Durante muito tempo venho acompanhando o crescimento desgovernado das comunidades cariocas e suas consequências. Minhas experiências nesses 32 anos como morador, peça do sistema e empreendedor social, puseram-me em situações e causaram inquietações que colocaram à prova a minha resiliência e capacidade de me reinventar.
Com a chegada da crise gerada por uma das piores pandemias já vista na história da humanidade, a Covid-19, alguns “fantasmas” voltaram a causar pânico e pavor na sociedade. Chamo esses problemas de “fantasmas “, pois a sociedade precisou de um grande susto para perceber o quanto, há tempos, vínhamos ignorando e maquiando os problemas que impedem o crescimento social e intelectual do nosso país e da nossa sociedade de um modo geral.
Fome, exclusão social, digital, desemprego. Superlotação hospitalar, falta de moradia, escassez de recursos foram alguns desses fantasmas que bateram na porta de nossas casas. Alguns viveram suas próprias experiências, outros acompanharam de perto conhecidos ou pessoas próximas sofrerem alguns desses impactos gerados pela crise.
No meio desse grande cenário de incertezas e perdas, um grande fenômeno nunca visto antes em nosso país ganhou forma e decolou como um foguete: organizações sociais, iniciativa privada, pessoas comuns rapidamente arregaçaram as mangas e se posicionaram na linha de frente da batalha, chegando aos lugares e situações mais vulneráveis da nossa sociedade até cinco semanas antes do poder público com ações de distribuição de alimentos e insumos para higiene e proteção dessas pessoas.
Essas iniciativas atuaram e continuam atuando na raiz do problema, do “miolo das favelas” até as “cheias praças públicas e históricas do nosso país”. Essas pessoas assumiram o risco de se contaminar, se depararam com as mais inusitadas e arriscadas situações possíveis nesses ambientes. Porém todo esse esforço gerou um resultado positivo, um sentimento de solidariedade foi provocado e está se tornando um comportamento natural na população brasileira.
Nossos desafios agora são: tornar responsabilidade social e o ato de doar um hábito no cotidiano do brasileiro, principalmente nas iniciativas privadas. Algumas empresas atuaram de forma excepcional na gestão de seus negócios não demitindo funcionários.
Outras doaram altas quantias no combate aos impactos do vírus, possibilitando um resultado robusto que amorteceu o impacto da crise nos locais mais vulneráveis. Com isso garantirmos que instituições sociais e pessoas físicas, que atuam na linha de frente no combate a vulnerabilidade social, tenham fôlego e condições de continuarem sustentando suas ações.
Ao governo fica a lição de que a atuação dessas instituições e pessoas é fundamental para uma retomada de crescimento econômico e social do nosso país. Fica a provocação de uma simples pergunta: por que o Governo Federal não utilizou todo este sistema rústico funcional e eficiente criado e sustentado por esse ecossistema no combate aos impactos da crise?
O que nos provou que a solução dos nossos problemas vai vir de nós mesmos, da favela, do asfalto, do preto, do branco, do gay, do hétero, das zona sul a zonas norte. Como morador de uma das comunidades beneficiadas por essas ações eu destaco que nunca havia visto antes um programa de distribuição de renda e recursos tão grande e eficiente como vimos nessa crise.
Como empreendedor social e gestor de um projeto que atua na linha de frente do combate a vulnerabilidade social me sinto incomodado por não ver esse mesmo modus operandi ser replicado como política pública. Precisamos entender e provocar a classe política de que “políticas públicas não convencionais” como essas precisam ser implementadas como políticas de estado e permanentes, não de governo.
As consequências de alterações prematuras e radicais nos programas assistencialistas do governo nos colocam em risco inimagináveis como o do Covid-19, a forma como essas iniciativas criaram suas estratégias redes de apoio, mapeamento de territórios, distribuição dos recursos, analise de dados, uso de tecnologia, é um fenômeno no qual tenho a crença de que se perpetuará e irá equilibrar todo o modo como enxergamos e vivemos em sociedade.