Começam a pipocar alertas sobre o programa Ciência sem Fronteiras, mais uma das soluções de burocratas para renderem muita notícia e depois serem esquecidas. Há um casamento de conveniência entre a ânsia da burocracia brasileira e a das burocracias universitárias num mundo em crise. Estudantes estrangeiros com bolsas governamentais são uma verdadeira bênção para qualquer universidade: governos pagam em dia e os alunos não dão muito trabalho.A maior preocupação de Barros é com a falta de proficiência dos estudantes em língua estrangeira, fato que ele mesmo teve de superar para mostrar que dominava o idioma inglês quando concorreu a uma bolsa de pós-graduação no exterior. Este é, a nosso ver, o menor dos problemas. Preocupa-nos se é realmente benéfico para o país o esforço que o Governo está fazendo com o objetivo de possibilitar o intercâmbio com universidades estrangeiras para que os estudantes brasileiros possam melhor interagir num mundo globalizado, no qual o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação têm papéis preponderantes para o sucesso pessoal e progresso de um país. Não há dúvida alguma de que o aperfeiçoamento acadêmico advindo dos cursos de pós-graduação em universidades conceituadas do exterior conferem realmente uma nova perspectiva de atuação acadêmica e profissional. Conhecemos dezenas de profissionais que nas nossas universidades, nos institutos científicos, nas entidades financeiras e nas empresas atuam de forma importante e transmitem sua experiência de vida. Como exemplo, citamos sempre Monteiro Lobato que em seu livro “América” afirmava que o expressivo desenvolvimento dos Estados Unidos no século passado estava plasmado no tripé “Petróleo, Aço e Cérebros”. Lobato destacava que os investimentos milionários realizados pelos líderes empresariais baseavam-se na crença de que as universidades eram o locus por excelência para formar os melhores talentos e possibilitar o desenvolvimento da nação. De fato, as universidades de ponta têm um papel fundamental naquele país. Barros foi de uma perspicácia fora do comum ao perceber que “o casamento de conveniência entre a ânsia da burocracia brasileira e a das burocracias universitárias num mundo em crise.” A primeira, ávida em propagar pelos quatros cantos do país a genialidade do programa Ciência sem Fronteiras e, as outras, em obter benefícios para suas universidades, num momento de extrema crise de recursos. Não acreditamos que o programa tenha um sistema mínimo de critérios para examinar racionalmente os conhecimentos e as competências adquiridas pelos estudantes graduados na volta ao Brasil. Duvidamos que exista um plano bem elaborado pelos organismos governamentais para avaliar o que de fato os estudantes vão agregar às ciências, à cultura e à tecnologia do país. Mais ainda: não será qualquer curso de graduação no exterior que agregará valor ao currículo do estudante. Vale tanto quanto as centenas de viagens que existem por aí, a não ser que, pela sua duração, possa propiciar o conhecimento da língua do país que oferece o curso. É ganho individual sustentado com dinheiro do contribuinte nada mais do que isto. A questão é muito mais profunda ao se levar em conta o que disse Domenico De Masi em recente entrevista no programa “Roda viva” da TV Cultura. O Brasil levou 450 anos copiando a cultura europeia trazida pelos missionários – na qual o progresso dependia das graças dos céus – e, depois, por mais cinquenta anos, baseou-se no que os “gurus” das escolas americanas ditavam para o desenvolvimento empresarial. Hoje os modelos europeu e americano estão em crise e muito pouco têm a transmitir a outros países. O Brasil é um país sui generis pois conseguiu em seu imenso território não só ter uma língua única como também lidar com as divergências de ordem religiosa, de nacionalidades, de culturas e de raças. Há incríveis desafios a serem superados por quem conhece a nossa realidade e nada tem a aprender com modelos fracassados. O país é uma nação emergente que está conseguindo vencer as suas dificuldades. Domingo Hernandez Peña, escritor, professor e consultor, costuma afirmar em suas palestras que “a Europa nada tem a nos ensinar pois está nos limites de seu progresso e nada há a ser feito. As oportunidades estão todas aqui porque há muita coisa a ser construída e aperfeiçoada apenas esperando pelos empreendedores.” Sinceramente, não acreditamos – se não nos provarem – nos grandes benefícios do programa Ciência sem Fronteiras porque as soluções estão aqui. Vejam o caso da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), que se realizou na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), ocasião em que foram apresentados protótipos criados por alunos do ensino médio e fundamental de todo o Brasil. Entre as grandes inovações podemos citar um copo biodegradável comestível, um tijolo sustentável, um protótipo que auxilia o movimento de pacientes que sofrem de mal de Parkinson e até mesmo um tênis capaz de gerar energia a partir do movimento. A feira, que está em sua 11ª edição, tem o intuito de estimular nos jovens o gosto pela ciência, criatividade e inovação. Os 330 projetos expostos são de alunos do ensino médio de todo o País. Eles competem em sete áreas de conhecimento com o objetivo de encontrar soluções simples e viáveis para os problemas do quotidiano. A questão mais importante da feira é mostrar os grandes talentos existentes por este Brasil. O descompasso reside aí. Há inúmeros projetos de incentivo às ciências e ao empreendedorismo no sistema colegial. Porém não estímulo e as boas intenções não têm continuidade. Para mostrar serviço, as burocracias preferem comprar matrículas para cursos no exterior, achando que com isto estão globalizando a educação.
[1] P.H.D. pela Universidade de Chicago, em artigo publicado no O Estado de São Paulo (11.03.2013). http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,ciencia-sem-fronteiras-e-sem-criterios-,1007081,0.htm