Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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Se apesar de todos os nossos esforços um percentual significativo do gênero humano for excluído do mercado de trabalho, teremos de criar novos modelos de sociedade pós-trabalho, de economia pós- trabalho e de política pós trabalho. (Yuval Noah Harari)
O professor israelense Yuval Noha Harari, em seu livro 21 lições para o século 21, nos dá uma visão deste século dominado por algoritmos e Inteligência Artificial. O historiador mostra três questões em relação ao futuro do trabalho: o que fazer para impedir a perda de empregos; o que fazer para criar empregos novos; e o que fazer se, apesar dos nossos melhores esforços, a perda de empregos superar consideravelmente a criação de empregos. Achando que a ajuda do governo seja suficiente com medidas de amparo social e a alisando as três hipóteses, profetiza “não sabemos se bilhões de pessoas serão capazes de se reinventar repentinamente, sem perder o equilíbrio mental”.
Não conseguir emprego e não ter como trabalhar é um flagelo social e políticas públicas deviam se antecipar às crises decorrentes. Veja o Brasil, que tem cerca de 50 milhões de pessoas desempregadas e na informalidade, sem proteção trabalhista ou previdenciária, como aponta o sociólogo José Pastore em entrevista à jornalista Érica Fraga, da Folha de S.Paulo (Não dar seguro saúde e Previdência a terceirizado é escândalo, diz José Pastore). Equivaleria a uma Espanha hoje totalmente paralisada.
O fato é que o Brasil real e atual, e sem falar do futuro, já tem um problemão de como dar trabalho a esta gente toda. O grande desafio é como planejar o desenvolvimento seriamente e com gente talentosa e sem ambições políticas e empresariais. Além disso, é preciso criar um sistema educacional capaz de capacitar para atuação em numa nova realidade de demanda profissional.
Em termos genéricos, todos os dias o mercado de trabalho passa por processos de transformação. Assim como a sociedade de modo geral, o meio corporativo e as tarefas do dia a dia são impactados pelo alto e rápido desenvolvimento da tecnologia e da ciência.
A seguir, listamos 8 características do mercado de trabalho do futuro, apresentadas por Michael Page[1], algumas que já acontecem e outras que ainda estão por vir:
1 - Mais concorrência profissional
As empresas irão selecionar o candidato mais talentoso para a vaga em questão, sem se importarem com gênero, idade ou com o lugar onde este profissional vive - mesmo que seja a quilômetros do escritório.
2 - Adeus trabalho de uma vida inteira
Os profissionais serão, cada vez mais, internacionais e buscados para trabalharem em projetos específicos. Portanto, a troca de emprego será algo mais do que normal, será preciso.
3 - Maior tempo de estudos
Para serem bem remuneradas, as pessoas terão que estudar mais e mais. Graduações e MBAs não serão diferenciais. Cursos pontuais e reciclagens ditarão o futuro educacional.
4 - Escritório onde você quiser
No parque, no café, em casa, em um coworking... Trabalhar de qualquer lugar fora do escritório será mais do que permitido, será uma ação encorajada. Networking, novos negócios e bem-estar para o profissional são somente alguns dos benefícios com a prática.
5 - Mudanças de horários
Mais flexibilidade e maior preocupação com o bem-estar do funcionário entrarão para os temas de fiscalização de órgãos governamentais.
6 - Desenvolvimento tecnológico
A demanda e procura por profissionais qualificados para lidar com novas tecnologias passará a aumentar de maneira considerável. Mecanismos (e colaboradores) que permitam maior produtividade e mudanças nas relações de trabalho como conhecemos atualmente serão muito, mas muito valorizados!
7 - Globalização econômica
Faz tempo que ouvimos sobre a globalização, não é mesmo? A geografia não é mais um limite e, devido aos avances tecnológicos e logísticos, o comércio exterior estará ainda mais interligado. Novas rotas comerciais, maneiras de entrega, gestão de pedidos, e-commerce... Um mundo a parte será criado para dar conta de tanta inovação.
8 - Novas profissões
Irão surgir novas tarefas para profissões que ainda estão por vir. Curioso, não? Fruto da evolução científica e tecnológica, cerca de 70% das crianças de hoje em dia trabalharão em profissões que ainda não existem concretamente.
Os futurólogos de plantão criam cenários de novas profissões. Vejamos duas linhas já apresentadas:
1 – Tendências do Mercado I
Cenários sobre o futuro são perigosos, mas vejam as 25 novas profissões, elencadas por Thais Bittencourt, do Blog Hotmark
2- Carreiras que terão destaque
Segundo listado por Camila Pati, para a Revista Exame, nos próximo 10 anos teremos 20 novas carreiras.
Vanderlei Raffi Schiller, CEO e sócio-fundador da HR Office Consultoria de Gestão, sinaliza que o mundo do trabalho está mudando rapidamente e que no fim não será a tecnologia, mas as pessoas que irão delinear o futuro do trabalho:
“Automação e Inteligência Artificial (IA) são as estrelas sobre as quais uma onda de mudanças sem precedentes vem acontecendo, gerando um movimento de expectativas e demandas das pessoas e das organizações. Recentes pesquisas têm revelado o seguinte:
- O mundo do trabalho vai depender cada vez mais, além das habilidades técnicas, de um conjunto bem mais desenvolvido de habilidades essencialmente humanas. Empatia, inteligência emocional, criatividade, colaboração, liderança, empatia, comunicação, estão entre as mais requisitadas. Os recrutadores têm, no entanto, um grande desafio, que é o de identificar essas habilidades, não tão evidentes e normalmente mostradas em situações reais de trabalho.
- A flexibilidade dos esquemas de trabalho tem crescido, juntamente com a evolução das regulamentações a respeito. A tecnologia é a grande habilitadora e a base geográfica das pessoas se tornou cada vez menos importante, mas a mudança está gerando uma ressignificação do conceito de “trabalho para quase toda a vida” para “maior equilíbrio”, exigindo assim flexibilidade. Para as organizações, é uma oportunidade de reduzir seus custos com locais de trabalho.”
Schiller também é crítico, com razão, ao afirmar que possíveis soluções para o futuro precisam ser discutidas e repensar a educação será exigência conceitual.
“Mudanças tecnológicas geram necessidade de aprendizagem de novas habilidades rapidamente e os sistemas de educação são muito lentos na resposta às inovações. Além do mais, o nosso sistema deveria equipar as pessoas com habilidades as quais as máquinas não fazem, como empreendedorismo, trabalho em equipe, curiosidade e adaptabilidade. Para o futuro, as habilidades serão muito mais importantes que o ‘pedigree’ do curso universitário”.
O consultor coloca ainda que, desde que reputado o valor da colaboração, as organizações poderão se beneficiar da otimização entre humanos e Inteligência Artificial, reimaginando processos de negócios, experimentando e redesenhando o trabalho para incorporar a IA.
Schiller finaliza suas colocações com esmero exemplar:
“Importante relembrar o significado do trabalho, que representa para os indivíduos não apenas a forma de ganhar a vida, mas importante fonte de identificação ante seus grupos, pares e sociedade como um todo, constituindo forma de inserção social.”
Em todos estes cenários sobre o futuro é importante frisar uma constatação: o mundo está mudando e as instituições brasileiras que formam recursos humanos para o trabalho precisam se preparar para esta nova realidade. E uma questão adicional: os órgãos reguladores ainda não saíram da era dos cursos analógicos. Se fizermos as contas, 95% dos planos curriculares atuais estão ultrapassados há mais de 30 anos. Basta consultar as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação disponibilizadas pelo MEC.
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[1] Empresa de recrutamento especializado em executivos para média e alta gerência, fundada na Inglaterra em 1976 por Bill McGregor e Michael Page. O rápido crescimento da empresa deu origem a abertura de novos escritórios planetários. Em 1979, a Michael Page era já a maior empresa de recrutamento a publicar no Financial Times, fornecendo seleção profissional e serviços de recrutamento para áreas de contabilidade e finanças dentro de clientes industriais, comerciais e escritórios.