A pejotização — contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) em vez de empregados formais — tem se tornado uma prática cada vez mais frequente no Brasil. Essa modalidade de contratação, quando utilizada de forma indevida, pode gerar graves impactos sobre direitos trabalhistas, previdenciários e sociais. Para debater o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, em 6 de outubro de 2025, uma audiência pública conduzida pelo ministro Gilmar Mendes, reunindo especialistas, representantes de trabalhadores, entidades empresariais e órgãos de fiscalização.
O objetivo da audiência foi analisar o Tema 1389 da repercussão geral, que envolve a interpretação dos limites legais da pejotização e os efeitos dessa prática sobre a economia, o emprego formal e a proteção social no país.
Atualização da Legislação e Papel da Fiscalização
Durante a abertura da audiência, o ministro Gilmar Mendes destacou que a legislação trabalhista brasileira precisa ser atualizada para refletir a nova realidade do trabalho, marcada por diferentes formas de organização, vínculos e modelos de contratação. Ele ressaltou dispositivos legais relevantes, como:
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Art. 12 da Lei nº 8.212/1991: define a base de atuação da fiscalização previdenciária.
- Decreto nº 3.048/1999, art. 229, §2º: regulamenta a contribuição previdenciária.
- Arts. 611-A e 611-B da CLT: previstos na reforma trabalhista, abordam a negociação coletiva e a liberdade contratual.
- Súmula 331 do TST: trata da terceirização da atividade-fim.
O ministro também enfatizou a importância de que a Receita Federal e os órgãos de fiscalização do trabalho continuem atuando de forma ativa, garantindo o cumprimento das normas e prevenindo fraudes que prejudiquem a seguridade social e a arrecadação do FGTS.
Divergências e Perspectivas sobre a Pejotização
Durante a audiência, os debates mostraram divergências significativas entre auditores fiscais, entidades sindicais, associações empresariais e representantes da advocacia.
Riscos apontados por auditores fiscais e sindicatos
Auditores fiscais do trabalho e representantes de sindicatos alertaram que a pejotização tem sido usada como mecanismo de fraude à relação de emprego, prejudicando direitos trabalhistas básicos. Entre os problemas identificados estão:
- Transferência do risco econômico da empresa para o trabalhador, que perde proteção previdenciária e direitos do FGTS.
- Precarização do trabalho, com subordinação, habitualidade e pessoalidade mantidas, mas sem vínculo formal.
- Redução de oportunidades para jovens aprendizes e pessoas com deficiência, fragilizando políticas públicas de inclusão.
- Prejuízos ao princípio da solidariedade social, uma vez que o Estado arca com a previdência de forma indireta.
- Trabalhadores de baixa escolaridade, recebendo salários reduzidos, sujeitos à hipossuficiência econômica, com impactos diretos sobre a segurança jurídica do emprego.
Os auditores alertaram ainda que, com a pejotização em massa, há um risco de fragilização da relação de trabalho, enfraquecendo a proteção social e ampliando a informalidade.
Defesa da livre iniciativa e flexibilização econômica
Entidades empresariais, como o Ministério do Empreendedorismo e Federações da Indústria, argumentaram que a pejotização legítima é um instrumento de autonomia profissional e modernização do mercado de trabalho. Entre os pontos destacados:
- Facilita a flexibilização das relações contratuais e a redução de custos de conformidade.
- Permite que micro e pequenas empresas, que enfrentam altos custos administrativos e tributários, sobrevivam no mercado.
- Contribui para o crescimento econômico, desde que não haja fraude à legislação trabalhista.
- Garantia de segurança jurídica e estímulo ao empreendedorismo, especialmente para trabalhadores autônomos e intelectuais.
Nessa perspectiva, argumentou-se que a fraude não pode ser presumida; deve haver elementos concretos que indiquem subordinação, pessoalidade e habitualidade para configurar vínculo empregatício.
A visão da OAB
O Conselho Federal da OAB destacou que o Tema 1389 impacta milhões de trabalhadores no Brasil. A entidade reforçou que:
- A Justiça do Trabalho é competente para julgar casos de fraude decorrentes da pejotização, conforme o art. 114 da Constituição Federal e a EC 45/2004.
- Não se pode afastar a Justiça especializada, pois ela possui experiência técnica para lidar com contratos trabalhistas irregulares.
- A audiência pública oferece um olhar plural e técnico, permitindo avaliar a realidade concreta sem generalizações.
Estudos de Caso e Impactos Setoriais
Durante a audiência, foram analisados diversos setores da economia:
- Trabalhadores de bares e restaurantes, empregadas domésticas e prestadores de serviços em franquias, muitos sem carteira assinada.
- Contratos que, formalmente, transferem autonomia ao trabalhador, mas que na prática mantêm subordinação, participação em reuniões e controle de jornada.
- Fraudes generalizadas que prejudicam a arrecadação de tributos, direitos previdenciários e a segurança jurídica do país.
Especialistas ressaltaram ao analisar o caso em questão, que, quando legítima, a franquia é regida por legislação específica e pelo Código Civil, e relações comerciais não geram vínculo empregatício. No entanto, abusos devem ser fiscalizados, distinguindo o contrato legítimo da fraude à lei trabalhista.
Perspectivas Econômicas e Sociais
A pejotização irrestrita gera impactos não apenas no trabalho formal, mas também na economia e na proteção social:
- Precariza direitos históricos como férias, licença maternidade/paternidade e horas extras.
- Compromete a sustentabilidade do sistema previdenciário e do FGTS.
- Enfraquece sindicatos e o poder de negociação coletiva.
- Aumenta a informalidade e prejudica a arrecadação de tributos, criando desigualdade social.
Por outro lado, estudos apresentados por entidades empresariais e federações da indústria defendem que a pejotização, quando regulada e legítima, pode ser um instrumento de crescimento econômico, inovação e proteção ao empreendedorismo.
Decisão do STF: Caminhos e Expectativas
A audiência pública reforçou a necessidade de diferenciar a pejotização legítima da fraude. O STF deve estabelecer critérios claros para:
- Garantir a proteção dos trabalhadores.
- Evitar a precarização e a evasão de direitos sociais.
- Assegurar segurança jurídica para empresas, trabalhadores autônomos e profissionais intelectuais.
- Equilibrar a livre iniciativa econômica com a preservação de direitos constitucionais.
A decisão do STF terá impacto direto em setores estratégicos, como educação, franquias, serviços de saúde e comércio, e influenciará a forma como empresas e trabalhadores estruturam suas relações contratuais no futuro.
Conclusão
A audiência pública sobre pejotização no STF evidenciou a complexidade do tema. Enquanto auditores fiscais, sindicatos e procuradores defendem a proteção dos trabalhadores e a prevenção de fraudes, entidades empresariais e associações reforçam a necessidade de liberdade econômica e flexibilidade contratual.
O julgamento do Tema 1389 promete estabelecer um equilíbrio entre proteção social, segurança jurídica e crescimento econômico, definindo parâmetros claros para as relações de trabalho no Brasil e garantindo que a pejotização seja um instrumento de inovação, e não de precarização.
Reflexos para o setor educacional
A ABMES acompanha atentamente o debate, considerando seus potenciais reflexos sobre as instituições de ensino superior, especialmente nas contratações de docentes e prestadores de serviços educacionais.
A decisão que o STF vier a proferir deverá estabelecer parâmetros claros entre a pejotização legítima e as práticas fraudulentas, contribuindo para um ambiente jurídico mais estável e transparente.
A definição das balizas desse modelo de contratação impactará diretamente o futuro das relações de trabalho no país, especialmente em setores que demandam flexibilidade com responsabilidade e modernização sem precarização.
A ABMES continuará acompanhando o julgamento do tema no Supremo Tribunal Federal e manterá seus associados informados sobre os próximos desdobramentos.
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