...nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa.
Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens. (Brandão, 1995, p. 8).
Com isso, as “competências do indivíduo” tornou-se um dos temas mais usualmente tratado por estudiosos, consultores e empresários nesses últimos anos. Embora o termo não seja novo, há grande variedade de abordagens sobre seu conceito e aplicabilidade e distintas formas de compreendê-lo. A ênfase dada pelos vários autores pode centrar-se em diversos aspectos relacionados à competência do indivíduo, desde a “formação, comportamentos e resultados”, até “aptidão, ação e autodesenvolvimento”. As diferentes abordagens da competência do indivíduo se configuram e se destacam em três correntes distintas: Norte-americana, Europeia (francesa-inglesa) e Sul-americana (brasileira), as quais estão resumidamente descritas a seguir.
Corrente norte-americana
O debate sobre competências entre psicólogos e administradores, nos Estados Unidos, praticamente tem início com a publicação, em 1973, do artigo de McClelland “Testing for competence rather than inteligence”. Segundo a concepção deste autor, a competência é uma característica subjacente a uma pessoa casualmente relacionada com uma performance superior na realização de uma tarefa em determinada situação. Para Mirabile (1997), essa definição diferenciava competência de aptidões, talento natural da pessoa, o qual pode vir a ser aprimorado, e também de habilidades, como demonstração de um talento particular na prática; e de conhecimentos, como o que as pessoas precisam saber para desempenhar uma tarefa. Nessa perspectiva, competência é entendida como algo do indivíduo que foi denominado de “estoque”, como aquilo que ele tem em termos de repertório individual. Tal conceito é gerador da concepção de competência individual defendida pela corrente norte-americana. Assim, para essa corrente, competência do indivíduo “é o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, que permite à pessoa performance superior em um trabalho ou situação”. (McCLELLAND, 1973; BOYATZIS, 1982; SPENCER JR. & SPENCER, 1993).
Corrente europeia
Para Zarifian (1996), a concepção tradicional de competências (norte-americana) apega-se a uma análise objetiva dos postos de trabalho, o que delimita o foco do termo, atando-o a uma visão taylorista e burocrática da inserção do homem no mundo do trabalho. O autor direciona a “evolução” dessa concepção para uma “gestão da e pela competência”, pensando na combinação de conhecimentos (aptidão), experiências (ação), análise e avaliação da organização (resultados). Ele compreende as competências como a assunção de responsabilidades e o desenvolvimento de atitude reflexiva sobre o trabalho, o que abre o entendimento desta nomenclatura para aspectos mais sociais. Isto implica em analisar as mutações sofridas pelo trabalho e sua forma de realização, inseridas num contexto mais amplo e histórico. Enquanto que para Parry (1996), competência do indivíduo está relacionada a conhecimentos, skills e atitudes que afetam o trabalho - performance - e podem ser medidas contra parâmetros e melhoradas por meio de treinamento adequado, para Sandberg (1994), as competências são construídas a partir do significado do trabalho e não implicariam, assim, somente na aquisição de atributos. Ele entende como importante não só a competência que é desenvolvida, mas como se dá o seu desenvolvimento e aplicação - a prática do trabalhador. Zarifian (2001) acrescenta que a ideia de competência do indivíduo vem atrelada a envolvimento, autonomia e automobilização e, portanto, formar não pode ser sinônimo de adestramento para a realização de dada tarefa e nem se reduzir à simples transmissão de conhecimentos e informações.
Sobre essa ideia, Le Boterf (1995) propõe o deslocamento do foco em “estoque” de conhecimentos de dado indivíduo, para a forma como esse indivíduo mobiliza seu repertório de conhecimentos e habilidades em determinado contexto, de modo a agregar valor ao meio social. O autor insiste no componente mobilizador da competência, quando afirma que as competências não são, elas mesmas, recursos na forma de saber agir, saber fazer ou atitudes, mas a mobilização orquestrando tais recursos. Essa mobilização é pertinente em dada situação, e cada situação é singular, mesmo que se possam fazer analogias a outras já vivenciadas. Nessa perspectiva, o exercício da competência passa por situações mentais complexas, esquemas de pensamento que permitem determinar (mais ou menos consciente e rapidamente) e realizar uma ação relativamente adequada e adaptada à dada circunstância. Como se pôde observar, a corrente europeia defende que o saber do indivíduo só pode ser considerado competência quando exercido nas relações de trabalho, nas quais confronta os limites específicos da empresa. Assim sendo, para a corrente europeia (francesa/inglesa), competência do indivíduo “é colocar em prática o que se sabe em determinado contexto, marcado geralmente pelas relações de trabalho, cultura da empresa, imprevistos, limitações de tempo e recursos etc.” (SANDBERG, 1994; LE BOTERF, 1995; ZARIFIAN, 1996, 2001)
Corrente sul-americana (brasileira)
Para a corrente sul-americana (brasileira), competência do indivíduo se traduz como “o saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”. Considerando três regiões do “saber”: a) o saber (referente ao conhecimento/conceitos); b) o saber fazer (referente às habilidades/princípios) e c) o saber agir (relativo às atitudes/práticas), como detalhado no quadro abaixo:
COMPETÊNCIAS DO INDIVÍDUO
Saber agir |
Saber o quê e o porquê faz Saber julgar, escolher, decidir |
Saber mobilizar |
Saber mobilizar recursos de pessoas, financeiros, materiais, criando sinergia entre eles |
Saber comunicar |
Compreender, processar, transmitir informações e conhecimentos, assegurando o entendimento da mensagem pelos outros |
Saber aprender |
Trabalhar o conhecimento e a experiência Rever modelos mentais Saber desenvolver-se e propiciar o desenvolvimento dos outros |
Saber comprometer-se |
Saber engajar-se e comprometer-se com os objetivos da organização |
Saber assumir responsabilidades |
Ser responsável, assumindo os riscos e as consequências de suas ações, e ser, por isso, reconhecido |
Ter visão estratégica |
Conhecer e entender o negócio da organização, seu ambiente, identificando oportunidades, alternativas |