A partir de março de 2026, a gestão de riscos psicossociais deixa de ser apenas um tema de boas práticas e passa a ser uma exigência legal. A NR-01, atualizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), estabelece que as organizações devem identificar, avaliar e mitigar riscos que afetam a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores.
Isso significa que, em caso de descumprimento, fiscalizações e multas poderão ser aplicadas. Conforme prevê a norma:
“As organizações deverão adotar medidas de prevenção, eliminação ou redução dos riscos psicossociais, considerando a saúde física e mental dos trabalhadores” (NR-01, Anexo I).
Ou seja: não se trata mais de uma escolha. Empresas que negligenciarem o tema estarão sujeitas a penalidades — e, ainda mais grave, à perda de reputação junto aos colaboradores e à sociedade.
O risco de deixar para a última hora
Muitas organizações ainda acreditam que podem esperar até a data-limite para agir. Mas essa é uma postura altamente arriscada. A própria NR-01 estabelece que a fiscalização poderá ocorrer mediante denúncias de trabalhadores:
“A atuação da inspeção do trabalho poderá ser desencadeada por denúncias de irregularidades apresentadas por empregados, sindicatos ou demais interessados.”
Isso significa que não basta preparar relatórios ou adotar medidas superficiais de última hora. Se os colaboradores não perceberem mudanças reais no clima organizacional, as denúncias surgirão — e, com elas, fiscalizações e sanções.
Organizações de maior visibilidade, como grandes empresas ou instituições, certamente serão alvos preferenciais das ações de fiscalização, e por isso estão ainda mais expostas. Ações de fachada podem até constar em documentos, mas rapidamente se transformam em crises de reputação se não refletirem a realidade vivida no dia a dia.
Identificação e avaliação dos riscos psicossociais
O primeiro passo é reconhecer os sinais. Riscos psicossociais se manifestam em situações muitas vezes “normalizadas” no ambiente de trabalho, como:
- altos níveis de estresse e esgotamento;
- conflitos mal resolvidos;
- comunicação truncada;
- absenteísmo e rotatividade elevados;
- comentários recorrentes de insatisfação ou desmotivação.
A identificação depende de escuta ativa e capacitação para isso: são os colaboradores que indicam quando a carga de trabalho é insustentável, quando a liderança não oferece apoio ou quando o clima se torna tóxico.
Após identificar, é necessário avaliar a intensidade, a frequência e o impacto desses riscos sobre a saúde dos trabalhadores e o desempenho organizacional. Essa análise não exige relatórios complexos, mas sim priorização clara: algumas situações demandam intervenção imediata, enquanto outras podem ser monitoradas.
Mitigação e prevenção: cuidar do agora e preparar o futuro
Depois de identificar e avaliar os riscos, surgem as estratégias de resposta:
Mitigação: reduzir os efeitos de problemas já existentes, como oferecer apoio psicológico, mediar conflitos, rever processos que geram estresse ou oferecer treinamentos específicos.
Prevenção: criar condições para que esses riscos não se instalem, por meio de programas de valorização, treinamentos adequados, canais de escuta confiáveis, incentivo ao respeito à vida pessoal e políticas de tolerância zero ao assédio.
Ambos os movimentos só são efetivos se apoiados em uma cultura organizacional saudável. Sem ela, qualquer medida se torna paliativa, como veremos a seguir.
Cultura organizacional: a raiz da mudança
Assédio moral, sobrecarga, falhas de comunicação ou estilos de liderança tóxicos não são apenas “problemas isolados” — são sintomas de uma cultura permissiva.
Por isso, mais do que abrir canais de denúncia ou aplicar treinamentos pontuais, é preciso transformar o ambiente de trabalho em um espaço de segurança psicológica. Isso exige:
capacitação contínua de líderes e equipes;
alinhamento em torno de valores claros e praticados no dia a dia;
construção de um vocabulário emocional comum, que fortaleça relações de respeito e colaboração.
Conclusão
Ignorar a NR-01 e postergar a gestão dos riscos psicossociais é uma decisão perigosa para qualquer organização. A partir de março de 2026, a norma deixará de ser apenas orientação: haverá poder de fiscalização, possibilidade real de autuações e um caminho rápido da denúncia interna para a instauração de processos administrativos. Multas, exigências corretivas, embaraços públicos e ações que interrompam operações são consequências tangíveis — e todas elas podem acontecer antes mesmo de a organização conseguir “arrumar as coisas” em cima da hora.
E o mais grave: as denúncias partem de quem vive a realidade do ambiente de trabalho. Relatórios formatados e medidas superficiais não enganam quem está na operação todos os dias. Em suma: adiar é aumentar, exponencialmente, a probabilidade de penalidades, perdas financeiras e danos que podem manchar a marca por anos.
Além do risco legal e das sanções, há um preço reputacional imediato e duradouro. Em um mercado cada vez mais conectado e atento a comportamentos corporativos, falhas na proteção da saúde mental dos trabalhadores significam perda de confiança de clientes, fornecedores, investidores e talentos. A visibilidade negativa se espalha rápido — e a reconstrução da credibilidade é sempre mais cara e lenta do que a prevenção.
Por outro lado, agir agora transforma obrigação em vantagem estratégica. Implementar uma gestão séria dos riscos psicossociais reduz absenteísmo, rotatividade e retrabalho; melhora engajamento e produtividade; e fortalece a retenção de talentos. Essas melhorias impactam diretamente a receita e os custos operacionais — sem contar o ganho na atração de investidores e parceiros que hoje priorizam práticas alinhadas ao ESG, especialmente ao pilar social.
Empresas que antecipam a conformidade ganham também protagonismo reputacional: passam de “em risco” a “exemplo” em práticas de bem-estar e governança.
Portanto, a escolha é cristalina: ou sua organização começa hoje um processo consistente, liderado e mensurável — capacitando líderes, criando canais reais de escuta e implementando ações de prevenção e mitigação —, ou corre o risco de pagar multas, sofrer fiscalizações e perder reputação irreparavelmente.
Fazer o investimento agora significa proteger patrimônio, pessoas e imagem; significa transformar uma obrigação legal em diferencial competitivo e em alinhamento com as demandas globais de responsabilidade social.
Comece imediatamente: identificar, avaliar e agir não é mais uma opção — é gestão de risco inteligente e estratégia de negócio.
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