Reverencio com esse texto a memória do Professor Candido Antônio José Francisco Mendes de Almeida, primeiro presidente da ABMES, falecido aos 93 anos, em 17 de fevereiro de 2022, na cidade do Rio de Janeiro. Na impossibilidade de percorrer todas as conquistas e lutas de sua incrível e brilhante trajetória, optei por destacar a sua atuação em defesa da livre iniciativa no direito de educar, marca indelével de sua gestão, reconhecida como referência por todos que o sucederam.
A primeira iniciativa para a criação da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e para a sinalização do nome de Candido Mendes de Almeida como primeiro presidente foi traçada no início da década de 1980, época em que ele era reitor da Universidade Candido Mendes, instituição fundada em 1902 pelo seu avô, o conde Candido Mendes de Almeida.
A história nos relata que Electro Bonini (1913-2011), reitor da Universidade de Ribeirão Preto/SP, e Vera Costa Gissoni (1935-2014), reitora da Universidade Castelo Branco/ RJ, foram as peças-chaves para o surgimento da ABMES no cenário educacional brasileiro. Pioneiros, como sempre reconheceu Candido, “eles iniciaram um movimento nascido de um contexto social que pedia profundas mudanças para o desenvolvimento na forma e na oferta da educação superior privada no país ”.
A partir do entrosamento inicial entre Rio e São Paulo e da “ação missionária” de Vera Gissoni — que viajou por todo o país para congregar mantenedores —, o movimento passou a contar com a participação efetiva de outros importantes líderes da educação superior particular das diversas regiões brasileiras entre os quais Édson Franco e Gabriel Mario Rodrigues — que o sucederam na presidência da ABMES —, Clotilde Maeder, João Herculino, Marlene Salgado de Oliveira, Pe. Décio Batista, Hermínio da Silveira, Paulo Newton Paiva, Honório Tomelin, Jouberto Uchôa de Mendonça, Hélio Alonso, Mário Veiga de Almeida, José de Souza Herdy, Paulo Cardim, Paulo Lima, Sérgio Magalhães, Therezinha Cunha, Ney Robson Suassuna, Oscar Luiz de Moura Lacerda.
A ação nacional dos mantenedores da década de 1980 permitiu compreender melhor a importância da criação de uma instância representativa do ensino superior para atuar em um complexo sistema educacional marcado pela multiplicidade das interlocuções; heterogeneidade do sistema; coexistência na diferença; manutenção de escalas de convivência e, sobretudo, pela urgência de uma política de ação comum, diante da incapacidade do Estado em atender à nova demanda pelo ensino superior.
Estavam ali, lado a lado, como observou Candido, “as instituições de ensino superior confessionais, comunitárias e filantrópicas e aquelas que apostaram na entrada da educação no mercado, em uma economia de custos e preços e que se constituem hoje as instituições majoritárias do setor privado.
Daquele momento em diante, Candido liderou inúmeras lutas em defesa do direito à livre iniciativa e ao atendimento das demandas do setor privado de ensino superior. Sua participação, em 1984, no movimento “Muda Brasil” foi de grande relevância para as contribuições do setor ao plano de governo de Tancredo Neves.
Candido compôs a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida por Comissão Affonso Arinos, responsável pela elaboração do Anteprojeto para a Carta de 1988. Embora o Anteprojeto não tenha sido formalmente adotado pela Assembleia Nacional Constituinte, seu conteúdo exerceu grande influência sobre o trabalho dos parlamentares. No que se refere à livre iniciativa na educação, Candido destaca como conquistas os princípios contidos nos artigos 1º, 205 e 209 — valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; educação, direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade; ensino livre à iniciativa privada.
Para Candido, sempre atual nas suas reflexões, “a educação não é tarefa exclusiva do poder público e supõe a coadjuvação do esforço direto, e auto-organizado, da coletividade (...). No próprio embrião da atividade educacional, reconhecida pela Carta, instala-se, pois, a paridade entre ambos os agentes para realizá-la. Por isso mesmo, não existe a figura da concessão no acesso do ensino privado à educação, nem jamais foi ela considerada como um serviço público. É, sim, concurso conjunto, convocado pela própria urgência com que essa atividade se coloca como um dever social e nessa dimensão, cogente e prioritária, exorbita das forças do Estado. ”
O objetivo de Candido era o de evitar que a educação fosse tratada como uma concessão do serviço público. “Toda a visão estatista, mesmo que liberal, era de que o ensino deveria ser uma concessão de serviço, entendendo-se que a educação é um direito implícito à população brasileira. Nós, educadores, defendemos um direito, sobretudo, de educar. Não como uma concessão a ser feita pelo Estado. A Carta de 1988 enfrentou esse desafio, venceu, e definiu muito bem essa matéria. ”
Candido sempre atribuiu essas conquistas ao trabalho conjunto dos mantenedores frente a um desafio tão significativo para a época e costumava lembrar o sentimento de todos: “Naquele momento de conjugação de esforços tangidos pelo mesmo imperativo coletivo nenhum de nós poderia pensar que nossas instituições viriam a ser objeto do interesse internacional e da vinda de capital estrangeiro para o Brasil. Pensou-se que se deveria estabelecer algum limite para isso, para o investimento. Finalmente decidiu-se que não seria o melhor caminho. Na verdade, não se imaginava o que aconteceria, dado o universo amplo da cooperação internacional e da nossa prospectiva educacional”.
Protagonista por excelência das grandes decisões sobre a educação brasileira, Candido atuou nos diversos cenários e frentes da área educacional, política e cultural do país, até o final de sua vida, sempre com o mesmo brilho, vigor, determinação e coragem. E sempre ouvido, seguido e admirado pelos seus pares. Os princípios básicos de sua gestão permanecem: o profundo associativismo, a coexistência na diferença e, sobretudo, uma política de ação comum frente ao estado.
Depois de longo tempo, revejo Candido em vídeo-homenagem veiculado recentemente pela ABMES, em que ele revisita a sua trajetória e reitera a sua preocupação com o problema do acesso das classes “C” e “D” ao ensino privado, por meio de uma política de bolsas e subsídios capaz de desetilitizar o ensino superior.
Revejo-o ainda, em linguagem emocionada e poética, referir-se com esperança ao momento dramático em que estamos vivendo: “Nesses tempos de pandemia, não há precedentes de um mundo tão capaz de se dar as mãos, de descobrir o outro. Juntos podemos agora, numa humanidade que se descobre, criar um novo tempo”.
E é assim que vamos nos lembrar dele com a sua voz potente, o discurso impecável — quase sempre inflamado de um grande intelectual e educador alinhado a grandes pensadores de todo o mundo — e de um democrata que lutou contra a ditadura militar e pela liberdade. Seu legado, sua coragem e determinação permanecerão para sempre.
Como afirma Joaquim Falcão, seu colega na Associação Brasileira de Letras (ABL), “Candido tinha a ousadia da coragem, do pensar e do fazer. Era um fazedor de compreensões sobre nós mesmos. Ele nos explicava. Espelho das liberdades necessárias”.
Juiz de Fora, 23 de fevereiro de 2022
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1 Fontes: Publicações da ABMES e documentos pessoais.