Temos acompanhado nos últimos 15 anos três grandes ondas no ensino superior brasileiro, não necessariamente em sequência, mas com pontos de interseção e momentos de complementariedade. A primeira onda foi a dos programas de financiamento estudantil, a segunda relacionada à ampliação da EAD e a terceira onda a dos movimentos ligados aos cursos superiores na área da saúde. O que elas possuem em comum: um forte aspecto de intervenção do governo, pela ótica da regulação e da qualidade. No final do artigo apresento uma possibilidade de quarta onda, com um tempero mais próprio e independente dos movimentos regulatórios. Antes, vamos fazer uma breve síntese dos aspectos que trouxeram a inovação (até o momento) na maioria das ofertas do ensino superior brasileiro.
Invariavelmente, ocorre umas das duas situações: As Instituições de Ensino Superior criam movimentos e o governo aparece e regula. Ou, o governo propõe movimentos e as IES se adaptam. De uma forma ou outra, grande parte do que se pensa ou se tem feito de inovação no ensino superior está diretamente relacionado aos direcionamentos regulatórios e aos aspectos de qualidade propostos pelo MEC, por meio do INEP. Basta analisarmos os últimos instrumentos de avaliação de cursos e IES, que foram criados em 2017. Neles, a palavra inovação surge como um ponto de diferencial máximo de qualidade para quase metade dos indicadores. Depois de 6 anos de aplicação desses instrumentos, chegamos a uma proliferação de conceitos 4 e 5 nas avaliações in loco. Ao olhar de relance para esses conceitos podemos concluir (a priori) que estamos evoluindo em qualidade e inovação. No entanto, ao olharmos ao redor, percebemos que melhoramos, mas certamente não na escala que os conceitos apontam. Às vezes 4 e 5, significam apenas 4 e 5.
Tivemos grandes avanços, isso é fato, e o SINAES está aí completando duas décadas de uma política de Estado e não de governo, sendo um sistema altamente inovador quando da sua origem. Ao passar do tempo, os avanços foram mais pendendo para atender a regulação do que de fato renovando amplamente nos serviços, na abordagem da aprendizagem do estudante, na qualificação dos espaços de aprendizagem e na formação docente, na velocidade que a sociedade espera e que também nossas IES precisam para continuarem crescendo e se adaptando às novas frentes. A regulação precisa existir, mas a provocação é que ela não seja o norte principal de qualidade e da inovação nos planejamentos estratégicos e tomadas de decisão de nossas IES. Pois, se todos seguirmos à risca o que a regulação nos exige, estaremos na melhor das hipóteses muito parecidos, mas com poucos diferenciais. Estaremos satisfazendo à regulação e sendo similares à maioria, e o pior, supondo que somos excelentes sem uma análise mais crítica. A psicologia social sabe bem sobre isso quando nos apresenta a teoria da dissonância cognitiva, um viés cognitivo muito marcante e de difícil percepção.
Voltando às três ondas, já comentamos que elas têm uma forte dependência regulatória, basta lermos as notícias diárias do setor educacional. Então, meu exercício aqui é provocar uma reflexão para que a quarta onda tenha um caráter essencialmente pessoal e personalizado. Pessoal, para representar cada IES na sua identidade e locorregionalidade. Personalizado, para tratar cada estudante de forma única e não escalável. Dois grandes aspectos permitem esses avanços:
- curricularização da extensão e
- uma parceria entre educação e ciência, mediada pelas tecnologias.
O primeiro, facilita à interrelação entre a academia e a sociedade, ou o que o pensador português Boaventura de Sousa Santos denomina como a “Ecologia de Saberes”, trazendo assim todas as intencionalidades pedagógicas para o que de fato ocorre no contexto do seu estudante, onde toda a aprendizagem se potencializa e exponencializa.
Já o segundo aspecto, traz à tona a possibilidade de focar nos aspectos cognitivos, comportamentais e de habilidades no que tangem a aprendizagem do estudante. Unir a neurociência com a aprendizagem, para aprimorar métodos, construir significados e também potencializar a aprendizagem. É inequívoca a constatação de que nas interações de ensino-aprendizagem inúmeros dados são gerados, correspondentes aos estilos e padrões de aprendizagem do estudante. Analisar esses dados com o apoio de professores capacitados, amparados na ciência e com o uso apropriado das tecnologias de inteligência artificial generativas, trará um mundo de personalização e unicidade nunca antes visto na relação com o estudante.
Ao unir o pessoal ao personalizado, estaremos criando uma onda que cada IES poderá surfar sozinha e não ondas que todos querem pegar no início e fugirem da rebentação. Inovar com o olhar na sua identidade e no seu estudante é que nos fará prolongar nossa experiência de transformação pela educação de forma inteligente e viável, dentro dos limites da regulação, mas sem tê-la como ponto de partida nem de chegada, tendo-a apenas como as linhas que cercam o jogo. Para nós resta (ainda bem) a visão, a criatividade e a coragem, nessa ordem.
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