Ronaldo Mota
Diretor Científico da Digital Pages e membro da Academia Brasileira de Educação
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O mundo contemporâneo nos apresenta desafios complexos e, muitas vezes, nada confortáveis. O Brasil, neste contexto atual, torna alguns deles mais complicados ainda. Portanto, é bastante compreensível que a situação nacional desperte em cada um de nós algo que se aproxima de um sentimento de angústia e de falta de esperança.
As ações no sentido de alterar o quadro vigente, em todos os campos, são imprescindíveis e insubstituíveis. Mesmo assim, é fundamental que tenhamos todos a devida calma, permitindo que as mudanças ocorram e que elas sejam efetivas e adequadas. Para tanto, na expectativa da lucidez produtiva, há que se procurar inspiração onde quer que ela seja possível. Não há receitas milagrosas ou únicas, tampouco soluções prontas, para tratar desse justificável sentimento de ansiedade com o estado atual das coisas. Neste sentido, entre várias possíveis abordagens, o budismo pode ser contributivo na percepção da realidade, via o conceito chave de “impermanência”.
No budismo é assumido que “nada é permanente, a não ser a própria impermanência das coisas”. Assim, o conceito de impermanência está estritamente ligado ao da variância do mundo. Ou seja, nada é permanente ao longo do tempo. Tanto as causas como as condições se alteram constantemente e o seu resultado, inexoravelmente, também varia. Este complexo conceito dentro da tradição budista pode contribuir com a adequada percepção da realidade atual.
A impermanência, a partir da ótica budista, deve ser vista conectada a um outro conceito, a onisciência, conhecida como “a plena atenção”. A onisciência possibilitaria ao seu praticante perceber a impermanência do mundo e assim se libertar de apegos àquilo que em sua essência é variante, e, portanto, causa de sofrimento. Apesar das duas visões serem próximas, o fato de se introduzir o elemento de consciência no processo permite atingir a necessária percepção da variância do mundo.
Segundo o budismo, todos os fenômenos são impermanentes e nada no universo perdura para sempre, tudo se transforma continuamente e caminha para a própria dissolução. Consequentemente, é indicado não nos apegarmos demais às coisas, pois, afinal, todas as coisas são temporárias. O apego gerará, inevitavelmente, sofrimento, dado que nada perdura para sempre.
Os pensamentos acima podem ser traduzidos em três níveis de reconhecimento, detalhados, de forma simples, da seguinte maneira: i) As coisas não duram, isto é, elas, constantemente, surgem e desaparecem. As coisas boas acabam e as coisas ruins acabam, bem como as coisas neutras também acabam; ii) As coisas se transformam, mesmo enquanto elas duram. Elas nunca são as mesmas, elas estão em constante alteração; iii) As coisas não têm sustentação plena ou continuidade absoluta. Embora elas pareçam surgir e se transformar, de fato, esses fenômenos se dão por causas que, por sua vez, também estão sujeitas a transformações e surgimentos-desaparecimentos. Não há uma substância subjacente permanente que perdure por trás de qualquer ocorrência. Claro que o budismo é muito mais profundo e complexo do que a simplificação superficial que este limitado espaço permite e que o autor, inexperiente no tema, alcança. A ideia, quase ingênua, é tentar contribuir para que a nossa quase generalizada angústia possa dar espaço a pensamentos racionais e a imprescindível esperança nas mudanças sempre em curso. Neste momento da história política do país o que mais precisamos é de racionalidade ativa. Que a inspiração, calcada na sabedoria budista, possa ser, eventualmente, útil. Afinal, são reflexões milenares sobre este universo, felizmente em constante transformação. Representações artísticas destes pensamentos podem ser encontradas em diversas obras. Unicamente como ilustração, destaco a canção “Como uma onda”, de Lulu Santos (1983). Quem tiver a oportunidade de rememorá-la agora perceberá que a arte pode ser mais eficiente do que todas estas palavras.
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