Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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"O Brasil na década de 90 tinha o desafio que era colocar todo mundo para dentro da escola. Essa era a clareza do desafio. O que a gente está tentando dizer para a sociedade agora é: temos um novo grande desafio. Garantir que eles tenham acesso à Educação de verdade, não é o acesso a entrar na escola. É o acesso a aprender mesmo." (Rossieli Soares, ex-ministro da Educação e secretário da Educação do Estado de São Paulo)
Imagine se a pauta educação tivesse a mesma divulgação que a reforma da Previdência Social está tendo. Ao menos os representantes do Congresso, do Executivo, do Judiciário e todos os brasileiros ficariam sabendo um pouco sobre a necessidade de capital humano para o Brasil se desenvolver. Temos desafios imensos a serem solucionados e que dependem da nossa sensibilidade para que passemos das intenções para a ação.
Foi o que, há 87 anos, 25 nomes da inteligência brasileira[1] sonharam ao escrever o celebrado “Manifesto dos pioneiros da Educação Nova”, que em seu início declarava:
“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade”.
A obviedade é elementar. Nunca teremos uma economia competitiva se não tivermos gente capacitada para desenvolve-la. O maior desafio que o país tem desde o ensino infantil, é de dar oportunidade a estudantes advindos de todas as camadas sociais, que tenham acesso ao melhor aprendizado, para possibilitar usufruir de uma vida digna e feliz. É uma questão social proporcionar aos jovens uma carreira profissional, pois o número dos “NEM-NENS” (jovens que não estudam e nem trabalham) chega a 13 milhões. O desafio não é só do governo, mais sim de toda a sociedade. Sobre isso, escrevi um artigo no ano passado: Os “nem-nem”, os “sem-sem” e agora também os “des-des”.
Com alguma experiência na educação, reputo que este momento é de vital importância. É hora de todos os setores da sociedade, voltados ou não à educação, independentemente do nível em que atuam, interajam, colaborem, compartilhem e fomentem a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pelo que já foi expresso na mídia e pelo declarado por especialistas em educação, citados em meus artigos[2].
Acredito ser este um momento estratégico para o país, o de, finalmente, enfrentar e vencer o desafio de alavancar a educação nacional. A exigência de mão de obra qualificada, cada vez maior pelas transformações na produção e nos serviços em todas áreas do setor empresarial e do governo, faz com que o ensino básico se torne transcendental na formação inicial dos estudantes. Antes os alunos podiam sair do ginásio sabendo ler, escrever e fazer contas. Hoje mudou. Eles devem também sair preparados para os embates da vida de um mundo cada vez mais competitivo.
Os números são insofismáveis, pois, segundo o IBGE, 28,4 milhões de pessoas, no último trimestre, o equivalente a 24,9% dos brasileiros aptos a trabalhar, estavam sem emprego, ou trabalhando menos do que gostariam.
Minha preocupação é que a BNCC seja exitosa, não só no setor particular, pois a competitividade entre escolas e a preocupação de servir da melhor forma seus alunos é questão de sobrevivência institucional. O grande desafio está com o setor público, pois existem mais de 200 mil escolas sob sua responsabilidade.
Há duas semanas foi realizado em São Paulo um evento educacional pela Bett Educar. Escolas particulares do Brasil inteiro estavam presentes e o assunto dominante era a implantação da BNCC. O os estandes mostravam o esmero com que as editoras prepararam o material de apoio escolar.
As escolas particulares que atendem à classe média e alta planejaram seus cursos em obediência às disposições legais. Isso confirma que todos estão preocupados com a BNCC, pois tem uma proposta para melhorar o ensino básico brasileiro. Porém, em todas as considerações apontadas na mídia, o foco está sempre nas instituições particulares.Creio que a iniciativa privada já caminhou muito e assim tem esta primeira etapa definida e resolvida. Evidentemente existem dezenas de desafios a serem vencidos, tendo em vista que muita coisa está mudando, mas está tudo pronto para as demandas serem atendidas e os profissionais estão em seus postos.
A BNCC não é um currículo pronto, com normativas exclusivas. Ela funciona como uma orientação aos objetivos de aprendizagem de cada etapa da formação escolar, sem ignorar as particularidades de cada escola no que diz respeito à metodologia e aos aspectos sociais e regionais. Resta saber se o corpo docente está realmente preparado e capacitado para a tarefa. Ou seja, cada instituição terá a liberdade de construir o seu currículo, utilizando as estratégias que julgar mais adequada em seu projeto pedagógico, desde que estejam sintonizados com a BNCC.
O prof. Rodrigo Casali, do Cepra - Centro Educacional Prof. Reinaldo Anderlini, de Botucatu, interior de São Paulo, disse:
"A principal finalidade da BNCC é dar homogeneidade à organização curricular das escolas de ensino básico para todas poderem acompanhar e as diretrizes dos processos educacionais, valendo tanto para as públicas quanto as particulares e logicamente respeitada as individualidades regionais. O que tem de novo são as competências e habilidades sócio emocionais que acompanharão transversalmente as várias disciplinas da primeira série à terceira série do ensino médio. Porém, o problema maior está no ensino médio, onde a proposta para eliminar a evasão e criar um projeto curricular por trilhas de aprendizagem, onde o aluno organize seu currículo, como quer estudar, levando em conta que apenas Português e Matemática são obrigatórios e o restante é por conta de sua opção profissional."
Como viabilizar economicamente um projeto que dependente das escolhas dos alunos? Corre-se o risco de se ter um professor para apenas dois ou três estudantes. Outra preocupação é com respeito ao Enem, visto que não existe informação se as provas vão ser à moda antiga ou seguindo a BNCC.
Se existem desafios nas escolas particulares, imagine nas públicas. No Brasil, com poucas exceções, as escolas públicas passam invariavelmente pela falta de professores e sua formação, alta evasão de alunos, violência e falta de recursos financeiros. Mas há um tema ainda pouco debatido que é a gestão escolar, ou seja, o papel dos diretores que lidam na ponta com as crises enfrentadas pelas escolas. Mesmo sendo o profissional que tem o maior número de responsabilidades dentro das instituições, não há nenhuma política pública voltada à sua formação e atuação no Brasil. O descaso é tão significativo que, segundo um levantamento do jornal Folha de Paulo, , em 2015, 45% dos 55 mil diretores brasileiros tinham chegado ao posto por indicação e não por valorização de carreira (45% dos diretores da rede pública chegam ao cargo por indicação). Ou seja, a saúde das escolas públicas as leva para uma UTI com reflexo imediato na implantação da BNCC.
Outras agravantes assoberbam a implantação como a de que as unidades públicas não têm a autonomia desejável, no caso de não terem um quadro docente capacitado e existem muitas dificuldades para contratações. As disciplinas alternativas/optativas podem não sair do papel em razão do pequeno volume de optantes e a diversidade de opções, além da eventual falta de docentes, a carência de recursos pode inviabilizar a implantação, no desenvolvimento do horário integral pois isso elevará despesas na folha salarial, quanto às competências sócio emocionais as escolas não têm um quadro satisfatório que contemple as exigências e o prazo para a implantação é curto, etc. etc.
A incorporação da tecnologia no ensino também deve ser pensada nesse processo, já que os alunos estão cada vez mais conectados e atentos aos assuntos disponíveis na internet e não conhecemos como ela está nos municípios longínquos. Será que a Secretaria de Educação Básica do MEC teve tempo de pensar em tudo isto?
A tese que defendo é que educação não é desafio só de governo. É questão nacional e há necessidade de todos colaborarem. Penso que o setor particular pode contribuir para a BNCC dar certo, por exemplo, colocando suas instituições junto às Diretorias/Delegacias de Ensino para discussões e aprofundamentos da temática, disponibilizando espaços e pessoal para troca de ideias, para a efetiva operacionalização. Outros organismos, como a Fundação Lemann, o Todos pela Educação, o Instituto Ayrton Senna e tantos outros, têm um vasto material a ser disponibilizado, de imensa valia.
A melhoria da educação é uma cruzada que deve mobilizar todos os atores sociais se quisermos um futuro melhor para o país.
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[1] Fernando de Azevedo; Afranio Peixoto A. de Sampaio Doria; Anisio Spinola Teixeira; M. Bergstrom Lourenço Filho; Roquette Pinto; J. G. Frota Pessôa; Julio de Mesquita Filho; Raul Briquet; Mario Casassanta; C. Delgado de Carvalho; A. Ferreira de Almeida Jr.; J. P. Fontenelle; Roldão Lopes de Barros; Noemy M. da Silveira; Hermes Lima; Attilio Vivacqua; Francisco Venancio Filho; Paulo Maranhão; Cecilia Meirelles; Edgar Sussekind de Mendonça; Armanda Alvaro Alberto; Garcia de Rezende; Nobrega da Cunha; Paschoal Lemme e Raul Gomes.
[2] Os desafios para implantar a BNCC: os palpiteiros que nunca atuaram em uma sala de aula
Os desafios para implantar a BNCC: motivação docente
Os desafios para implantar a BNCC: vontade política, gestão escolar e qualificação docente
Para onde vai a educação?