O Brasil vive um momento preocupante em relação à formação de engenheiros. Os cursos de graduação da área, que já tiveram grande prestígio e forte demanda, enfrentam um visível desinteresse por parte dos jovens. Essa tendência ameaça não apenas a continuidade de uma tradição acadêmica, mas, sobretudo, a capacidade do país de sustentar projetos estratégicos e manter sua competitividade em um cenário global que exige cada vez mais inovação, tecnologia e infraestrutura de qualidade.
Embora a situação esteja escalando em visibilidade, seu mapeamento não é recente. Desde 2006, instituições vinculadas à engenharia, como a Federação Nacional de Engenheiros (FNE) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), têm alertado para a escassez de profissionais no setor. Em 2011, elas estimaram um déficit de 150 mil engenheiros no país, evidenciando não apenas um desequilíbrio entre oferta e demanda profissional, mas também a urgência de intervenções estruturais para assegurar a capacidade técnica nacional de planejamento, execução e inovação.
O histórico dos cursos na área de Engenharia, Produção e Construção, conforme os Censos da Educação Superior, revela de forma clara a trajetória recente dessa formação no Brasil. Em 2014, foram quase 470 mil ingressantes. Passados dez anos, o último levantamento apontou pouco mais de 355 mil novos estudantes. Em apenas uma década, o país registrou uma retração de 25% na quantidade de pessoas interessadas nessas graduações.
Esse esvaziamento decorre de múltiplas causas. De um lado, a forma complexa e desinteressante com que disciplinas da área de exatas são trabalhadas na educação básica, transformando-se em verdadeiros “filmes de terror” para muitos estudantes. Parte importante desse problema deriva da carência de professores graduados em física, matemática e química no país. Não raro, engenheiros são convocados para ocupar essas vagas. Embora dominem o conteúdo, carecem de formação pedagógica adequada, o que limita a eficácia do processo de ensino-aprendizagem.
De outro lado, a imagem de curso longo, exigente e de difícil inserção no mercado de trabalho contribui para afastar aqueles que buscam trajetórias acadêmicas mais curtas e profissões tidas como mais dinâmicas. Soma-se a isso a percepção de que os salários e as condições de trabalho muitas vezes não correspondem ao esforço exigido ao longo dos cinco anos de formação.
Se o cenário em relação aos ingressantes já não é animador, o quadro fica ainda mais desalentador quando se analisa os dados relativos aos concluintes. Em 2018, foram 163.311 formados, ante 110.596 em 2024. Não há dúvida de que estamos diante de um processo que compromete a renovação do corpo técnico do país, sobretudo em especialidades diretamente ligadas a obras de infraestrutura, energia, mobilidade urbana e saneamento.
As consequências desse desinteresse são graves. Um país que não forma engenheiros em número suficiente compromete a execução de projetos estruturantes, aumenta custos e, em alguns casos, precisa recorrer à importação de serviços especializados. Mais do que isso, reduz sua capacidade de inovar e de transformar conhecimento científico em soluções práticas para os problemas cotidianos da sociedade. O impacto é ainda maior fora dos grandes centros urbanos, onde a presença desses profissionais já é escassa e tende a se tornar ainda mais limitada com a queda na formação.
A superação desse gargalo passa por algumas etapas. Para começar, exige uma revisão profunda da educação básica e maior incentivo à carreira docente. O modelo atual tem se mostrado incapaz de despertar nos estudantes o interesse pelas ciências exatas e de garantir uma formação consistente em matemática, física e química. Sem essa base sólida, a engenharia acaba sendo percebida por muitos como um desafio intransponível.
Paralelamente, as graduações precisam ser revistas. Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de Engenharia tenham sido atualizadas em 2019, o currículo segue defasado e engessado. Em outra frente, o mercado de trabalho precisa encontrar formas de tornar a profissão mais atrativa. Remuneração compatível, perspectivas de carreira e condições dignas de trabalho são fatores cada vez mais determinantes na escolha profissional pelos jovens.
Cabe, ainda, ao poder público assumir seu papel na formulação de políticas de incentivo e de valorização da engenharia, apresentando-a como uma carreira estratégica e essencial para transformar o futuro do país. Isso inclui o fortalecimento de programas de estágio e de integração universidade-empresa, capazes de aproximar a formação acadêmica das demandas reais do mercado e de mostrar às novas gerações o impacto social e econômico da profissão.
Reverter esse cenário exige um pacto de longo prazo. No momento, o Brasil tem diante de si um dilema: ou enfrenta o desinteresse pela engenharia com políticas consistentes, ou muito em breve será confrontado com um apagão de mão de obra na área.
Formar engenheiros não é uma necessidade acadêmica; é condição para que o país seja capaz de executar suas obras, inovar em suas indústrias, garantir infraestrutura para sua população e manter-se competitivo no mundo. Se nada for feito, o preço a ser pago será alto e recairá sobre toda a sociedade.




