Com sacrifício/ eu criei meus sete filhos/ Do meu sangue eram seis/ E um peguei com quase um mês/ (…) Um belo dia/ Me sentindo abandonado/ Ouvi uma voz bem do meu lado/ Pai eu vim pra te buscar/ Arrume as malas/ Vem comigo pois venci/ Comprei casa e tenho esposa/ E o seu neto vai chegar.../ De alegria eu chorei/ E olhei pr'o céu/ Obrigado meu Senhor/ A recompensa já chegou/ Meu Deus proteja/ Os meus seis filhos queridos/ Mas foi meu filho adotivo/ Que a este velho amparou... (Filho adotivo, Sebastião Ferreira da Silva e Arthur Moreira)No Planalto, a manhã da segunda-feira, dia 3, foi marcada por muitas pompas e não menos circunstâncias – o governo, para melhorar a performance de sua política administrativa, promovia a dança das cadeiras, e, ao som de rufar dos tambores, era nomeado o novo ministro da educação, o economista e professor José Henrique Paim. À noite, na solenidade de transmissão de cargo, com o auditório do Ministério da Educação (MEC) repleto, o até então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, iniciou sua fala enaltecendo os nomes de cerca de três dezenas de personalidades ali presentes, como ministros, senadores, deputados, reitores das instituições de ensino superior públicas, autoridades e entidades, que vieram prestigiar a cerimônia. Registrou em seu discurso o trabalho realizado nesses dois anos de atuação no MEC e agradeceu a entidades e colaboradores. Sobre o Ensino Particular, nenhuma palavra – nem consoante, nem vogal, nem ponto e vírgula sobre o labor do setor. Não seria de bom tom falar do filho adotivo do sistema, diante de plateia tão culta e entusiasta. Prosopopeias palacianas são assim e fazem parte do ritual, mas jamais poderiam furtar-se a um mínimo de reconhecimento por um setor que envolve milhares de atores, dezenas de representativas entidades de classe, associações e sindicatos que operam numa mesma direção: a educação. Na sequência, José Henrique Paim destacou em seu discurso as políticas desenvolvidas pela pasta nos últimos anos e disse que irá expandir o Programa Universidade Para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Enfatizou, no entanto, que seu foco maior será a formação de professores: “Nosso objetivo é fazer com que todos os professores tenham garantido seu direito à formação. Sabemos que a qualidade do processo educacional é determinada pela formação de professores”. Em sua conclusão, falou dos atores parceiros do MEC. Entre outros, com pouca ênfase, murmurou a palavra ensino particular. Por inexistir qualquer estudo mais profundo sobre as razões psicossociais ou econômicas que expliquem a falta do reconhecimento da sociedade pelo trabalho da livre iniciativa no setor educacional, vou me permitir analisar possíveis circunstâncias. O Estado brasileiro nunca viu com bons olhos o trabalho da escola particular. Sempre foi assim desde a época do Marquês de Pombal. Apesar de a Academia normalmente não reputar os mantenedores, acusando-os – injustamente – de não serem especializados em educação, os melhores professores das públicas, em final de carreira, são por ela contratados. Essa posição pode ser também fruto da hipócrita aversão latino-católica ao lucro (diferente do anglo saxão protestante), pois a elite brasileira sempre considerou a educação como bem público que não pode ser transacionado. Ou talvez a culpa seja inteiramente nossa, por não sabermos comunicar nossas realizações, o valor econômico e social e o que representa o nosso trabalho para o desenvolvimento do país. Isolados, cada mantenedor preocupa-se com seus CPCs (os malfadados Conceito Preliminar de Cursos) e suas matrículas. Desunidos em suas associações representativas, esquecem-se da frase do pranteado apresentador de TV Abelardo Barbosa Chacrinha de que "quem não se comunica se trumbica", e acrescentamos: “Quem não se une perde a força”. Pois, como já disse João Cabral, “um galo sozinho não tece uma manhã”. A prova inconteste está nos valores: para promover suas instituições, mantenedores do ensino superior investem anualmente só em Publicidade mais de 1,5 bilhão de reais. Em imagem corporativa, nem um centavo. Só um número seria destaque em qualquer mídia. Faça sol, faça chuva, de noite e de dia, em cada dia letivo, 2.112 instituições do norte ao sul e do este ao oeste do país oferecem 20.500 cursos, nos quais são dadas 84 milhões de aulas por ano (420 mil aulas diárias). Nos últimos 113 anos, apenas três greves de professores de não mais de uma semana de duração. Comparando-se ao ensino público, em todas as instâncias, e o gritante compromisso do setor privado com a educação, a balança pende muito mais do nosso lado. A presença da iniciativa privada no ensino superior é uma realidade mundial. Ela cumpre uma função política, abrindo espaço para a prática da liberdade de ensino e da pluralidade de concepções pedagógicas. Cumpre também uma função estratégica, liberando o poder público de alocações de recursos e de atividades de gestão do ensino. Finalmente, cumpre uma função tática, especializando algumas instituições no que é específico da formação profissional e do compromisso com o desenvolvimento econômico e social na abrangência de suas áreas de influência e especializando outras no que é específico do ensino de pós-graduação e da pesquisa científica e tecnológica. Num país ideal, as diferenças salariais entre o menor e o maior salário não deveriam superar padrões razoáveis e, numa economia e demografia planejadas, deveria haver trabalho para todos, de acordo com suas possibilidades, habilidades e aptidões. Assim, num país de livre mercado como o nosso, tudo dependerá de seu crescimento econômico. Há, felizmente, uma certeza: se temos imensos problemas temos também gente competente para resolvê-los. O desafio é crescer de forma sustentável. E quanto às profissões, pesquisas mostram que, quanto maior o grau de formação, melhor salário as pessoas têm, ou seja, o mercado reconhece o investimento realizado. E quem tem oferecido esse plus a expressivíssima parcela da população senão a iniciativa educacional privada? Para além do discurso dos políticos, a presença da iniciativa privada foi fundamental para que o país pudesse dar um salto desenvolvimentista. Foram atendidas as pressões por ingresso no ensino superior; a oferta de formação profissional saiu dos grandes centros urbanos e regiões metropolitanas para alcançar as pequenas cidades do interior, criando-se uma rede de atendimento capilarizada em todo o território nacional. A educação continuada começa a tomar forma com a implantação dos cursos tecnológicos, o crescimento da oferta de programas de pós-graduação lato sensu e a educação a distância – áreas em que os estabelecimentos públicos têm incursionado com bastante lentidão. A presença da iniciativa privada no ensino superior já é, por si só, fator de inclusão social: o país jamais teria alcançado a condição de assegurar tal contingente de alunos contando apenas com as instituições públicas. Essa presença desonerou o poder público de vultosos dispêndios nesse nível de ensino, da mesma forma que trouxe para o sistema um contingente de educadores e investidores com capacidade de gestão, dinamismo e visão nova. A escola particular reforça o caráter pluralista das sociedades democráticas; abre alternativas de inclusão social diferenciadas daquelas proporcionadas em instituições mantidas pelo poder público; assegura novas formas de participação e mobilização de recursos e vontades da sociedade. Ainda bem que o novo ministro não é, como tantos teóricos, homem de empolgados discursos e inflexões retóricas, que hipnotizam plateias com fabulosas ideias, mas de difíceis realizações no mundo da educação. Experiência e disposição não lhe faltam para dar conta do recado, pois, quando salientou suas reuniões de trabalho noturnas e de fins de semana, José Henrique Paim demonstrou ser homem de ação e de cumprimento de metas. Esteja certo, ministro Paim, de que o setor privado vai torcer para que sua trajetória no ministério seja brilhante. Mais do que isso, coloca-se como parceira, no que der e vier, para qualquer causa que esteja ligada ao sucesso e progresso da educação nacional. A epígrafe deste artigo veio à mente no correr da cerimônia. Somos legítimos timoneiros da educação e, como na letra da canção, sucesso na voz de Sérgio Reis, talvez os únicos com cacife suficiente para resolver o problema da educação superior no país. Como tal, devemos ser respeitados e, sobretudo, ouvidos.