Diante das situações-problema enfrentadas no cotidiano, é preciso ter objetivos, mobilizar habilidades e conteúdos para resolver a situação de alguma forma adequada. Assim, a vida real não nos coloca diante de uma única “resposta correta”, mas nos exige escolher “percursos adequados, que não precisam ser únicos”. Só o desenvolvimento de competências e habilidades permite aos estudantes dar ênfase ao percurso de aprendizagem e não apenas ao conhecimento isolado. (Luciana Santos[1])Conheci Asdrúbral de Souza Galvão no início dos anos de 1980 quando de sua contratação pela Faculdade Anhembi Morumbi – instituição que dirigíamos – para uma consultoria na área de Marketing e Comunicação. Galvão começou trabalhando numa campanha publicitária para o vestibular e graças a sua competência, tornou-se nosso assessor por longos anos. Com experiência profissional relevante e tendo atuado nas maiores agências da época, era redator publicitário brilhante. Pesquisador do comportamento e de hábitos de consumo,não criava nada sem que estivesse alicerçado em pesquisa.Leitor voraz e de sensibilidade extrema para os problemas de sustentabilidade do planeta, era um profissional culto e criativo. Perplexo diante da falta de cuidado da humanidade com a natureza, sempre dizia:
Chegamos a um quadro de falência ambiental e ecológica no seu mais amplo sentido, numa escala global da qual não escapam os peixes do fundo do mar, as estratosféricas camadas de ozônio, os índios das profundezas da selva ou os polos gelados: estamos todos a bordo de uma nave espacial sem destino, que vai mal e tende a piorar.Com toda a sensibilidade que possuía, estava à frente de sua época e das pessoas com as quais convivia. Apesar de querer sempre ensinar, era olhado com reservas pelos “sábios de plantão”. Ao defender a sua convicção absoluta de que os anos futuros da tecnologia da comunicação e da informação revolucionariam as vidas das pessoas e os seus relacionamentos, Galvão provocou diversos embates profissionais que resultaram muitas vezes em decepções e desentendimentos. Com o propósito de homenageá-lo neste artigo, relembramos um trabalho de sua autoria, “Pedagogia da Tela”, apresentado para uma seleta plateia de professores. O tema inédito naquela época – que abordava a transformação dos processos de ensino-aprendizagem originada pelas tecnologias informacionais – está sendo hoje discutido nas universidades do mundo inteiro. Ele dizia:
A comunicação vai revolucionar e democratizar o processo de apreender porque o cérebro humano e as máquinas se unirão para vencer o desafio da ignorância. Em 40 anos, a tela se tornaria a atividade planetária número 1 da humanidade, apoiando-a em todas as suas manifestações.Para Galvão estávamos em plena era pós-gutemberguiana, tendo em vista que praticamente todas as pessoas passavam mais tempo de suas vidas diante de uma tela, em relação ao tempo ocupado com qualquer outra atividade de lazer, estudo ou trabalho. Não importava se a tela fosse de TV, de vídeo ou computador. O importante era o “anúncio” de que a “Civilização da Tela” tomaria o lugar da “Civilização da Roda”, da “Civilização da Página”, da “Civilização do Quadro Negro” e que a informação seria distribuída gratuitamente ao consumidor, atingindo pessoas histórica e culturalmente privadas do acesso ao sistema de comunicação. Constatamos hoje, décadas depois, que a tela nos acompanha em todos os momentos das nossas vidas, desde o exame de ultrassom pré-natal até os exames que faremos no final das nossas vidas. Comunicação: o único sistema que cresce dia a dia e que pode recuperar todos os outros A comunicação, dizia Galvão:
poderá colaborar para melhorar sistemas em crise, como o ambiental, o agrícola, o energético, o político, graças à telemática e às suas ferramentas fantásticas. E, mais do que nunca, será na educação que ela se revelará invencível.Assim, a mítica “era da informação”, tal como previu Galvão, seria realidade em pouco tempo: homens informados vivendo integralmente seu potencial intelectual. E este é o papel da nova educação do século XXI, livre de seus estreitos limites, graças aos chips processadores de informação cada vez mais poderosos. Assim a proposta educacional de Galvão nascia óbvia, clara e simples:
- Aceitar o fato de que o mundo muda a cada instante e jamais será o mesmo novamente;
- Aproveitar as modernas ferramentas do marketing e da comunicação na construção da nova Escola do Século XXI;
- Admitir que a Educação não pode continuar repetindo seus modelos medievais e elitistas que a tornaram um dos maiores fatores responsáveis pela realidade inquietante atual;
- Aceitar o fato irreversível de que a Educação deve mudar radicalmente e tornar-se a locomotiva que rebocará os demais sistemas a caminho da “Era da Informação”;
- Negar a hipócrita fachada de sacerdócio ou missão sagrada, atrás da qual se escondeu a velha educação, e levar a Nova Educação a ocupar o lugar que é seu, como o mais importante segmento da Indústria da Comunicação
Apesar de toda a modernidade dos novos tempos, a dimensão de relação humana deverá ser sempre valorizada na idealização da escola do futuro. Os alunos não se dividirão por disciplinas, mas por atividades – os que estão trabalhando, os que estão dialogando, os que estão recolhendo informação, os que estão fazendo trabalho autônomo, os que estão fazendo trabalho de grupo, os que estão desenvolvendo conceitos, os que praticam exercícios e os que estão resolvendo problemas.E toda esta estrutura não surge sozinha. São mentes humanas irmanadas e apoiadas pelo repertório do conhecimento que os séculos plasmaram e que hoje podem, em rede, contribuir para uma melhor qualidade de vida da humanidade. Os percursos, como afirma Luciana Santos na epígrafe deste artigo, não precisam ser únicos. Vão depender das condições da realidade, que é multifacetada e extremamente complexa, das nossas escolhas e das nossas possibilidades e do lugar que ocupamos no mundo. Daqui para a frente passamos a ser, cada vez mais, responsáveis por nossas ações. Será que já nos demos conta disso? [1] Professora da Universidade Anhembi Morumbi. [2] Diretor executivo de Relações Institucionais da Universidade Estácio de Sá.