O Brasil ganhou a Copa de duas maneiras. A primeira é que a Copa aconteceu e funcionou. (…) A segunda (e mais importante), razão porque o Brasil ganhou a Copa, é que a seleção perdeu de 7 a 1 contra a Alemanha e de 3 a 0 contra a Holanda, mas isso não foi uma tragédia. (Contardo Calligaris[1])A “sociedade do espetáculo” por meio dos megaeventos vai ao encontro do desejo de um mundo carente de entretenimento e cada vez mais atraído pelo som, pelo movimento, pela imagem, e acolhido por amplas manifestações populares. Os espetáculos apoiados pelas mais modernas tecnologias de comunicação, apoteóticos e deslumbrantes, têm como objetivos produzir negócios e auferir resultados econômicos para seus organizadores. Todos os organizadores dos espetáculos se apropriam, de uma forma geral, das diferentes manifestações — celebrações de cultos às divindades das diversas religiões, comemorações de datas festivas dos países, festivais musicais, disputas desportivas entre outras — com o pretexto de reunir multidões e de usufruir dos resultados dos empreendimentos. O futebol, por sua vez, atividade praticada na maioria dos países, consegue mobilizar e sensibilizar fanáticos e massa torcedora de todas as idades para seus clubes de devoção. No que se refere ao futebol, a Fédération Internationale de Football Association (Fifa) é o organismo mundial que controla com mão de ferro todos os grupos que organizam campeonatos regionais, nacionais e internacionais nos diversos continentes e que tem sob seu domínio a Copa do Mundo. O evento é cobiçado por todas as nações e os governantes se submetem às regras da Fifa para sediá-lo. Trata-se de uma ardilosa estratégia política para angariar prestígio, motivar cidadãos, mas que pode tornar-se um ônus econômico de grande vulto para o país sede se não forem bem executadas as imposições da Fifa. Esta, desde 2011, tem estado isenta de pagamentos de impostos — uma renúncia fiscal de cerca de 1 bilhão de reais. Os governantes, com raras exceções, se assemelham – não são santos, não possuem autocrítica, julgam-se iluminados, messiânicos e indicados pelos deuses para dirigirem seus países e, de forma desvairada, tecem todas as artimanhas para permanecerem no poder. E por serem vaidosos são presas fáceis dos empreendedores dos grandes eventos. A Fifa não vê o futebol como desporto, mas sim como o maior negócio do mundo. Tudo gira em função dos grandes números, provenientes dos espectadores que assistem às partidas. E para tanto o país sede precisa responsabilizar-se pela construção de estádios e pela infraestrutura aeroportuária, de estradas de acesso, segurança, entre outros. Os investimentos nos aeroportos e estradas são recuperados porque já são previstos, de uma forma ou de outra, com o desenvolvimento das cidades. Os estádios construídos para a Copa, porém, dificilmente se viabilizarão, porque não foram planejados como equipamentos urbanos de uso diário — e sim esporádico —, sem a previsão do retorno do investimento. Os administradores públicos, também torcedores nas horas vagas, pensam apenas no futebol e não no negócio da Copa, como vantagem competitiva para o país, para fazê-lo mais conhecido no âmbito das nações e para torná-lo capaz de reverter os investimentos realizados. O negócio da construção dos estádios tem grande repercussão, porque incita todas as empreiteiras ávidas em conseguir os ambiciosos contratos que nesses dois últimos anos movimentaram mais de 28 bilhões de reais[2]. A Copa depende especialmente da promoção e da divulgação de todas as atividades correlatas, desde a preparação das equipes até o desenrolar de todo o campeonato. Precisa envolver o torcedor de todas as formas e, para tanto, usa todos os recursos da mídia tais como rádio, jornal, televisão e internet. Atuaram no Brasil mais de quinze mil profissionais, ao lado de uma equipe enorme para informar, documentar, filmar, fotografar, televisionar, comentar e transmitir as partidas. Empresas brasileiras e estrangeiras pagaram cerca de US$ 404 milhões para terem suas marcas veiculadas na Copa. A realização de um evento de futebol mundial envolve também uma multidão imensa de apoiadores – exército, polícia civil, voluntários entre outros. Conforme informações, mais de 150 mil agentes policiais colaboraram para que tudo corresse bem. Não podemos deixar de citar os principais personagens, os reverenciados “craques da bola”. Estes são as figuras mais importantes, os atores que dependendo de suas atuações, fazem o espetáculo ir de uma hora para outra do céu ao inferno e vice e versa. Os mimados jogadores brasileiros — folclóricos meninos ricos de cabelos coloridos e corpo tatuado dos nossos campos de futebol, despreparados na maioria das vezes para o estrelismo — são usados por seus aproveitadores agentes como ídolos da juventude e anunciados como estrelas milionárias da propaganda do rádio e da televisão. Tudo isso representa faturamento comercial completamente adequado ao prestígio que cada atleta pode agregar a um produto com sua imagem futebolística. Não há pátria, bandeira, camisa, time de coração e nem choro e nem reza. Certo ou errado quem manda é o lado econômico do futebol. Ganhar o campeonato é uma atividade a mais ou a menos na carreira de cada um. O Mundial realizado no Brasil foi marcado pelos extremos de emoção — pessimismo e euforia — como expectativas alimentadas pela mídia. Ao contrário dos prognósticos fúnebres, o megaevento acabou com um excelente resultado de organização e de espetáculo porque os jogos de futebol fizeram um sucesso estrondoso. Estádios cheios, torcidas extasiadas com o desempenho dos seus jogadores, disputas bem equilibradas, futebol eletrizante foram elementos capazes de embasbacar qualquer um. Consequentemente não se pode deixar de registrar o lado positivo e o legado da Copa 2014 que teve o segundo maior público da história. Ao todo, 3.429.873 pessoas assistiram às partidas, com a média de 53.591 espectadores por jogo, números inferiores apenas aos da Copa de 1994. Mais de três milhões de pessoas — entre as quais 30% eram moradores das cidades próximas às sedes — se movimentaram pelo Brasil, conforme atestam os números do Ministério do Turismo[3]. É preciso ressaltar o diligente trabalho de divulgação realizado pela Secretaria de Comunicação Social, ao distribuir material informativo do Brasil nas doze cidades sedes dos jogos. Foram atendidos mais de 10 mil jornalistas, sendo que quatro mil eram originários de 84 países, gerando para o mundo mais do que 60 mil notícias e milhares de reportagens na mídia nacional e do exterior, mostrando ao planeta tudo que o país tem além do futebol. Antes que bola começasse a rolar, o apoio à realização do torneio girava entre 50% e 55% e antes da eliminação do Brasil estava próximo dos 80%, segundo pesquisa telefônica do Ibope. O Facebook anunciou que a Copa gerou mais de três bilhões de interações na rede. Só no Brasil, foram mais de 25 milhões de posts durante os últimos trinta dias. Sob o impacto das grandes emoções, fato que somente o esporte enquanto drama moderno e midiático pode fazer num mundo globalizado e conectado, o megaevento esportivo da Fifa já deixa saudades e também algumas reflexões. Mais importante que o universo de bens materiais como estádios, estradas, aeroportos, foi o legado de conhecimento e de cultura. A Copa vai deixar importante patrimônio para o Brasil, consolidando uma nova imagem do país mundo afora pelo volume de informações que permitirá avançar na produção de conhecimento sobre esporte e cultura, nos meios acadêmicos e no mercado brasileiro. Corroborando a ideia de que o povo do “País do Futebol” vale mais do que tudo isto, fica evidente que “o melhor do Brasil é o brasileiro” conceito bem conhecido, que acaba expressando o fato mais importante da Copa, atestado por mais de um milhão de turistas estrangeiros que passaram pelo nosso país durante o Mundial. Contardo Calligaris em seu artigo “O Brasil ganhou a Copa”[4] observa que “a expectativa midiática de um desespero nacional contrastou com a maturidade do povo, que lamentou, xingou, achou engraçado e seguiu andando. E ele conclui: “Podemos festejar porque, sim, infelizmente a seleção perdeu mas o Brasil parece saber que a seleção não é o Brasil. E essa descoberta é uma vitória”. Nesse sentido, o grande vencedor da Copa 2014 é o povo brasileiro! [1]Psicanalista italiano radicado no Brasil. É colunista da Folha de S.Paulo. [2] http://www.businessreviewbrasil.com.br/money_matters/os-numeros-da-copa-do-mundo-fifa-2014 [3] http://www.brasilturis.com.br/noticias.php?id=17800¬icia=mtur-divulga-perfil-do-turista-da-copa [4] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2014/07/1490083-o-brasil-ganhou-a-copa.shtml