Laênio Loche*
loche@livrepensamento.com.br
***O padrão de referência dos diversos cursos de ensino superior é de responsabilidade do Ministério da Educação – MEC. O órgão federal estabelece os saberes mínimos a serem dominados pelos diplomados ao término dos cursos, bem como alguns requisitos metodológicos (estágios, atividades extracurriculares, carga horária).
Para garantir a formação dos discentes, conforme o modelo desejado, o MEC necessita regular o modus operandi das instituições de ensino através da autorização, manutenção e expansão ou da restrição e fechamento de cursos. As IES, para funcionarem a contento, devem atender os requisitos preconizados pelo ministério. Tal orquestração se dá, entre outras medidas, pela definição de diretrizes referente ao currículo.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), emitidas pelo MEC, servem de princípios norteadores às IES no planejamento e gestão dos cursos universitários, contudo elas encontram-se no nível mais estratégico, amplo, portanto, mais abstrato. Para sua real efetividade, elas precisam ser operacionalizadas.
Em teoria, o desdobramento das diretrizes ocorre gradativamente seguindo a sequência descendente de instâncias até chegar ao alunado. O primeiro nível, na instância normativa e governamental, o MEC apresenta as DCNs. Em seguida, no nível curricular de cada IES, as DCNs irão compor os projetos pedagógicos dos cursos (PPCs). A próxima etapa do desdobramento se dá na instância disciplinar, na qual serão elaborados os planos de ensino-aprendizagem. Concluindo o processo, chega-se ao nível didático, cujo instrumento mais comumente utilizado é o plano de aula.
Modernamente, ganhou força na Educação o modelo pedagógico pautado no desenvolvimento de competências pelo qual não basta apenas saber, é preciso saber fazer. Não basta apenas compreender conteúdos, é necessário saber aplicá-los. A proposta surgiu para contrapor um ensino ultrapassado, ineficiente calcado predominantemente em conteúdos conceituais e teóricos, muitas vezes dissociados da realidade vivenciada pelos alunos, cujas avaliações, não raro, são baseadas na memorização.
O novo modelo é facilmente identificado nas DCNs, as quais largamente se referem aos conceitos de competências e habilidades. Tais diretrizes são constituídas, sobretudo, com base nas competências e habilidades lato e stricto sensu necessárias para a formação de cada categoria profissional.
É natural supor, então, com base no processo de desdobramento das diretrizes, anteriormente abordado, que os objetivos, as estratégias e avaliação das disciplinas e atividades didáticas serão regrados pelas competências.
Assim, os PPCs irão se pautar pelas competências especificadas nas diretrizes curriculares e consequentemente os planos de ensino e de aula.
Mas será que isso acontece? Será que realmente as aulas em nossas instituições universitárias são com base nas competências?
É bem provável que se o leitor ou leitora fizer essas questões para si verificará que apesar dos planos de ensino conterem as respectivas competências e habilidades em seus objetivos, na prática, o que se constata na maioria das IES são aulas e avaliações com base apenas em conteúdos.
No momento da transposição dos PPCs para as salas de aulas surge o problema do gap entre teoria e prática. Boa parte dos professores não sabe elaborar estratégias didáticas e avaliações correspondentes ao modelo das competências. Repassam e cobram apenas conteúdos e o aluno não aprende como aplicar tais conhecimentos.
Por este motivo, as didáticas e as avaliações da maioria das disciplinas não correspondem, muitas vezes, aos objetivos e modelo avaliativo do ENADE, colocando em risco os resultados das IES.
A implantação efetiva do modelo de ensino, baseado em competências, requer um planejamento que garanta a correspondência adequada entre PPCs, planos de ensino, plano de aulas, atividades extracurriculares, estratégias didáticas e avaliações. Os colegiados docentes e núcleos estruturantes das IES devem ser envolvidos, conscientizados e desenvolvidos para tal finalidade.
Com base em nossa experiência a planificação consiste em duas etapas:
1. Macroplanejamento. A primeira consiste no macroplanejamento didático, isto é, o planejamento no nível curricular, o projeto pedagógico do curso. Nela o colegiado irá fazer a revisão do PPC contemplando a análise das competências dispostas nas DCNs e consequente inclusão, exclusão e reordenação das disciplinas e outras atividades.
2. Microplanejamento. A segunda etapa envolve o microplanejamento didático, isto é, no nível dos planos de ensino e de aula, no sentido de fazer o alinhamento com o PPC.
Em cada etapa são utilizados métodos modernos de planejamento didático: o design instrucional, o modelo ABCD, a classificação de conteúdos de aprendizagem, entre outros. Para as soluções didáticas também são contempladas princípios da heutagogia e a inserção das tecnologias de informação e comunicação.
Para facilitar a compreensão deste trabalho de planejamento didático para o leitor ou leitora, apresentamos a seguir uma das atividades do macroplanejamento, a de análise de competências.
O exemplo a seguir refere-se à análise da competência constante nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, conforme resolução no 5, do Conselho Nacional de Educação, datada de 15 de março de 2011.
Tal exemplo é fruto do trabalho de revisão do PPC do curso de Psicologia da IES Uniamérica, localizada em Foz do Iguaçu, PR, realizado pelo colegiado docente e coordenado pelo presente autor, no segundo semestre de 2011.
A competência é a primeira incluída no artigo 8º:
I – Analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos;
Para analisar a competência, 3 etapas foram seguidas:
I. Formulação do objetivo geral.
Para esta etapa foi utilizado o método ABCD (audience, behavior, conditions, degree). Assim a diretriz foi operacionalizada:
Os acadêmicos de Psicologia serão capazes de analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos, conforme especialidades ou áreas de atuação da Psicologia e organismos oficiais (CFP, APA) e considerando as demandas atuais do mercado de trabalho local e/ou global, através da identificação e distinção dos diferentes especialidades clássicas, emergentes e tendências contemporâneas da Psicologia.
Legenda: audiência; comportamento; condições; critério.
II. Formulação dos objetivos específicos.
Nesta fase a competência geral foi subdivida em subcompetências ou objetivos específicos:
Analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos.
1. Conhecer as diferentes áreas de atuação profissional.
2. Conhecer organismos representativos da profissão (CFP, Associações, Sindicatos, instituições, agências de financiamento de pesquisa e eventos).
3. Buscar de maneira ativa eventos, cursos, etc. em áreas de interesse.
4. Buscar de maneira ativa publicações e periódicos científicos em áreas de interesse.
5. Dialogar com profissionais da Psicologia de diferentes especialidades (network).
III. Descrição dos pré-requisitos de aprendizagem.
Aqui foi descrito o CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes) para cada subcompetência.
1. Conhecer as diferentes áreas de atuação profissional.
Conhecimentos: listagem de especialidades/áreas de atuação da Psicologia (CFP, APA, dentre outras); conceitos: especialidade científica; Psicologia como ciência e profissão; abordagens teóricas da Psicologia.
Habilidades: investigar áreas de atuação profissional; leitura de materiais de referência sobre a profissão de Psicologia; desenvolver técnicas para atualização (sites, conselhos, revistas especializadas).
Atitudes: curioso, investigativo, atualizado.
2. Conhecer organismos representativos da profissão (CFP, Associações, Sindicatos, instituições, agências de financiamento de pesquisa e eventos).
Conhecimentos: a estrutura, o funcionamento e canais de comunicação do Conselho Regional de Psicologia; entidades, associações e instituições de estudo, pesquisa e intervenção nacionais e internacionais da Psicologia.
Habilidades: leitura de materiais dos organismos representativos (CFP, entre outros); investigar demandas regionais de atuação do(a) psicólogo(a).
Atitudes: curioso, investigativo, atualizado.
3. Continua...
Na revisão do projeto pedagógico do curso de Psicologia, depois da análise das competências, foram levantadas as implicações didáticas da natureza de cada uma e em seguida, elaboradas as macroestratégias didáticas, isto é, no nível curricular (matriz de disciplinas, estágio, atividades extracurriculares, pesquisa).
Bom, leitor ou leitora, procuramos com o artigo demonstrar que é possível realizar uma educação com base no modelo de competências. Deixar as Artes Cênicas e desenvolver as competências de nossos discentes para valer, de maneira concreta, é uma questão de vontade.
* Fundador e diretor da LIVRE-PENSAMENTO Desenvolvimento Educacional; Psicólogo formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Didática e Metodologia do Ensino pela UNOPAR. Professor universitário e conferencista sobre pensamento crítico e habilidades cognitivas em diversos estados do Brasil.