Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES ***
A BNCC levou quatro anos para ser elaborada, passou por seis ministros do MEC. Teve 3 versões, foram 27 seminários estaduais, com 9.275 participantes e consulta pública com mais de 12 milhões de contribuições. (Fonte: politize.com.br)
Na semana passada, enviei ao amigo Geraldo Cruz um vídeo que está rolando na internet de palestra do Prof. Pierluigi Piazzi (1943- 2015). Ele foi excelente professor de Física do Anglo, exímio palestrante, de eloquência extraordinária, e deu aulas a mais de 100 mil alunos. Dizia que “professores não são educadores e que essa é tarefa do pai e mãe porque educação é aquilo que se recebe em casa e não na escola”.
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Indagado sobre a necessidade dos cursinhos, ele foi taxativo: “é a e vidência cabal de que o ensino básico no Brasil não presta”, para, em seguida, esclarecer que o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) não mede conhecimento, mede competências. “Mede se o aluno sabe interpretar um texto, se sabe entender um gráfico, se tem raciocínio lógico e matemático”. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) segue o mesmo caminho (Enem 2014: apenas 250 pessoas tiveram nota máxima na redação).
Sobre o PISA (1), desdenhou com pesar da nossa posição de lanterninha no certame diante de uns 60 países. E vociferou que “o Brasil tem um dos piores sistemas educacionais do mundo”. Em outra ocasião, foi taxativo: “a escola brasileira tem maus professores? Não. A escola tem má vontade? Não. A escola não é profissional? Sim, é. Então, qual é o problema? Sem dúvida de que é o modelo. O paradigma educacional brasileiro está completamente equivocado”. Realmente, ele tinha uma visão bem crítica da nossa realidade educacional.
Eu e Geraldo fomos colegas de ginásio, “zapeamos no mesmo grupo” e, depois de ter visto o vídeo enviado por mim, ele escreveu: “o problema é muito sério, mas gostaria de conhecer sua opinião nesse assunto. Como leigo, diria que o nível educacional no Brasil é catastrófico com tendência a piorar, com raras exceções. Não há leitura, raciocínio, dedução e construção de uma frase com sujeito, verbo, advérbio e com a devida pontuação”.
Respondi que as escolas de ensino básico particulares, em grande maioria, são bem-intencionadas e sempre procuram, dentro de seus orçamentos, oferecer o melhor. Com todos os defeitos e acertos, o país é o que é graças aos profissionais, bem ou mal, formados pelas nossas escolas. Disse que ele estava certo, assim como milhares de estudiosos e profissionais de educação que se manifestam sobre a precariedade de nosso ensino. No entanto, a questão é mais profunda porque as escolas públicas de nível fundamental e médio, com algumas exceções, são uma lástima, o que determina uma péssima formação educacional para os estudantes de famílias sem recursos.
A questão é antiga. No Brasil, desde o célebre “Manifesto dos pioneiros pela Educação Nova”, de 1932, que defendia a educação como uma função essencialmente pública e sem privilégios econômicos de uma minoria e que deveria ter total atenção do Estado se quiséssemos ser um pais desenvolvido. Estamos ainda muitos distantes de fazer pela educação uma ação estratégica para o desenvolvimento econômico e social nacional. Todos apontam os problemas, ficam no discurso, mas falta dedicação, foco e perseverança para perseguir ações que construam a solução. Todos comentam, discutem e criticam, mas resolver, que é bom, ninguém consegue.
O modelo de ensino atual tem mais de 20 anos e foi planejado conforme anseios do século passado, quando o propósito de todos era conseguir um diploma universitário e arrumar um bom emprego. As famílias com mais recursos mandavam os filhos para fazer pós-graduação no exterior e retornarem com maior experiência às melhores oportunidades de trabalho.
A questão do Plano Nacional de Educação (PNE) atinge a todos, mas quem demanda mais aprofundamento são as escolas públicas que atendem os estudantes de baixa renda. Esses jovens precisariam ser bem formados para ocuparem bons empregos e terem acesso social a um país mais igual.
Todos os “MECs” que conheci foram organismos reguladores, fiscalizadores, avaliadores e reconhecedores de cursos. Nenhum pensou no futuro e tampouco percebeu que sua função primordial é a de fomentar a formação de recursos humanos para o desenvolvimento da Nação. Nunca houve projeto de Estado para dar esperança de um mundo melhor para as futuras gerações. E, para não deixar a responsabilidade só para o Estado, a educação para ser solucionada precisa de um projeto nacional onde todos acreditem e colaborem. É uma causa a ser compartilhada.
E o mecanismo para isto já existe, trata-se da Lei 13.415/2017, que modifica a Lei de Bases para a Educação e estabelece a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que atende os ensinos infantil, fundamental e médio e levou quatro anos para ser concretizada. Democraticamente, teve centenas de milhares de contribuições e, em síntese, tem os seguintes objetivos:
“A criação de uma Base Nacional Comum Curricular tem o objetivo de garantir aos estudantes o direito de aprender um conjunto fundamental de conhecimentos e habilidades comuns – de norte a sul, nas escolas públicas e privadas, urbanas e rurais de todo o país. Dessa forma, espera-se reduzir as desigualdades educacionais existentes no Brasil, nivelando e, o mais importante, elevando a qualidade do ensino.
A Base também tem como objetivo formar estudantes com habilidades e conhecimentos considerados essenciais para o século XXI, incentivando a modernização dos recursos e das práticas pedagógicas e promovendo a atualização do corpo docente das instituições de ensino”. (Fonte: SAE Digital)
Qualquer boa ideia, qualquer plano de viabilidade ou de ação só acontece se Estado, produtores e consumidores quiserem. Havendo razoabilidade de recursos e, principalmente, se tiver gente capacitada, entusiasmada e bem formada para executar. É um processo que leva anos para ter resultados, com uma infinidade de dificuldades e desafios diários para serem resolvidos, pois nada acontecerá se não tivermos um profissional docente preparado para o novo papel que a educação lhe reservou: o de deixar de ser protagonista para tornar-se um orientador e compartilhador de conhecimentos.
O mundo da educação nacional, hoje, tem imensos desafios com o surgimento de novas tecnologias, em avanço exponencial, e a universidade precisando se reinventar para atender às demandas de uma nova sociedade. Há, inegavelmente, um desencanto com ela. Além disso, as famílias de menor renda não contam mais com financiamento, passam por muitas ansiedades e angústias, além da crise econômica que o país atravessa.
Se há um grande desafio a se enfrentar no presente, o que dizer do futuro que deixa toda a sociedade perplexa com os avanços que nos tomam de assalto a cada instante? Basta pela manhã assistir às notícias que são transmitidas, e nada é mais desanimador do que o relato sobre os milhões de brasileiros desempregados, fora o lugar comum da violência e insegurança total.
Já perdemos o bônus demográfico e corremos o risco de perder a geração “Z”, a quem deveríamos estar estendendo tapetes vermelhos como a salvação esperada de uma juventude sagaz, ávida, preparada, mas que tem sido pouco incentivada. Dentro deste contexto, penso que as próprias instituições de ensino superior, por intermédio de suas entidades representativas, deveriam dar legitimidade à causa da BNCC tendo em vista sua importância na formação intelectual, profissional e no exercício da cidadania de nossos estudantes. Esse posicionamento levará, como consequência, a um melhor desenvolvimento econômico, social e sustentável do nosso país.
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(1) Resultados do PISA 2012: de 65 países avaliados, o Brasil obteve a 55ª posição em leitura, a 59ª em ciências e a 58ª em matemática, totalizando uma média de 57,3. (https://veja.abril.com.br/educacao/avanco-do-brasil-na-educacao-perde-folego-revela-o-pisa/)