"Empreender é lidar com carências. O empreendedor descobre que tem o mercado, mas não tem o dinheiro para fazer o produto, ou não tem o conhecimento de como chegar lá. Algumas vezes, como com Steve Jobs, clientes nem sabem que têm o mercado, mas ele acredita que tenha. Mostramos onde há carência e como podemos colaborar." Beto Sicupira – EndeavorPretendo retomar o assunto empreendedorismo que tanto tem levado os interessados pelo tema a manifestarem-se, quer discutindo, escrevendo ou comentando a respeito. Alguns têm salientado que faltam iniciativas que possam levar a empreender, a propor e/ou a realizar qualquer coisa. E é gente experiente que está se preocupando, oferecendo bom repertório para reflexões, demonstrando o traço de caráter que leva alguém a empreender ou a tomar decisões por conta própria. Falta aquela disposição natural, ânimo pronto e enérgico para conceber e executar antes que outros. Empreender é tarefa difícil. É trabalhoso pôr em execução uma ideia, assumir uma responsabilidade baseada num projeto e levá-lo à realização. Nos últimos meses, a mídia foi invadida pelo temário. Veja os exemplos a seguir:
7 lições que um empreendedor só aprende após errar (Mariana Fonseca –Exame.com),
Veja 18 passos para se tornar um empreendedor de sucesso” (Paula Mor – IG São Paulo),
Política de Incentivo ao Empreendedorismo (Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo),
Governo lança programa de apoio ao sucesso dos empreendedores (Inovativa Brasil – Portal Brasil),
“Ideation leva a universidades turnê de empreendedorismo” (Vinicius de Oliveira – Porvir),
Escola de Empreendedorismo ajuda a desenvolver talentos (Marina Lopes-Exame.com).
E tantos outros sites e veículos estão direta ou indiretamente falando a mesma língua. O assunto é abordado também pela Associação Brasileira de Startups, cujo banco de dados informa haver no estado de São Paulo 968 startups, em Minas Gerais 300 e no Rio de Janeiro 268, para citar apenas os primeiros da lista. Agregando informações, o professor Marcos Hashimoto, da FAAP, fala sobre “Bootstrapping: aprenda a começar sem dinheiro” (Santander – Portal do Empreendedor). De minha parte, tenho pensado muito sobre o assunto (penso inclusive em propor um seminário na ABMES sobre empreendedorismo) e sempre me pergunto por que no Brasil as coisas são diferentes dos EUA. Mais do que tudo, penso que a questão é cultural. Estimular os alunos e premiar o mérito faz parte da cultura deles. Veja a notícia da Folha de S.Paulo, de 28 de junho (Garota de dez anos já lucra com incubadora de startups para crianças), sobre a trajetória de sucesso da Kylee Majkowski, que, aos sete anos, baseada na tradição americana de crianças venderem suco em frente a suas casas para ganhar um dinheirinho, fundou uma incubadora: a Tomorrow’s Lemonade Stand (TLS), de amplo sucesso. Hoje, aos 10 anos, treina mais de 100 crianças sobre como empreender. O norte-americano é um povo essencialmente pragmático, baseia-se na crença e na certeza de que só a ação, movida pela inteligência e pela energia, pode alterar os limites da condição humana. O pragmatismo aborda o conceito de que o sentido de tudo está na utilidade – ou efeito prático – que qualquer ato, objeto ou proposição possa ser capaz de gerar. O pragmático vive pela lógica de que as ideias e atos de qualquer pessoa somente são verdadeiros se servem à solução imediata de seus problemas. Uma pessoa pragmática é aquela que resolve as coisas de maneira ágil, que enxerga mais soluções do que impedimentos, que é mais direta no trato das coisas reais. Essa “filosofia” de vida vem sendo apoiada nos EUA por todos os presidentes americanos, desde Thomas Jefferson (1743-1826), que incentiva o empreendedorismo e o desenvolvimento de micro e pequenas empresas. O panorama brasileiro nesse âmbito ainda é desolador. País essencialmente cartorial, o Brasil continua com valores culturais do século 19. Os jovens ainda são estimulados a procurar emprego no setor público, que oferece estabilidade e certeza de aposentadoria, mas que, em geral, não desenvolve a capacidade de inovação, consolidando uma sociedade dependente. O ambiente brasileiro para abertura, crescimento e consolidação das micro e pequenas empresas é um dos mais inadequados do mundo: o medo do risco e do erro e a dependência dos governos impedem a criação de capital social por meio da cooperação estendida socialmente. Para modificar esse quadro, é preciso uma mudança cultural, é preciso propagar o ensino do empreendedorismo em todos os níveis educacionais, disseminar a cultura empreendedora desde a educação infantil, primeiro degrau para criar uma sociedade empreendedora. Nesse sentido, a universidade tem papel fundamental, porque ela é uma forte formadora de opinião, multiplicadora do saber e difusora de valores empreendedores, que priorizam a geração e a distribuição de riquezas, a inovação, a cidadania, a ética, a liberdade, o respeito ao homem e ao meio ambiente. Longe da teoria e da filosofia, empreendedorismo é, também, um caso de política. No Brasil, os governantes falam de emprego, mas não levantam a bandeira do empreendedorismo nem o incluem em suas plataformas de ação. Falta estímulo à pesquisa na área do empreendedorismo, redução de impostos para o empreendedor emergente, criação de sistemas de apoio à atividade empreendedora, como microcrédito, estímulo aos arranjos produtivos locais (APL) são ações, entre outras providências, que possibilitariam criar condições para que as atividades empreendedoras cresçam qualitativamente, economicamente e em termos humanos. Mas estimular o empreendedorismo não é uma tarefa isolada de um segmento específico, e sim de toda a sociedade, já que se está falando de 4,5 milhões de empresas, que envolvem 60 milhões de pessoas e que representam 20% do PIB nacional. Empreendedorismo implica mobilização social, envolvimento e comprometimento de toda a sociedade, principalmente de líderes políticos. A etimologia da palavra “companheiro” pode ilustrar a necessidade de forte integração para que esforços não sejam dispersados. Na raiz etimológica, “companheiro” (do latim cum panis) é aquele que oferta e partilha o pão. O pão do conhecimento, no século 21, com as redes sociais e do conhecimento, é ofertado colaborativamente, em parcerias que têm o dom de multiplicar exponencialmente os achados. As instituições de ensino superior devem estar atentas às mudanças e preparar seus alunos para uma nova sociedade, que, certamente, exige deles protagonismo e coragem para empreender. Uma pesquisa do Instituto Data Popular (Cresce número de brasileiros que querem ter o próprio negócio, revela pesquisa) aponta que no Brasil existem 38,5 milhões de pessoas que desejam abrir o próprio negócio, mostrando um aumento de cinco pontos percentuais na comparação com 2013. Um dos principais motivos é o baixo salário que ora recebem, o que impulsiona a vontade de ser o dono do próprio negócio. A Endeavor – Sebrae fez uma extensa pesquisa (Pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras), realizada entre 2013 e 2014, sob os aspectos quali e quantitativo. Um dos pontos altos é a afirmativa de que “A vontade de empreender é grande, mas a vontade de ser grande é pequena”. Será que não seria o momento do sistema universitário particular, para se diferenciar e mostrar sua utilidade, arregaçar as mangas e propor medidas efetivas para promover o empreendedorismo e suas ações?