Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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“No Brasil, a maior parte dos educadores que trabalham na administração pública e também na ‘frente de batalha’, ou seja, nas escolas, tem uma formação fundamentalmente humanística, essencial para a compreensão da educação, mas insuficiente para o atendimento das demandas de aprendizagem para a vida em sociedade neste milênio.” (Ramon Cosenza e Leonor Guerra)
Na maioria dos países desenvolvidos, a quarta revolução industrial já começou. Nela as decisões no chão de fábrica são tomadas pelas próprias máquinas, que, interconectadas e a partir de informações fornecidas em tempo real, “conversam” e trocam comandos, armazenam dados na nuvem, identificam defeitos e fazem correções sem precisar de ajuda humana.
Esse processo de digitalização da operação industrial inaugurou uma nova lógica de produção: a união do conceito de internet das coisas (IoT) com a automatização industrial gera inteligência à manufatura e um universo de possibilidades para diferentes fabricantes. Como a customização, em que cada produto é único na linha de produção. Um exemplo? Um automóvel, a partir da própria linha de montagem, já teria um dono, pois as máquinas podem receber o pedido e fazer as customizações necessárias.
Embora as inovações tecnológicas estejam no centro do que faz a tão revolucionária indústria 4.0, as pessoas permanecem sendo um componente fundamental do sucesso dos negócios de qualquer empresa.
Nesse cenário, porém, o perfil da mão de obra deve mudar totalmente, pois, para trabalhar no futuro, o indivíduo terá de desenvolver habilidades técnicas e interpessoais bem específicas, como formação multidisciplinar, capacidade de adaptação, senso de urgência e bom relacionamento.
“As indústrias continuarão precisando de gente com formação específica, mas eles terão de lidar cada vez mais com áreas sobre as quais não estudaram na faculdade. Além disso, a forma do trabalho passará por uma transformação”, diz o consultor Cezar Taurion, da consultoria Litteris Consulting, especializada em tecnologia da informação e transformação digital.
Essa mudança exigirá dos profissionais, que trabalhando a distância, disciplina, organização e discernimento para entender os limites entre o que é urgente e o que não é.
As transformações da quarta revolução industrial vão atingir todos os aspectos da nossa vida, e a educação será um deles. A escola vai precisar incentivar uma nova cultura voltada para a inovação, a invenção, o pensamento crítico, a criatividade, a cooperação e a resolução de problemas, entre outras competências, para enquadrar-se nesse novo modelo de educação, que vai exigir novas práticas pedagógicas.
E a customização é também uma das mais importantes “sacadas” da educação 4.0. Assim como o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) – ramo da ciência da computação voltado a criar dispositivos capazes de sensibilizar (mas não substituir) a capacidade humana de raciocinar, tomar decisões e solucionar problemas. Aplicativos de aprendizado inteligente usarão inteligência artificial para analisar determinado aluno e adaptarão a entrega de informações e avaliações com base em suas características, incentivando o trabalho autônomo e colaborativo.
O nó górdio da educação 4.0 será, sem dúvida, menos o aparato tecnológico que as escolas possam oferecer, embora eles sejam necessários, e mais o professor – que, ao contrário do que se possa pensar, não irá desaparecer ou ter sua importância diminuída.
Mais do que das TICs, a hora é das TDICs (Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação), que proporcionam comunicação e interação em tempo real e com as quais o professor deverá, primordialmente, mediar a construção do conhecimento a partir de metodologias ativas e híbridas para construção de projetos e resolução de problemas, que explorem diferentes recursos e atividades e promovam conexões interdisciplinares.
Para isso, o professor deve estimular múltiplas redes de aprendizagem, aprofundar o olhar sobre as diferentes práticas adotadas, para garantir que o aluno seja o eixo central do processo de aprendizagem e, ele também, inserir-se nesse contexto de múltiplos conhecimentos e tecnologias para dominá-los e usá-los no seu cotidiano pedagógico. Em linha com a “customização”, ele precisa diagnosticar seu público: verificar como cada aluno aprende e personalizar esse aprendizado. Com isso, o docente precisa ter muito cuidado, antes que o aluno se torne o professor da sala.
Nesse sentido, as neurociências, embora não proponham uma nova pedagogia nem prometam soluções definitivas para as dificuldades da aprendizagem, podem “colaborar para fundamentar práticas pedagógicas que já se realizam com sucesso e sugerir ideias para intervenções, demonstrando que as estratégias pedagógicas que respeitam a forma como o cérebro funciona tendem a ser mais eficientes”, alertam Ramon Cosenza e Leonor Guerra, autores do livro Neurociência e educação: como o cérebro aprende (Artmed, 2011), no qual destacam o cérebro como sendo a parte mais importante do sistema nervoso, pois é responsável pela forma como processamos as informações, armazenamos o conhecimento e selecionamos nosso comportamento.
Estudos sobre o cérebro humano vêm ganhando destaque nas últimas décadas e desvendando como ocorrem vários processos durante o ato de aprendizagem. Um exemplo é o relatório Entendendo o cérebro: rumo à nova ciência do aprendizado[1], da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, já em 2003, abordava o tema e cujo conteúdo deriva de três fóruns promovidos em Nova York, Granada e Tóquio. O documento traz uma introdução ao que, na época de seu lançamento, já se sabia sobre o cérebro, ao que poderia ser revelado em breve tempo e ao que poderia ser conhecido no futuro.
Esse texto colaborativo e transdisciplinar procura, pela reunião de várias disciplinas, verificar o que elas podem dar e receber, umas das outras. Seus objetivos são desenvolver um diálogo criativo entre as várias disciplinas e interesses (Neurociência Cognitiva, Psicologia, Educação, Saúde e fomentadores de políticas públicas); descobrir quais conhecimentos a Neurociência Cognitiva – um misto de neurofisiologia, anatomia, biologia desenvolvimentista, biologia celular e molecular e psicologia cognitiva – poderia oferecer à Educação e à política educacional e vice-versa; identificar questões e temas no conhecimento do aprendizado humano nos quais a Educação necessita de ajuda de outras disciplinas.
Estudiosos alertam que as descobertas em neurociências não se aplicam direta e imediatamente na escola, mas teorias psicológicas baseadas nos mecanismos cerebrais envolvidos na aprendizagem podem inspirar objetivos e estratégias educacionais. Elas tornam o trabalho do educador mais significativo e eficiente, pois, se ele conhecer o funcionamento cerebral, poderá não só compreender e aceitar a diversidade de indivíduos presentes na sala de aula, como também desenvolver estratégias pedagógicas mais adequadas para atender às diferenças cognitivas.
“Conhecer a organização e as funções do cérebro, os processos receptivos, os mecanismos da linguagem, da atenção e da memória, as relações entre cognição, emoção, motivação e desempenho, as dificuldades de aprendizagem e as intervenções a elas relacionadas contribui para o cotidiano do educador na escola”, apostam Cosenza e Guerra.
O sistema nervoso tem a capacidade de mudar, adaptar-se e moldar-se estrutural e funcionalmente ao longo do desenvolvimento neuronal e quando sujeito a novas experiências. É o que se denomina de neuroplasticidade, que consiste na reorganização da estrutura neural ao vivenciar-se uma experiência nova. Em outras palavras, trata-se da capacidade das sinapses, dos neurônios ou de regiões do cérebro de alterar suas propriedades pelo uso ou pela estimulação. Seus estudiosos afirmam que as pessoas, a partir dos seus conhecimentos prévios, têm potencialidade para aprender desde o nascimento até à morte, sendo necessário para tanto disponibilizar as condições para que isso ocorra.
O aprendizado não ocorre de maneira automática, pois depende de conhecimentos já existentes, além de estímulos para que permaneça em atividade constante, fortalecendo e desenvolvendo as redes neuronais. É importante o professor saber quais são os conhecimentos prévios que o aluno possui para, a partir daí, apresentar um conteúdo novo como uma atividade desafiadora que mobilize sua razão e sua emoção, utilizando os métodos pedagógicos mais adequados, mediando e estimulando a aprendizagem.
O mundo está mudando e a readequação do aprendizado é sua consequência, o que sinaliza que as IES responsáveis pela formação de professores examinem e discutam os componentes curriculares das licenciaturas antecipando a necessidade de renovação de alguns deles para, numa perspectiva transdisciplinar e adaptá-los às descobertas no campo da neurociência.
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[1] OCDE. Entendendo o cérebro: rumo a uma nova ciência da aprendizagem. São Paulo: Senac São Paulo, 2003. Há uma síntese desse trabalho disponível em