Humanos aprendem o tempo todo, característica marcante de nossa espécie. Quanto mais intensas são as experiências vivenciadas, mais, e mais rápido, aprendemos. Mesmo assim, em certas circunstâncias extremas, não basta o aprender simples e ações emergenciais. É preciso que a aprendizagem seja mais profunda, gerando iniciativas permanentes e compatíveis com as dimensões dos desafios.
No caso dos eventos climáticos estamos lidando com sistemas muito complexos. Em tais casos, somos exigidos a explorar, no limite superior, habilidades especiais. Entre elas, a capacidade de refletir sobre a própria reflexão, estabelecendo um nível de consciência mais profundo, o qual transcende a mera percepção do fato, engendrando, de forma articulada, as múltiplas ferramentas que permitem enfrentar o problema. Tanto na sua fase emergencial como, especialmente, nas suas dimensões estruturantes e de longo prazo.
As tragédias climáticas deste ano, sejam as enchentes no Sul e depois as secas e os incêndios no restante do país, estão sendo, apropriadamente, analisadas pelos especialistas de diversas áreas. Porém, a compreensão de variáveis relevantes dos fatos, desacompanhada de estruturas permanentes que levem em conta a real complexidade, não é suficiente.
Nas enchentes no Sul, a redução abrupta das matas ciliares e de áreas verdes ao redor de rios e riachos favoreceu o fluxo imediato de chuvas torrenciais (solos pouco permeáveis), produzindo maior escoamento superficial na forma de enxurradas que trouxeram sedimentos e consequentes assoreamentos dos fundos de vales e dos cursos d’água. Por outro lado, a exigência de mais áreas verdes, especialmente de matas ciliares, aparentava prejudicar a produtividade dos proprietários rurais. O desafio pedagógico é como evidenciar a todos que, às vezes, interesses de curto prazo encomendam prejuízos (bem) maiores no médio prazo.
Os impactos econômicos podem se avolumar significativamente. Em breve, a Europa passará a adotar regras anda mais rígidas para a importação de produtos agropecuários. Neste caso, somente a questão do desmatamento pode resultar na redução de um terço das exportações à União Europeia (perda estimada de US$ 15 bilhões), com carne, café, soja etc. Adicionalmente, culturas como arroz, cana e laranja estão sendo muito afetadas. A estiagem na Bacia Amazônica é a pior em 45 anos e as altas temperaturas, baixa umidade e os ventos fortes dificultam o controle de incêndios na região.
A criação da Autoridade Climática, com um Comitê Técnico-Científico associado, tem como principal objetivo estabelecer as condições para ampliar e acelerar as políticas públicas a partir de um Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos, tendo como foco a adaptação e preparação para o enfrentamento desse fenômeno, em caráter permanente e sistemático. Em tese, pode representar um fruto singular e indispensável de uma pedagogia de eventos extremos.
Estruturado enquanto autarquia, possivelmente ligado à Presidência da República, precisa trabalhar em fina sintonia com o Ministério do Meio-Ambiente, mas abraçando políticas e ações que envolvem todos os demais ministérios. Deve ficar responsável também por ações integradas com Estados e Municípios. A função principal será coordenar e implementar medidas de combate à mudança do clima e de mitigação dos efeitos já sentidos, além de cobrar o cumprimento de metas ambientais entre as diversas áreas do governo e das parcerias estabelecidas.
A pedagogia dos eventos extremos ensina que as ações imediatas e emergências precisam ser coordenadas via um planejamento perene e sistemático. Os diversos órgãos de todos os níveis governamentais que implementam as operações de curto prazo (salvar vidas, minimizar os prejuízos ambientais e econômicos etc.) demandam estar articulados via uma estrutura capaz de contemplar a totalidade em sua complexidade, conectando as atividades do presente com uma visão adequada do futuro.
Professor Titular de Física aposentado da Universidade Federal de Santa Maria e Diretor-secretário da Academia Brasileira de Educação.
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