Educador de mais de oito décadas e mais alguma coisa, somente ontem me dei conta do que está acontecendo em muitas das nossas escolas como uma das terríveis consequências dessa pandemia que alcança também o ambiente escolar, fruto do que poderíamos chamar de silêncio do vírus. Confesso que me senti frustrado por somente haver percebido o eco surdo desse silêncio, quando me sentia tão triste pela notícia do falecimento do artista Paulo Gustavo.
A situação foi assim: estava em minha sala, pomposamente chamada de Gabinete do Diretor, quando me dei conta do que vem acontecendo na nossa escola com nossos alunos, na hora dos recreios. O toque da campa ou a música iniciada, era costume ouvir um sonoro alarido dos menores, como que num acontecimento de maior liberdade, que oferecemos aos nossos jovens.
Olhando pela janela, aquela tradicional janela que toda escola tem para melhor observar os seus alunos, foi que percebi esse silêncio, uma tranquilidade visível, uma sensação de tristeza, expressa pelos jovens, talvez tanto incutidos pela mídia para evitem os contatos, para que vivam sem aglomeração, num isolamento que contrasta com os desejos dos humanos e que Paulo Gustavo retratou em sua despedida de vida. Não vi abraços (nem poderia vê-los) entre os jovens. Quase não acreditei na mudança, mas reforcei meu entendimento a respeito do silêncio, conversando com pais jovens dos nossos alunos mais jovens ainda.
Não me contive com essa constatação. Deixei para ver depois se a minha sensação não era meramente epidérmica. Que nada! Na saída do turno matutino, os alunos continuavam a apresentar distanciamento, uns dos outros, sem esboçarem manifestações tradicionais de saída de turno. Notei até, em acréscimo, um certo ar de tristeza entre os jovens, talvez até pelo fato de terem perdido muitos familiares, resultantes do mesmo vírus assassino. A mídia poderia, aliás, minimizar esta situação destacando e realçando, de forma mais contundente, o que vem ocorrendo com a recuperação de bom número de pacientes, graças aos esforços de médicos e enfermeiros, torcedores pela vida humana.
Confesso que me assustou o silêncio. Silêncio entre jovens é coisa séria. Havendo residido, por algum tempo, em frente ao tradicional Colégio Santo Agostinho, na rua José Linhares, dos Padres Agostinianos, tinha como tradicional, na saída de turno, a gostosa alegria e a não menor algazarra própria da liberdade das ruas e dos chutes de latas velhas, deixadas nas calçadas. Pelo que sei, o vírus do silêncio está em toda parte e não é nenhum “silêncio obsequioso”, próprio das advertências papais, inclusive a sofrida pelo Padre Leonardo Boff.
Mesmo nas universidades e nas faculdades, por força da pandemia, também ocorre o que eu chamo de culto do silêncio e a sensação do separatismo e do mutismo entre humanos, que tanto Paulo Gustavo condenou na sua despedida.
Ao redigir estas linhas de um depoimento apressado, rogo que os bons analistas, daqueles escolhidos pela ABMES, despertem para o estudo desse silêncio aterrador do vírus, se ainda não o fizeram.
Não quero o barulho das baladas, acontecidas impropriamente. A pandemia, inclusive fez silenciar alguns “fofoqueiros”, especialmente frequentadores sistemáticos de enterros e velórios, assíduos comentadores da vida alheia.
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