Quem o leva a acreditar em absurdos pode levá-lo a cometer atrocidades” (Voltaire, filósofo iluminista francês, 1694-1778)
Estatística é tudo e, às vezes, nada. Há eventos em que estatística é essencial e há outros em que ela não se aplica diretamente. Porém, ela pode ser relevante para entender muitos fenômenos, tantos naturais como humanos.
Temos o hábito de associar ciência à verdade. Curiosamente, a verdadeira ciência está mais associada ao processo da procura da verdade do que, estritamente, ao produto verdade, enquanto suposto enunciado final.
Ou seja, um cientista é, ou deveria ser, mais apegado ao método científico do que a uma suposta verdade, a qual ele sabe, ou deveria saber, é intrinsicamente dinâmica, mutável e fruto de etapas permanentes de busca pelo conhecimento.
Muito além da pretensa perfeição ou exatidão, o pesquisador tem por missão a melhor descrição possível de qualquer fenômeno. É absolutamente natural e desejável que, à luz de novas evidências, o estudioso esteja sempre disposto a alterar sua opinião. Um bom pesquisador deve estar à procura permanente de testes para conferir, colocar à prova, suas próprias teorias e convicções.
Um cientista, bem como um cidadão consciente e esclarecido, precisa, periodicamente, desenvolver uma curadoria em suas crenças. Isso implica em dispensar ou minorar a relevância daquilo que não esteja bem embasado em uma racionalidade consistente. Trata-se de um processo permanente e contínuo que envolve a todos nós, sem exceção.
Exigir da ciência que ela apresente certezas absolutas é não ter entendido bem o que é ciência. Mesmo assim, é comum o desejo popular pela ausência absoluta da dúvida, o que vai, muitas vezes, contra a própria essência do que é o conhecimento científico. Ainda assim, ciência é o maior patrimônio que a civilização humana desenvolveu para que tenhamos uma vida melhor e mais longa.
O fato de que não exista nenhuma vacina que seja 100% segura, com 0% de risco em efeitos colaterais, em nada altera o fato de que vacinas, a depender dos casos específicos, são as melhores ferramentas que temos contra o vírus. O episódio vacina Covid 19 no Brasil teria resultado em menos sofrimento se a população dominasse (e confiasse) mais em estatística, por exemplo.
Como apresentado pela cientista Natalia Pasternak, o risco de morte por reação àquela vacina, embora exista, é de 1 para 10 milhões. Por outro lado, o risco de morte, entre não vacinados, é três vezes maior em jovens de 18-29 anos, cinco maior para adultos de 30-49, e seis vezes maior na faixa de 50-64 anos. Sem contar que um efeito relevante adicional da vacina é que para um vacinado, mesmo eventualmente adoecendo, as sequelas relativas e os sofrimentos são muito menores do que para um não vacinado.
Fazendo um balanço desse ciclo, que foi indevidamente permeado por uma indesejável politização, é incrível que, ainda hoje, uma parcela significativa (ainda que minoritária) suspeite de vacinas, bem como despreze ciência e os cientistas.
O que torna este tema mais complexo e intrigante é que parece haver uma clara correlação entre eventos específicos (vacina Covid) e acontecimentos de grande escala (tentativa de golpe contra a democracia em 08 de janeiro passado).
O domínio de estatística não é garantia que as coisas no mundo não descambem para extremismos. Porém, é certo que a falta de domínio de estatística e apreço pelo conhecimento, em especial pela ciência, contribuem muito com alimentar devaneios.
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