ser um objetivo nacional e um programa de Estado.
Acredito que se preocupar com a solução deste tema é obrigação das instituições particulares de educação e poderia ser uma meta do novo Conselho de Administração da ABMES para analisar a viabilidade de um projeto que unisse todo o mundo, pois não duvidamos haver planos com mesmo objetivo.
Não temos dúvidas dos desafios, pois há 519 anos não se consolidou um projeto como este, juntando Estado, governo, empresas, profissionais de todas as áreas e religiões, professores, cientistas, comunicadores, estudantes, gente interessada, pobre, rico, aposentado e gente otimista.
Só a Educação tem condições de resolver o desafio de transformar um país que acredita que pode ter propostas para um futuro onde todos os jovens possam ter as mesmas vantagens competitivas para vencer na vida. Neste sentido, de forma interativa, eu solicitaria aos que estão me dando o privilégio de tê-los como leitores a gentileza de contribuições e sugestões para que possamos voltar a este tema proximamente, enriquecendo seu conteúdo. Até porque não há como se buscar uma solução sem a ampliação do debate e das reflexões.