Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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“O rápido progresso da verdadeira ciência faz com que às vezes eu lamente ter nascido cedo demais. É impossível imaginar o nível de desenvolvimento que alcançará em milhares de anos o poder do homem sobre a matéria. (...) Todas as doenças poderão ser prevenidas ou curadas através de métodos seguros (sem excetuar-se o envelhecimento), e nossas vidas serão prolongadas à vontade, até mais além do padrão pré-diluviano.” Benjamin Franklin[1]
Escrevo depois do feriado de Finados relembrando minha mãe italiana, minha avó que ia à missa todos os dias e o culto que tinham a seus familiares mortos. Visitar o túmulo da família era obrigatório nas datas do aniversário e da partida do falecido. Isto valia também na Páscoa, no Natal e no dia de Finados. Refletindo hoje, percebi que há muito não vou ao cemitério, embora a lembrança dos familiares e, principalmente, dos pais estão sempre em mente nos momentos especiais.
O feriado de Finados sempre atingiu toda a população e, no dia seguinte, os jornais sempre publicam mil e uma reportagens sobre o que acontecera nos vários cemitérios da cidade e as dificuldades dos transportes públicos. A mídia tem noticiado também a folclórica comemoração dos mortos como é realizada no México.
Acredito que, especialmente em São Paulo, com o déficit de áreas para lazer, mais cedo ou mais tarde os cemitérios serão transformados em parques públicos. Com 10% da área destinada a um amplo edifício para abrigar a memória dos sepultados e o restante ambientes para atividades de lazer.
Mas há muita gente antenada com o futuro e com os estudos científicos da imortalidade humana. Os pesquisadores preveem que até daqui cinquenta anos nem mais cemitério vai precisar existir. Estamos falando do best seller “A morte da morte: a possibilidade científica da imortalidade”, da dupla de autores, José Luiz Cordeiro e David Wood.
O lançamento do livro aconteceu no Unibes Cultural, em São Paulo, com palestra do Prof. Cordeiro para mostrar que a morte, em poucas décadas, será opcional, que é possível parar o envelhecimento e que poderemos curar inúmeras mazelas que acometem o corpo.
Afinal, a morte é evitável ainda que muitos aspectos da história, em especial as religiões, tenham nascido da consciência de que todos morrem. Até hoje, o medo atávico da morte e o desejo de sobrevivência só encontravam conforto nos paradigmas religiosos. Agora, pela tese de Cordeiro, morrer poderá ser uma escolha. Não já, mas lá por volta de 2030 e 2045. Portanto, pelas contas do estudioso, as pessoas com essa opção já nasceram. Isso tudo graças aos avanços da Inteligência Artificial (IA) na regeneração dos tecidos, nos tratamentos com células-tronco, na impressão de órgãos, na criopreservação e nas terapias genéticas ou imunológicas, que resolverão – e já resolvem – os problemas de envelhecimento. Veja-se o que está tão próximo para acontecer nos anos 2020:
- Erradicação da poliomielite no mundo
- Erradicação do sarampo no mundo
- Vacina contra a malária
- Vacina contra o HIV
- Cura da maioria dos tipos de câncer
- Cura do Mal de Parkinson
- Bioimpressão 3D de órgãos humanos simples
- Clonagem comercial de órgãos humanos
- Inicio de tratamento para rejuvenescer com células tronco e telomerase
- IA e robôs médicos complementam e suplementam os médicos humanos
- A telemedicina se espalha pelo mundo
Cordeiro explica que é difícil aceitar sua tese, porque nosso pensamento ainda é linear, enquanto a ciência e a tecnologia, neste milênio, têm um desenvolvimento exponencial. E cada nova tecnologia descoberta origina inúmeras possibilidades que, combinadas, originam milhares de novas descobertas.
Em outras palavras, o futuro não está se desenvolvendo de forma linear, aquela a que estávamos acostumados e que muito pouco mudou no decorrer de séculos (inclusive na educação) de uma geração para a seguinte: usávamos as mesmas ferramentas (e também livros, que passavam de pais para filhos), comíamos as mesmas refeições e vivíamos, em geral, no mesmo lugar. Isso mudou radicalmente.
Se desenvolvemos uma visão passiva de mundo e, quando muito, reativa, semelhante à forma como passávamos nossos dias – reagindo no momento em que era necessário e solucionando problemas apenas no instante presente –, esse paradigma precisa ser quebrado: os novos tempos exigem uma postura não só pré-ativa (de preparar-se para mudanças previsíveis), mas sobretudo proativa (de antecipar-se às mudanças, de criar o futuro).
Nesse diapasão é que ocorrerão as mudanças há milênios aguardadas pelo homem: o rejuvenescimento (enfim, o mito da eterna juventude será possível com os aportes da IA) e a imortalidade. De acordo com futuristas como o cofundador da Singularity University Ray Kurzweil – pioneiro nos campos de reconhecimento ótico de caracteres, síntese de voz, reconhecimento de fala e teclados eletrônicos, além de autor de livros sobre saúde, Inteligência Artificial, transumanismo e singularidade tecnológica –, graças ao crescimento exponencial do poder da computação e da neurociência, um dia será possível fazer o upload da consciência humana (mind upload) para um sistema informático e viver indefinidamente em um ambiente virtual.
Segundo ele, o processo é “simples”: um hardware seria inicialmente instalado no cérebro humano para ajudar a memória a digitalizar ou acelerar os processos de pensamento. Em seguida, aos poucos, seriam inseridos outros componentes até que as funções do cérebro fossem inteiramente dispositivos artificiais. Com isso, segundo Cordeiro, discípulo de Kurzweil, seria possível nosso cérebro ter acesso e “manipular” o universo exponencial do big data.
Não só isso, com os avanços da nano e biotecnologias, serão possíveis intervenções, hoje inimagináveis, no corpo humano. Por exemplo, um ciborgue[2] – organismo constituído de partes orgânicas e cibernéticas – tem como finalidade melhorar a capacidades do corpo humano utilizando tecnologia artificial, ajudando-nos a ter melhor qualidade de vida ao limitar os impactos do envelhecimento e de doenças, além de aumentar fatores como velocidade, força, resistência e a inteligência.
Mas, afinal, qual a proposta de Cordeiro? Simples: estamos vivendo tempos realmente fascinantes, tempos de mudanças exponenciais, tempos de disrupção total, um período talvez incomparável em toda a história da humanidade. Estamos entre a última geração mortal e a primeira geração humana imortal. Chegou a hora de declarar publicamente a morte da morte. A alternativa é muito clara, e bem conhecida: se não matarmos a morte, a morte matará a todos nós.
Fatos e acontecimentos jocosos à parte, Cordeiro não brinca com a morte, ao contrário, quase pré define quando ela deixará de existir graças a todas as tecnologias exponenciais colocadas nos painéis do futuro, e salvo algum gap para mais ou para menos, é possível ter como certos avanços jamais sonhados
pelos humanos como a extinção de cânceres, Alzheimer, Parkinson etc. etc.
A partir de análises das principais iniciativas e ideias dos meios de financiar, bem como investir, no setor de antienvelhecimento, a obra A morte da morte defende a moralidade e a urgência de abordar essa pesquisa que beneficiará toda a humanidade, sejam os crentes sejam os ateus. Conforme o próprio Cordeiro, “A ficção científica hoje é a verdadeira ciência do amanhã.” E com razão pois é a possibilidade científica da imortalidade.
O autor ainda acrescenta: “Este é um livro da vida, pela vida e para a vida.” No livro, a apresentação da cronologia da vida na terra tem uma precisão cirúrgica, como o Apêndice, das páginas 355 a 370, seguindo-se a Bibliografia, das páginas 371 a 384, dando conta da riqueza de fontes consultadas. Uma obra que não pode faltar nas boas bibliotecas. Para aceitar/acreditar ou duvidar.
Para Cordeiro, em 2045, no máximo, chegará a singularidade, o momento em que as máquinas se igualarão ou superarão a inteligência humana e começarão a ser autônomas. Mas, como em toda mensagem de Cordeiro, não há nada a temer na terra prometida pós-humana. Viveremos em perfeita harmonia com esses novos seres inteligentes, que nos ajudarão a ser mais felizes e poderosos.
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[1] Epígrafe encontrada na p. 305 do livro A morte da morte: a possibilidade científica da imortalidade, de José Luis Cordeiro e David Wood (LVM Editora, 2019).
[2] O neologismo, junção das palavras cyber(netics) + organism (organismo cibernético), foi inventado por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline em 1960 para referir-se a um ser humano melhorado que poderia sobreviver no espaço sideral.