Os conflitos se formam pela incapacidade de ouvir e entender as livres expressões de pensamentos que cada ser humano carrega dentro de si. A mediação e a solução deveriam ser um método simples e, o diálogo, o meio da intermediação. Ouve-se e se fala respeitando e reconhecendo cada indivíduo e suas ideias, tornando cada momento crítico em estímulo individual ou coletivo e respeitando cada um desses direitos. (Bastão-Que-Fala/Ponto de vista/Opções. Google.)Li e gostei do artigo de Jacir Venturi, presidente do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe/PR), publicado na revista Linha Direta[1]. Vida inteira dedicada ao ensino, diretor de colégio e prestigiado autor de livros, escreveu sobre um problema atual cada vez mais alarmante nas instituições de ensino: os conflitos com estudantes, professores, pais e administradores, tanto nas escolas públicas como nas particulares de todos os níveis, o que compromete a administração escolar, de forma expressiva, roubando o precioso tempo dos gestores. Crianças, adolescentes e adultos precisam ser orientados a resolver suas desavenças harmoniosamente. Para Venturi, "difundir a cultura de que a diversidade é uma riqueza torna o ambiente escolar mais amistoso e menos conflituoso". Ele mostra, por exemplo, como combater o bullying e destaca a importância do comprometimento da escola em relação a esse problema, por meio da implantação de uma cultura de respeito, tolerância e aceitação das diferenças entre indivíduos. Além disso, dá inúmeros conselhos: ser bom ouvinte, principalmente nos "arranca-rabos" entre alunos; manter hierarquia e disciplina; zelar pela boa administração; punir quando necessário e ter regras bem claras para serem cumpridas. Mas, acima de tudo, passar aos estudantes, desde pequenos, os valores inter e intrapessoais, como ética, respeito ao próximo, responsabilidade socioambiental e autonomia para que sejam adultos compreensivos, para que saibam trabalhar em grupo e para que sejam abertos ao diálogo e às transformações sociais e tecnológicas. Ao retratar uma das questões mais endêmicas que acontecem nas escolas – o difícil relacionamento entre indivíduos – Venturi me fez lembrar uma passagem que vivi como diretor da Faculdade Anhembi Morumbi no início dos anos de 1990. Por estar no mesmo contexto do tema, e por ter tido solução inesperada, considerei interessante revolver o passado e contar o sucedido. Tudo começou com um pequeno desentendimento entre uma aluna e uma auxiliar da biblioteca para em seguida se transformar numa briga generalizada e sem controle. Um verdadeiro “bafafá” de rua. O regulamento da biblioteca estabelecia que ninguém poderia comer ou beber dentro do recinto. Uma aluna que não conhecia as regras saboreava tranquilamente o seu sanduíche com um livro aberto sobre a mesa. Advertida da proibição por uma funcionária ela não acatou a reprimenda e a enfrentou. As duas se desentenderam, bateram boca, se engalfinharam e depois de muita gritaria, chegaram às vias de fato, com agressão mútua e troca de tapas, socos e puxões de cabelos. Separada a briga, a muito custo, elas foram convidadas a se retirar seguindo cada uma o rumo de suas casas. O fato foi levado à coordenação do curso frequentado pela aluna, que, conforme o regimento, abriu sindicância e nomeou dois professores para entrevistar as moças, ouvir as testemunhas, apurar os fatos e, em 48 horas, definir as penalidades e encaminhar o resultado ao diretor da faculdade. Na noite seguinte, foi uma balbúrdia total com a participação de familiares, funcionários e alunos envolvidos na questão. Cada qual defendia suas posições e os docentes, por sua vez, faziam de tudo para contornar o caos formado. E a solução só veio depois de duas horas de desentendimentos, quando um dos mestres de descendência cabocla – professor Pedro – adotou um método que seus pais usavam para resolver pendências. Segundo me contaram, ele juntou todo o grupo, estabeleceu regras para discussão, deixou cada uma expor os motivos da briga, ordenou que os familiares se aquietassem para ouvir as justificativas e ponderou que o grupo deveria dar solução para o conflito. A seguir, o professor pegou uma estaca de madeira e ordenou que cada pessoa que a segurasse deveria ser ouvida pelas demais,em silêncio. Oresultado veio pelo próprio grupo: as meninas deveriam fazer as pazes e pedir desculpas fraternalmente. Como penalidade, cada uma ficou responsável por prestar serviços nos fins de semana à associação de bairro. Professor Pedro, o solucionador do embate, nem chegou ao fim do semestre, porque foi trabalhar no interior do país. Essa história ficou sempre retida na minha lembrança. No entanto, não tive a oportunidade de falar com ele, de conhecer melhor sua estratégia para acalmar o bando de ensandecidos e resolver o conflito. A vida rolou, o tempo passou e eis que tempo atrás lendo o portal Porvir (porvir.org) fiquei sabendo que escolas públicas americanas usam métodos indígenas para resolver pendengas entre menores agressivos. Por pura curiosidade, fui ao Google ver se havia alguma informação a respeito e deparo-me com algo para mim inusitado – o mesmo fundamento usado pelo professor Pedro para conciliar desentendimentos. É o significado do "Bastão que fala" na cultura dos índios[2]. Os povos indígenas de todos os cantos do planeta, ainda são vistos como parte de um passado não muito distante que, pela sua cultura de paz, deixaram exemplos valiosos e experiências marcantes, respeitando as diferenças e as idiossincrasias das diversas personalidades[3]. Nesse sentido, o “Bastão que fala" é um instrumento pacificador utilizado pelos nativos americanos sempre que um Conselho se reúne para apresentar “Seu Sagrado Ponto de Vista”. A palavra sagrada é a âncora que suporta o respeito mútuo entre os participantes do Conselho. Cada membro só tem o direito de usar a palavra quando o "Bastão que Fala" for colocado em suas mãos. Enquanto isso, o restante do Conselho fica ouvindo com extrema atenção cada ponto de vista e o bastão vai passando pelas mãos de todos os membros. Até mesmo as crianças já compreendem, desde os três anos de idade, o que é ouvir uns aos outros e aprendem a se respeitar mutuamente. Os conflitos, as lutas, os desentendimentos estão por toda parte, em nossos lares, junto aos familiares, nas escolas, nas empresas, na política, na religião, no meio de transporte e nas filas dos bancos. As desavenças estão inseridas no dia a dia das nossas vidas. Temos pontos de vista político, ideológico, econômico ou religioso distintos, no entanto devemos transformar cada desentendimento ou briga em estímulo para o desenvolvimento da criatividade e das grandes transformações. O diálogo deve ser o intérprete das soluções. Onde se ouve e se fala respeitando e reconhecendo cada indivíduo, semeia-se o campo do bom senso e do entendimento.