Há setenta anos, o Homo sapiens era um animal insignificante cuidando da própria vida em algum canto da África. Nos milênios seguintes, ele se transformou no senhor de todo o planeta e no terror de ecossistema. Hoje está prestes a se tornar um Deus, pronto para adquirir não só a juventude eterna como também as capacidades divinas de criação e destruição. (Yuval Noah Harari)Acabei de ler Sapiens – uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari (L& PM Editores), um sucinto relato dos 200 mil anos da trajetória dos humanos, durante a qual, das seis espécies de primatas antropoides que existiram, só a nossa sobreviveu: o Homo sapiens. O que de mais extraordinário se percebe no decorrer do desenvolvimento da história da humanidade é a transformação ocorrida entre os 75 e 45 mil anos atrás: a revolução cognitiva. Ela distinguiu o homem de todos os outros animais e deu-lhe a capacidade de começar a ter ideias, pensar, relacionar objetos e acontecimentos do dia a dia, imaginar e criar coisas e fatos e comunicar tudo isso aos seus iguais. Sempre seguindo a sua sina para o bem ou para o mal, para vencer os desafios e poder sobreviver, o Homo sapiens usou estratégias mentais para sobrepujar seus inimigos. Tudo isso devido a uma característica ímpar – os humanos desenvolveram um cérebro bem maior e souberam usá-lo. O que foi a revolução cognitiva? 1- O homem ganhou a capacidade de conhecer e transmitir maiores quantidades de informações sobre o ambiente onde vivia, o que lhe permitia planejar e realizar ações para se desenvolver. 2- Essa revolução permitiu aos humanos conhecerem grandes quantidades de informações relacionadas com suas comunidades e influenciar mais os indivíduos. 3- E principalmente proveu os humanos do poder de abstração que lhe possibilitou criar o imaginário sobre as informações de coisas que não existem, como histórias inventadas de espíritos tribais, de divindades de todos os teores e mitos, como forma de angariar adeptos para mútua colaboração de suas ideias. O poder de associar informações e utilizá-las em cada época apoiou todo o progresso da história da mente humana – na revolução agrícola; na criação dos primeiros reinos e sistemas de escrita e números; no comércio e nas práticas religiosas; no domínio dos impérios; nas revoluções científica e industrial; na constituição da família e das comunidades; nas relações entre Estado e mercado; nas tecnologias de informação e comunicação e, transcendendo os limites da Terra, nas viagens interplanetárias. Mas esse poder também criou armas nucleares, que ameaçam a sobrevivência da humanidade, e a poluição descontrolada, que vem destruindo o nosso meio ambiente. Os historiadores, entre eles Noah Harari, costumam nominar cada uma das fases do desenvolvimento terrestre apoiados no surgimento de habilidades e competências. A primeira e mais importante razão da existência do ser humano foi a capacidade de usar os recursos criativos de seu cérebro para solucionar problemas e que deflagrou a revolução cognitiva. O restante decorreu dos desafios impostos à sobrevivência do homem pelas realidades que tinha por sobrepujar. O homem, apoiado pela mente, usava as mãos, a madeira, a pedra, os metais, as ferramentas, as máquinas e os aparelhos tecnológicos, mas a origem de tudo era a sua imaginação. O mundo é o que é em decorrência da criatividade humana: tudo que existe foi ideia de gente, pessoas que, só ou em equipes, foram capazes de desenvolver uma Ideia, um produto, um bem ou uma representação artística. Tudo que existe no mundo é consequência da criatividade humana. Um dos maiores valores propiciado pela revolução cognitiva é a capacidade que o homem possui de mistificar, de criar fatos e lendas e de impor ídolos, hoje mostrados aos quatros cantos pela sociedade do espetáculo. O que sensibiliza mais: os milhares de fogos de artifício coloridos de fim de ano mostrados pela televisão, a destruição apocalíptica da cidade de Mariana ou o morticínio de Paris? O que é mais espantoso: as multidões espalhadas pelas praças comemorando a passagem do fim do ano ou as pessoas desoladas buscando conforto e fugindo à morte nos hospitais públicos do país? Precisamos ser cautelosos com as imagens, pois se formos avaliar o mundo em que vivemos, hoje, ele está um caos, o que permite a Harari concluir com pessimismo seu livro: "Apesar das coisas impressionantes de que os humanos são capazes de criar, continuamos sem saber quais são os nossos objetivos e estamos sempre desalentados. Estamos destruindo os outros animais e o ecossistema a nossa volta, visando ao nosso próprio conforto e divertimento, mas jamais encontrando nossa satisfação". Apesar de todo o progresso, os estudos sobre o cérebro são recentes. O termo "neurociências cognitivas" é de 1970. A década de 1990 foi declarada no Congresso Nacional Americano a "década do cérebro”. Hoje, a neuroeducação tem como objetivo o desenvolvimento de novos métodos de ensino e aprendizagem ao combinar a pedagogia e as experiências de neurobiologia nas ciências cognitivas. Essa fundamentação está apoiada na visão de que só a educação será capaz de frear a ambição humana e fazer deste mundo um lugar mais harmonioso para conviver-se. É tarefa árdua, leva centena de anos, mas só vai acontecer se se pensar na estratégia ao adotar-se a criatividade como suporte para incorporar valor ao aprendizado, usando-a como meio de superar os desafios. Inovar. Ou seja, transformar ideias em novos produtos e serviços; desenvolver novas tecnologias e formas de produção; introduzir produtos e serviços em novos mercados e ainda, em contexto global, enfrentar os inúmeros desafios do planeta, nas áreas de saúde, moradia, meio ambiente, educação e trabalho. É por essa razão que vários países têm buscado incluir a criatividade como uma prioridade política, promovendo o seu fomento na educação formal, nas indústrias e em outros tipos de organizações. Apesar da importância da educação superior para o fomento da criatividade, à exceção de Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, em outros países pouco tem sido feito. No Brasil, quase nada foi realizado, como atesta o estudo feito pelas professoras Maria Lima Açoriano de Alencar e Denise de Sousa Fleith denominado “Criatividade na educação superior: fatores inibidores”. É um belo trabalho que comentaremos no próximo artigo.