“O que distingue a época atual é que vivemos o nascimento de uma constelação de tecnologias que prenunciam a remodelagem da vida das pessoas, das economias, das cidades e do trabalho em níveis inéditos da história da humanidade.” (Glauco Arbix)Há cinco anos assisti a uma palestra de um headhunter que mostrava a dificuldade que teve para escolher um diretor executivo para um banco. Disse ter realizado sucessivas análises de 200 currículos e que, depois de série de entrevistas, restaram dois profissionais. Os finalistas demonstravam excelentes atuações em trabalhos realizados e tinham as mesmas aptidões e bom desempenho. Devido à dificuldade de decisão, ele expôs a questão ao CEO contratante, que depois de uma rápida olhada nos currículos decidiu por um dos candidatos. Estranhando a rapidez, quis saber a razão da escolha e a resposta veio rápida: o João Francisco tinha tido participação meritória em centro acadêmico e o outro nenhuma. O episódio de certa forma coincide com o que trouxe Talita Nascimento em reportagem de capa do Estado de S.Paulo do dia 19 de janeiro, sob o título “Experiência contará mais que formação na próxima década”. A matéria aponta o que temos reforçado constantemente: “Flexibilização para migrar para outros campos de atuação, disposição para viver novas experiências e participação de redes de relacionamento profissional são importantes”. A mudança nos ambientes empresariais exige profissionais atualizados para enfrentar os desafios do dia a dia. Na mesma reportagem, a autora informa sobre estudo do Escritório de Carreiras da USP, mostrando que o mercado de trabalho se agrupará em 10 áreas envolvendo 10 carreiras. O foco não serão as profissões, mas sim as carreiras. Yuval Harari e Kai Lee, experientes profissionais que deram palestra no mês passado no Brasil, descreveram em seus livros que, devido ao avanço exponencial da tecnologia aplicada a negócios, milhares de postos de trabalho desaparecerão e que as pessoas precisarão estar preparadas para outras ocupações. Diante desse cenário, se nada for feito, a desigualdade social aumentará. Glauco Arbix[1], que mencionamos na epígrafe, em seu artigo no mesmo jornal afirmou que a “chave está nas pessoas, não na tecnologia”. As habilidades socioemocionais terão mais relevância e o que vale são “as habilidades de julgamento e de decisão, de criatividade, gestão de pessoas, de negociação e inteligência emocional.” Por fim, o Prof. Maurício Garcia, colaborador da ABMES, teve publicado no Painel do Leitor, da Folha de S.Paulo de 25 de janeiro um comentário ao artigo “Educar com tecnologia?”, da economista Claudia Costin. Garcia afirmou que “a questão não é se os professores serão substituídos por robôs, mas quando isto acontecerá. A educação será profundamente transformada por conta da tecnologia, e o papel do professor será revisto em várias especialidades, desde autores, prolatores e orientadores até cientistas de dados pedagógicos e desenvolvedores e treinadores de robôs. Haverá menos professores no formato atual, mas inúmeras outras oportunidades em função da vocação e da habilidade de cada um.” A resposta para todas estas inquietações é que antigamente a universidade era a vanguarda como construtora e distribuidora do conhecimento e hoje ficou para trás. O tempo passou e ela não viu. O mundo das ocupações transforma-se a cada dia em função do avanço do conhecimento, da mudança dos paradigmas e da maneira de fazer tudo. E as empresas têm razão em não acreditar no sistema educacional, pois estamos atrasados, parados em um modelo da década de 60, com currículos mínimos completamente defasados baseado em disciplinas. Estamos oferecendo o passado e não o futuro e continuaremos nesse modelo enquanto houver sustentabilidade financeira. Parecemos um supermercado, colocando nas prateleiras produtos sem rótulo, sem validade e sem especificar para que servem, apenas cumprindo as normas regulamentares do MEC e os alunos, sem tempo e cultura de dedicação à aprendizagem, pensam que com o diploma terão acesso ao trabalho facilmente. A universidade é um espelho que reflete o que a sociedade vive, pois quem faz a universidade são os professores e alunos e se eles estão atrasados tudo fica desatual. O professor continua a ser o diferencial, mas quando ele fica estagnado no mesmo lugar, fazendo sempre a mesma coisa, a tendência é que ele se torne uma peça de museu. O professor precisa se alinhar às mudanças que estão acontecendo no mundo e que vão impactar profundamente a sociedade nos próximos anos. O modo de pensar e agir de forma linear, segmentada, unidimensional e previsível já não dá conta de responder as demandas atuais. Precisa mudar o mindset para um processo não linear, conectado, multidisciplinar e exponencialmente imprevisível. A humanidade sempre teve três problemas: a fome, a peste e as guerras. Não está tudo solucionado, mas, comparativamente a um século atrás, milhões de vidas foram salvas. Havia a narrativa de serem problemas insolúveis, razão pela qual as pessoas pediam milagres aos céus para exterminá-los. Acredito que a reza serviu para inspirar a parte da humanidade que colocou sua inteligência, sua criatividade e suas mãos para solucioná-los; o que nos trouxe até o momento atual. No Brasil, nosso problema são 12 milhões de desempregados e precisamos estar preparados quando a automação desalojar mão de obra desqualificada. Nem Estado, nem governo estão ligados à solução desse propósito. Não está na agenda de serviços. A desigualdade só se resolve com desenvolvimento, trabalho e educação e a cabeça da nação deveria estar sintonizada para encontrar soluções. A única saída é apostarmos numa aliança do setor produtivo com o setor educacional e indicarmos ao Estado a estratégia que Ariadne usou para Perseu em Creta e sairmos dos obstáculos do labirintos que impedem o progresso. A academia, o setor produtivo e os que pensam num país mais igual devem liderar esta revolução imposta pela modernidade e fazer pela educação a mola propulsora do progresso. [1] Professor titular de Sociologia da USP, Coordenador do Observatório de Inovação do Instituto de Estudos avançados