Este texto foi escrito conjuntamente com o Prof. Pedro Chaves, Senador da República/MS (2016-2019), relator do Projeto da BNCC no Senado Federal e ex-reitor da Uniderp.
O Congresso Nacional recentemente aprovou o Projeto de Lei 4.932/2024 que regulamenta o uso de aparelhos portáteis, como celulares, por estudantes da educação básica. Nesta semana, o presidente Lula sancionou a Lei, a qual entra em vigor imediatamente.
Os argumentos da iniciativa são consistentes, evidenciados pelo aumento da distração no ambiente educacional, pela exposição descontrolada dos alunos a conteúdos inadequados, pelos prejuízos à sadia interação social, especialmente entre crianças e jovens, e pela ansiedade generalizada decorrente da hiperconectividade, causadora de uma epidemia de transtornos mentais. Tratamos desse tema com mais detalhes no jornal O Estado de São Paulo/Estadão na edição de 28/12/2024, na página A4.
Como educadores, parece-nos estranho que essa matéria seja objeto de lei. Mais ainda que os docentes e gestores educacionais, em geral, tenham passivamente aceito a solução simples a um problema de natureza tão complexa. Coerente talvez com o fato de que tenhamos sido incapazes até aqui de promover uma inclusão digital de qualidade, contemplando as parcelas mais carentes da população, explorando o potencial de aprendizagem, em grande escala, associado aos ambientes virtuais de aprendizagem.
Na prática, estamos desobrigando os governos de garantir o prometido acesso digital no ambiente escolar. No caso brasileiro, tal acesso é ausente no ambiente doméstico da maioria dos alunos. Estamos reforçando nossa incapacidade de disponibilizar repositórios públicos com conteúdo digital educacional de qualidade, incluindo o acesso a laboratórios virtuais portáteis, especialmente aqueles acoplados ao mundo das inteligências artificiais, e demais ferramentas potencialmente promotoras de aprendizagem contemporânea, emancipadora e colaborativa.
Cabe destacar que os exemplos citados de outros países, onde iniciativas similares estão logrando sucesso, na sua totalidade, são contextos em que os alunos têm plena abundância de possibilidades de acesso digital. Tanto em qualidade de sinal quando retornam para casa, como em conteúdo digital educacional disponibilizado, além de maior escolaridade média dos pais, o que facilita a aprendizagem digital. Estabelecer paralelos com o Brasil é, de fato, comparar situações e oportunidades não comparáveis.
O que poderia minorar os estragos a médio prazo desta Lei, ou por ocasião de sua sanção, seria se ela contivesse, como recomendação, uma salvaguarda estratégica: “que todas as escolas ao adotassem a proibição, ao mesmo tempo, se comprometeriam a ter um dia, na periodicidade que entendessem adequada, totalmente dedicado ao uso de dispositivos portáteis em sala de aula”.
Não resta dúvida, de que se esse dia fosse bem-preparado pelas direções das escolas, especialmente envolvendo os professores, poderia se converter em dia muito animado e produtivo educacionalmente. Assim, demonstrando, na prática, que o problema que vivenciamos hoje é do uso descontrolado, viciante e não educacional pelos alunos. A escola é o melhor remédio, talvez o único, capaz de disciplinar o uso e explorar os predicados da educação digital.
O mundo do trabalho atual demanda competências digitais em todos os níveis e em todas as áreas de atuação profissional. Sendo a escola um relevante espaço de letramento digital qualificado, qualquer incremento na exclusão digital amplificará ainda mais a discrepância, em termos de oportunidades futuras, entre as diversas camadas sociais de um dos países mais injustos e desiguais do planeta.
Em suma, é inegável que os celulares são partes integrantes indispensáveis da educação contemporânea, especialmente em um país como o Brasil onde a única possibilidade de inclusão e letramento no mundo digital, para a maioria dos alunos, passa pela escola. A opção simplista de abolir os celulares sem planos ou estímulos explícitos ao seu uso qualificado nas escolas é um tiro analógico no futuro digital do país.
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