Cada nova medida que o governo toma, seja para corrigir uma anterior, seja para tentar tornar mais palatável o seu polêmico “Mais Médicos”, só serve para reforçar a penosa impressão de que o programa resultou de uma lamentável improvisação. Esse tipo de comportamento é intolerável em qualquer setor da administração pública, mas especialmente no da saúde, que mexe com a vida das pessoas.A epígrafe extraída de um editorial do jornal O Estado de São Paulo ratifica a impressão que todos têm da improvisação governamental ao desejar resolver de uma hora para outra, sem uma ação bem planejada, a situação calamitosa da saúde pública que se arrasta no Brasil, há décadas. Parece mais, como declara O Correio do Povo do Paraná (15.08.2013), que o programa federal "Mais Médicos" é nada mais nada menos que uma investida eleitoreira. Nestes últimos meses o programa foi assunto de destaque na mídia brasileira que registrou com críticas pesadas, a insensatez das muitas propostas criadas pelos nossos planejadores públicos. Sem sensibilidade alguma e sem ouvir quem tem autoridade nas áreas da Educação e da Saúde Pública, as sumidades administrativas deitaram e rolaram com medidas que deveriam ter sido profundamente discutidas. Este é o caso da que estabelece a obrigatoriedade da residência médica para todos os estudantes de medicina no Sistema Único de Saúde (SUS), após seis anos de curso. Tal medida só é cabível, a nosso ver, para os profissionais que fizeram seus cursos medicina em escolas públicas e jamais obrigatória para aqueles que pagaram por sua formação em instituições particulares. Não comentaremos a forma arbitrária com a qual o governo está pensando em resolver a questão da carência de médicos, isto é, com a contratação de profissionais estrangeiros sem diploma validado no Brasil. O Conselho da Associação médica portuguesa, por exemplo, criticou a escravidão profissional dos contratados, cujo trabalho ficará restrito a uma única cidade, porém ao mesmo tempo, considerou ser necessário que todos passassem por exame de credenciamento do exercício profissional exigido pelo país, tal como é praticado no resto do mundo. Antes de opinarmos sobre o conteúdo do Sumário Executivo do Edital que vai estabelecer as normas da Concorrência Pública, para a criação de cursos de medicina, relembraremos como eram feitas as autorizações desses cursos nas instituições particulares há tempos atrás. Em média, só depois de 15 anos de experiência no ensino, com cursos em todas as áreas e em especial na da Saúde, e com mais de 10 mil alunos, é que uma mantenedora se julgava apta a solicitar a autorização de um curso de medicina. Era, podemos dizer, o coroamento de seu trabalho de longos anos de ensino e mais um sinal de admiração a ser pleiteado na comunidade. Isto sem falar de um pormenor importante, a longa tramitação do pedido no "vai e vem" do Ministério da Educação (MEC), do então Conselho Federal de Educação, do Conselho Nacional de Saúde e da necessidade de apoio político em todas as esferas do poder. Por sua vez, o Conselho Profissional, ainda que não emitisse pareceres, indeferia pleitos com a justificativa que havia abundância de médicos: uma verdadeira ficção! Muitas vezes, até para reparar as incontáveis decisões controvertidas, era necessário recorrer à Justiça para a salvaguarda dos direitos. Um calvário! Um processo levava uma eternidade para ser aprovado em função das mudanças dos órgãos decisórios e dos Conselhos Profissionais. Deve-se destacar porém um fato importante: curso de medicina pode até dar prestígio mas nunca foi mina de ouro como o MEC sempre pensou. Haja vista que uma das maiores e mais exitosas instituições de ensino do país, com campus em diversos estados, mesmo com seu proprietário médico, nunca quis implantar um curso de medicina que só acumula prejuízo. Adentrando nas minúcias das normas executivas, o primeiro reparo que se deve fazer é sobre a mudança do rito para as autorizações de cursos, agora sobre a égide da Lei n.º 8.666/1993 (concorrência pública). A nosso ver, cabe a manifestação de Parecer jurídico sobre a matéria, por que mudam as regras atuais do jogo devido pelo fato da decisão estar apoiada praticamente no valor da mensalidade e do apoio a ser dado aos hospitais do SUS. É só analisar com mais profundidade para observar que os demais critérios estão no papel e este aceita tudo. Deixa de haver livre concorrência pois, inevitavelmente, no decorrer dos anos as mensalidades deverão ser controladas. O pior de tudo isso é que a premissa básica está baseada na criação de uma faculdade de medicina numa cidade escolhida pelo governo, onde há necessidade de todos os recursos de um empreendimento adequado às exigências atuais, edifício moderno, com instalações adequadas (salas de aulas, laboratórios, bibliotecas etc.) Enfim ambiente próprio para um curso que não é só de quadro e giz. Exige-se estrutura de mais de 10 mil metros quadrados, com custo de dezenas de milhões Quem vai fazer este investimento acrescido da responsabilidade de apoiar os hospitais do SUS? Não existe viabilidade econômica nessa estratégia do governo, pensando apenas em uma determinada faculdade de medicina e também nos cursos em outras áreas da saúde. Somente com apoio financeiro estatal isso pode ser conseguido. Nem pensar que se pode começar como nos áureos tempos, improvisando com prédios cedidos ou alugados. Só poderá haver viabilidade se o projeto estiver apoiado num complexo educacional que possa ter capacidade de atender 10 mil universitários em 5 anos. E para isto não será qualquer cidade que poderá sediar tal instituição e sim um centro regional que tenha demanda para suprir a nova oferta educacional. A ideia centrada em uma única faculdade de medicina não tem sustentação econômica. Toda essa solução governamental peca na base porque uma escola de medicina isoladamente não pode vingar. Por que não pensar no moderno e com mais atualidade tendo em vista que as novas tecnologias vão exigir menos espaços e acabar com as construções universitárias? A nosso ver, a maneira mais inteligente do governo viabilizar o plano para a formação do médico de família é aumentar as vagas dos cursos de medicina já existentes, tendo como critério básico a qualificação e o aprimoramento desses cursos. A contrapartida da escola seria estabelecer como norma curricular que a residência médica deveria ser feita nas cidades apontadas, dentro dos propósitos do governo. Acreditamos que uma construção de 2 mil metros quadrados, no máximo, poderia sediar instalações completas interligadas pelos mais modernos recursos tecnológicos de comunicação ao ambiente internacional da educação médica e da saúde. A residência médica estaria cumprindo suas metas de suprir as necessidades formativas e os recém-formados estariam aptos a acompanhar as melhores práticas de sua atividade. A ideia de aumentar as vagas das faculdades existentes não colide definitivamente com o desejo das instituições de criarem um primeiro curso de medicina. Para estas, será preciso fazer o caminho que todas fizeram: batalhar para conseguir a autorização do curso, cujos critérios são hoje até mais aceitáveis. Além disso, as instituições que criaram a residência médica, dependendo da região escolhida, poderão expandir a sua área de abrangência. Porém, antes de tudo, governo e instituições devem estar cientes de que curso de medicina não é a mina de ouro que todos pensam: sabem “o pote de ouro no fim do arco-íris” que ninguém nunca encontrou?