“Fazer jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que seja publicado.” Não quero aqui contrapor a tese expressa na oração que tão bem define a chave de um jornalismo atuante e combativo. Nem defender a adoção de um jornalismo chapa branca, que seria ainda mais pernicioso do que o “jornalismo da depressão” que é vastamente praticado hoje no país. Mas é diferente propor um jornalismo que valorize as boas práticas na sociedade, aquelas que são capazes de transformá-la, indo além da pintura de um cenário de erro absoluto. Ricardo Corrêa[1]A metáfora é repetidamente utilizada em palestras e vai servir para o assunto de hoje: mas, afinal, um copo com água pela metade está meio cheio ou meio vazio? Então, o que é notícia ruim ou notícia boa? Vale o viés do espectador/leitor quando abre os jornais ou revistas e no mais das vezes vê escancarada uma notícia que “teria” o fim desastroso, pessimista e negativista. Afinal, qual a intenção de quem escreveu, derrotismo, provocação para um alarde do tipo “pode(ria) ser bem pior”. Por que não pode(ria) ser bem melhor? É frequente se ouvir que os jornais e a TV só noticiam fatos ruins e que seus autores estão a serviço dos demônios escondidos nas redações e há quem diga da proporção de em cada dez informações apenas uma é de bom agouro. O trabalho diário do jornalismo é dar vazão às constatações, verificados os fatos, fazer notícias com a impregnância da isenção, do apartidarismo, da neutralidade e sobretudo do distanciamento da inverdade. Nas redações dos veículos, a primeira preocupação do profissional de imprensa é identificar qual o seu público-alvo e sobre ele deitar material de seu gosto, pouco ou nada importando se é um consumidor de boas ou más notícias. E há mesmo especialistas em negativismo. Haja vista a imensidão de leitores e telespectadores, verdadeiros adoradores das desgraças. São milhões em todo o mundo. Em São Paulo já existiu jornal de que diziam “... se espremer, sai sangue”. O negativismo não é relatar o crime, mas tudo que decorre do “não vai dar certo”. Ao menos na mídia eletrônica da internet já começa a surgir outro tipo de seguidores, cansados de notícias ruins e que agora espalham histórias positivas no Facebook. Eles formam grupos e sites que reúnem pessoas que querem ler apenas boas novidades, nada de crise política, econômica ou violência. Por exemplo, a comunidade SOS Boas Notícias, com mais de 1,5 mil membros, foi criada em 2011 como uma fonte alternativa de informações. Quando se entra, a regra é específica: nada de notícias ruins. Isso demonstra o protagonismo atual dos usuários na disseminação das notícias e uma tendência de curadoria de conteúdo que já tem milhares de adeptos no exterior. O administrador do grupo, o catarinense Marcelo Feuerschuette Althoff, 50 anos, criou a comunidade para disseminar uma forma mais positiva de ver o mundo. Ele acredita que notícias ruins colaboram para gerar medo e ansiedade e identificou que a pessoa recebe uma carga de informações muito pesada no dia a dia, mas que, efetivamente, não faz parte da sua realidade. Isso, segundo ele, intoxica, traz pânico e depressão. Um dos sites mais populares desse tipo no Brasil, o Razões para Acreditar, reúne mais de 135 mil curtidores na página da rede social, iniciativa do designer e publicitário Vicente Carvalho, 31 anos, que começou com um blog que se transformou em site. O alvo no Facebook são jovens entre 18 e 35 anos. É ele quem explica: “Nosso objetivo é inspirar pessoas para que saiam do ’automático‘ e vejam que tem muita coisa boa no Brasil, seja sobre conquistas de gênero, ações que geram gentileza ou empreendedorismo. Vivemos uma maré de negativismo. Criei o blog para combater isso”. A humanidade precisa eleger posições e vem adotando a moda do good news contra a síndrome da notícia ruim. O Observatório da Imprensa, sob liderança do competente Alberto Dines, tem posição firmada: “Em meio à crise política e econômica, o noticiário não anda dos mais aprazíveis. Matérias diárias sobre mortes, corrupção e outros crimes diversos acabam por criar um clima denso sobre a situação do país. A imprensa, entretanto, não pode se abster de comunicar os assuntos de momento, por mais reprováveis que sejam”. Na matéria “Eles cansaram de notícias ruins e agora espalham histórias positivas no Facebook”[2], do jornal Zero Hora, chama a atenção o intertítulo ‘Imprensa mais propositiva’, que traz o depoimento de jornalistas sobre o negativismo da imprensa. O mea culpa ficou implícito na matéria, ainda que notícias ‘ruins’ sejam naturais em um veículo de hard news. O professor de Jornalismo da PUCRS Marcelo Fontoura sinaliza que é da raiz da imprensa abordar problemas, mas que ela poderia ser mais propositiva. “A imprensa perdeu a capacidade de falar sobre o que está dando certo. Então, temos a distorção de que o mundo é muito negativo. Um dos grandes desafios do jornalismo hoje é propor soluções e indicar caminhos, especialmente no Brasil“, avalia. Informar as notícias negativas não deixa de ser menos exaustivo para os profissionais da área. Jornalista há mais de 30 anos, Rinaldo de Oliveira, 52 anos, fundou o www.sonoticiaboa.com.br em 2009 e concilia o projeto com o trabalho de repórter de televisão em Brasília. O tempo reservado para o site não deixa de ser terapêutico para o próprio jornalista. “Preciso dar notícias boas para mostrar à minha filha que o mundo não é tão ruim. Um dia, as pessoas vão parar de ver o noticiário. Por isso, alguma coisa tem de mudar, e a gente deu esse pontapé inicial”, diz. Para o jornalista potiguar Francisco Julio Xavier, “negativismo é pouco. Tudo que está ruim, fazendo uma forcinha, será péssimo ao final. Essa sem dúvida é a ideologia dos meios de comunicação”.. Para jornalistas e redações que são Ph.D. em jogar notícia ruim no ar, dar informação boa é uma tarefa muito difícil. Ficam acomodados a uma fonte de um lado só e desejam que o ruim seja engolido pelo péssimo para comprovarem sua mesquinharia no simples e reto aspeado: "divulgamos aqui". O jornalismo não deve descer a tão miserável destino. Estar em oposição ao bem-estar da população e ser contribuinte para que a nação caia no buraco é uma artimanha pobre e faz nos envergonharmos desse jornalismo que tem por vez trabalhar envolto em interesses destruidores. Em Roma, diante de 10 mil fiéis, o Papa Francisco em uma solene cerimônia tradicional, o "Te Deum" de ação de graças, na Basílica de São Pedro, às vésperas do fim de ano, exortou que a mídia precisa dar mais espaço para as boas notícias. Disse ele que os meios de comunicação precisam abrir mais espaço para histórias inspiradoras e positivas para contrabalançar a preponderância do mal, da violência e ódio no mundo. Disse ainda que “houve muitos grandes gestos de bondade para ajudar os necessitados, mesmo que eles não apareçam em programas noticiosos da televisão porque as coisas boas não fazem notícia". Quanto ao jornalismo, pragmático, determinado pelo seu bom êxito prático, no cotidiano das redações, nas emissoras de rádio, nas TVs, revistas e jornais diários, que sentido se deve adotar frente ao desagrado de suas informações? Aceitamento ou resistência? Introduzida na Dinamarca por Cathrine Gyldensted[3], a noção de jornalismo positivo vem emergindo na Europa e muitos cursos têm tratado dessa nova abordagem da informação. A jornalista diz que se trata de prover um tratamento mais sólido e construtivo da informação: “A profissão de jornalista frequentemente tende a induzir ao erro confundindo espírito crítico com uma abordagem sistematicamente negativa”. Ela sugere que se integre o leitor à notícia, para que ele seja menos passivo. Por exemplo, em vez de noticiar o aumento do desemprego, dizer que, com certeza o desemprego tem aumentado, mas as soluções para enfrentá-lo são tais e tais. “É a maneira construtiva pela qual a informação é tratada”, propõe Cathrine. Segundo ela, para concentrar-se na solução de problemas, uma das primeiras ideias seria privilegiar a “entrevista construtiva”, ao invés da “entrvista vítima” a fim de lançar luzes sobre o compromisso e a colaboração das pessoas para resolver uma situação e não simplesmente noticiar um fato. As mídias de informação construtiva já são realidade na Inglaterra e na França, países onde o Positive News e os sites Reporters d’Espoir e Courant Positif, com um ângulo editorial diferente, querem satisfazer o leitor cansado do tratamento negativo da informação. Eles querem fazer face ao pensamento (estreito) único, para mostrar outros caminhos. Para o pessimista, o copo está meio vazio. Para ele, assistir (ler) notícias ruins leva à depressão, às doenças psicossomáticas, aos conflitos, à crise dos valores morais, que têm como resultado a tendência à desonestidade, ou pior, às desordens sociais. Para o otimista, o copo está meio cheio. Para ele, é uma traição por cumplicidade com uma visão estreita de a realidade continuar a consumir notícias ruins. [1] Ricardo Corrêa é jornalista e editor-adjunto de Política do jornal Hoje em Dia (Belo Horizonte, MG). Foi coordenador de Comunicação da Fecomércio Minas e chefe de reportagem dos jornais O Tempo (Contagem, MG) e Panorama (Juiz de Fora, MG). [2] http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2015/10/eles-cansaram-de-noticias-ruins-e-agora-espalham-historias-positivas-no-facebook-4879011.html [3] Cathrine Gyldensted é a criadora da aplicação da psicologia positiva e campos relacionados à inovação do jornalismo. Ela foi pioneira, em 2011, em metodologias de jornalismo construtivo e trabalha com empresas de mídia e escolas de jornalismo em nível mundial. Anteriormente, trabalhou por 15 anos como repórter investigativa e correspondente internacional. Ela tem mestrado em Psicologia Positiva Aplicada da Universidade de Pennsylvania, EUA.